sábado, 3 de outubro de 2015

Novelando Emergencial: Novelas que não vi e comparações que me incomodam


Este texto é fruto de um medo que tenho e que foi alimentado pelos inúmeros posts de Facebook e alguns textos que li: a lógica de causa e efeito.  Eu veria ambas as manifestações - a novela e o caso do quase estupro - como parte da mesma formação discursiva, elas são possíveis, elas se interrelacionam, elas dizem muito sobre como pensamos as relações de poder, a sexualidade, mas uma não é fruto da outra.  Não sabe do caso?  Trata-se de um crime que foi evitado, porque uma menina de 14 anos viu uma troca de mensagens entre sua mãe e o namorado ou amante.  O homem pedia “uma prova de amor”, que a mãe o deixasse estuprar suas duas filhas, uma de 14 e outra de 4 anos.  Com clareza mesmo