quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Comentando Ōoku #8


Faz uma semana, duas talvez, que terminei a leitura do volume #8 de Ōoku (大奥).  Lançado em setembro de 2013, ele estava aqui em casa fazia mais de um ano.  Sim, a maternidade e os problemas que enfrentei com a doença do meu marido me absorveram de tal forma que tinha três volumes de Ōoku e os dois últimos de Black Bird para terminar de ler e resenhar.  Quando saiu no Japão, o volume #8 me deixou particularmente curiosa por trazer na sua capa um homem loiro de olhos azuis.  Como Fumi Yoshinaga mantém uma estabilidade étnica no traço das personagens da série, imaginei um Ocidental e no quanto isso significaria de mudança na série.  Sim, o volume representa o início de uma virada, ou, pelo menos, assim eu percebi.

O volume #8 é composto por histórias aparentemente desconexas, isto é, não existe uma personagem dominante ao longo dos capítulos.  Outra característica, já vista, aliás, em outros volumes da série, é que é um volume de apresentações e despedidas.  Tokugawa Yoshimune, 8ª Shogun, está idosa, seu governo chegando ao fim, e há a necessidade de definir a sucessão.  Apesar de sua saída de cena, sua sombra permanecerá nos próximos volumes e, talvez, até o final da série.  Outras personagens são apresentadas, com destaque para Tanuma Okitsugu, Aonuma (*o loiro da série*) e Hiraga Gennai.  Não considero as filhas de Yoshimune como personagens de destaque no volume, elas se prestam mais como figurantes de um grande drama, assim como o capítulo do cozinheiro, Zenjiro, serve simplesmente para marcar a transição.  É um bom capítulo, mas se fecha em si mesmo. 

As despedidas das grandes personagens de Ōoku, são sempre doídas.  Yoshimune, em especial, é personagem central na história, pois ela abre o mangá e retorna mais tarde, depois do longo flashback. A primeira parte do volume centra-se no drama da sua sucessão: Ieshige, filha mais velha, é visivelmente inadequada para o posto de Shogun, já a filha do meio de Yoshimune, Munetake, parece reunir todas as capacidades necessárias para o desempenho da função e sabe disso, no entanto, sua atitude superior e seu desdém pela irmã muito menos dotada desagradam Yoshimune e ela se apega à tradição da primogenitura.  Não há nada mais destrutivo para uma monarquia, especialmente uma de recortes absolutos, do que a passagem de poder ao mais velho e, não, para o filho (*ou filha*) mais capaz.  Esta prática, que é comum, mas não única neste tipo de regime, que fique claro, já comprometeu muitos reinos e impérios.  

A autora joga com os leitores e leitoras tentando nos fazer ter simpatia por Ieshige.  Será que ela não foi negligenciada?  Seu apego à luxúria e à bebida não são reações à falta de amor materno?  A própria Yoshimune cai na armadilha, mas Fumi Yoshinaga logo nos mostra que, não, Ieshige é um fiasco em todos os sentidos, trata-se de uma personagem que não consegue sequer ser medíocre, ela está muito abaixo disso.  O Ieshige real não foi muito diferente.  Percebe-se o ressentimento da filha pouco dotada ao se ver menos que governante mesmo depois que Yoshimune lhe entrega o cargo, porque, a rigor, é a shogun idosa que continua governando do seu retiro, recebendo as conselheiras e dando as ordens.  Resta para Ieshige a esbórnia.  

Ainda falando em Yoshimune, é desvendado neste volume como todas as pessoas que poderiam servir-lhe de obstáculo para que se torna-se shogun simplesmente desapareceram, tando sua vida abreviada.  Hisamichi, que a autora sempre desenhou como uma mulher gordinha e simpática, é a chave do segredo.  É a despedida de ambas, e, bem, uma celebração da amizade entre mulheres ainda que de condições sociais muito diferentes.  A fidelidade de Hisamichi à Yoshimune é comparável à que Tanuma Okitsugu tem pelo shogunato e pela coisa pública.  Okitsugu é uma das personagens hegemônicas nos volumes #8, #9 e #10.  

Neste volume que estou resenhando, Tanuma Okitsugu é uma jovem pajem que, apesar da sua origem social inferior, consegue subir dentro da hierarquia do governo.  Seu talento, discernimento, fidelidade e o fato de ter impressionado Yoshimune abriram as portas.  Mesmo tendo origem nobre, ela não deixa de observar que o código samurai muitas vezes perde de vista alguns aspectos importantes da vida, especialmente, da economia.  Assim como na Europa feudalizada,  havia entre os nobres guerreiros uma aversão ao comércio e a concepção de que não era um trabalho, porque não produzia bens, mas dinheiro.  Precisando de receita, atormentado por tragédias naturais, o shogunato aumentava o peso sobre os camponeses.  Resultado?  Fome e revoltas.  A jovem Okitsugu mostra para Yoshimune que existem outras possibilidades.  Sua franqueza e inteligência fizeram diferença em seu futuro.

Yoshimune – ainda que o mangá não mostre isso claramente – era um tanto fascinada pela cultura dos bárbaros ocidentais.  Sendo assim, suspende várias restrições impostas por seus antepassados.  A importação de livros, a possibilidade dos intérpretes que trabalhavam com os holandeses registrarem as palavras e construírem dicionários, tudo se tornou possível durante seu governo.  Nagasaki era o único lugar onde os estrangeiros, e estes eram somente os holandeses, podiam comerciar e manter contato com os japoneses.  A ação do volume se transfere para lá no seu último capítulo.  Em Nagasaki, o Shogunato mantém artificialmente a idéia de que a praga não dizimou os homens, algo fundamental para que o país estivesse protegido.  Assim, todos os intérpretes são homens, assim como os que tem permissão para se dedicar aos “estudos holandeses”. É em Nagasaki que conhecemos Gennai e Aonuma.

Hiraga Gennai era um cientista, escritor, poeta e inventor.  Segundo pesquisei, a personagem apareceu em vários mangás e animes e é das mais importantes.  Gennai em Ōoku é, também, um andarilho incumbido por Okitsugu de investigar a peste e, talvez, descobrir alguma possibilidade de cura.  Gennai não teme a varíola vermelha, porque, bem, trata-se de uma mulher.  A personagem é a mais queer da série até agora.  Livre, tagarela, sexualmente ativa (*algo que fica nas meias palavras*), autora de livros eróticos, Gennai parece ser bissexual.  Seu interesse parece ser por pessoas e conhecimento, ainda que, oficialmente, ela não possa se aprofundar nos estudos holandeses. A personagem fica naquele limite entre ser irritante e adorável.  E suas cenas – as cômicas e as sérias – são sempre ótimas.  É Gennai que vai em busca de um professor de “estudos holandeses” e encontra Aonuma.  

Aonuma não me agradou no começo.  Yoshinaga o desenha com uma aparência muito mais velha do que os seus declarados 17 anos, ele é grosseirão e de atitude intimidadora.  Nem o seu passado triste, afinal, ele é um mestiço filho de uma prostituta e um holandês, que sofreu com o desprezo e perseguição a vida inteira, me fez simpatizar com ele...  Parecia uma daquelas persoangens revoltadas chatinhas e o fato de Gennai ser mulher, ainda que em uma situação de constante transgressão das fronteiras de gênero, melou a possibilidade de um BL.  Ainda pensei, "Uau, será que Yoshinaga vai voltar as raízes um tiquinho com esses dois?".  Nada, ela é sobriedade só nesta série.

 Só com o tempo a autora conseguiu me fazer gostar dele, ainda que ache os 17 anos muito pouco, seja para a aparência, seja para os conhecimentos adquiridos.  Aonuma é brilhante e outra mente brilhante, neste caso Gennai, reconhece isso de longe.  O mestre de Aonuma, um médico intérprete, quer transformá-lo em seu herdeiro.  O rapaz não quer deixar Nagasaki, mas sabe que sua permanência poderia ser fonte de problemas para seu mestre, assim, ele aceita seguir para o Ōoku.  É em Nagasaki que vemos pela primeira vez a forma branda da varíola vermelha e a informação será útil em capítulos próximos.

Termino a resenha com o capítulo de Zenjiro, o cozinheiro talentoso que entre para o Ōoku em busca de aceitação.  É através dele que Yoshimune discute os papéis de gênero neste volume.  Zenjiro trabalha em uma hospedaria-restaurante e seu talento é amplamente reconhecido sempre com o acréscimo de que ele é “muito bom para um homem”.  Humilhado e invejado, afinal, a cozinha é espaço das mulheres, ele termina demitido depois de muitos anos de bons serviços.  Quando falo em espaço das mulheres não estou falando da cozinha doméstica, mas da comercial, dos grandes chefs.  No Japão, há quem defenda até hoje que fazer sushi é trabalho de homem.  Em Ōoku, este espaço de distinção social tornou-se feminino e Zenjiro é levado a pensar por causa de sua mestra que no Ōoku tudo seria diferente.  Lá, no entanto, ele descobre que a perseguição, a competição e as invejas não eram coisa somente de mulher... 

O capítulo de Zenjiro trata das inversões de papéis de gênero não somente ao falar do cozinheiro, mas, também, do concubino de Ieshige, o pai de sua filha, condenado à prisão perpétua.  O rapaz quer morrer de fome e Zenjiro é escalado para tenta-lo com as melhores iguarias.  Nasce respeito e amizade entre os dois e somos presenteados com um capítulo muito interessante, mas que é somente isso, interessante, pois não ajuda a dar andamento na história geral.  Ah, sim, foi bom ver neste volume o quanto Sujishita, uma das personagens do primeiro volume, subiu na hierarquia do Ōoku.  Tornou-se favorito de Yoshimune, tornou-se camareiro mor e recebeu de Yoshimune a incumbência de agir como pai de suas filhas da mesma forma que Arikoto cuidou da filha mais velha de Iemitsu.  Nada mal para quem começou de baixo.

É isso!  O volume #9 já está lido.  O último capítulo do volume #8 introduz as personagens que serão preponderantes nos volumes seguintes e, ao que parece, Yoshinaga pode, sim, terminar a série no volume #12.  Aliás, a capa branca do volume #10 representa a virada e, bem, a leitura desses últimos volumes foi mais que empolgante.  Infelizmente, não aprece haver previsão de lançamento do volume #11 nos EUA.  Espero que saia no início do segundo semestre, pelo menos.

1 pessoas comentaram:

Preciso retomar a leitura do Ooku. Aquele inglês arcaico que usaram na tradução me atrapalha muito e eu acabo me cansando muito pra ler.
Também preciso comprar os últimos volumes, mas com o dólar do jeito que está, vai ficar difícil.

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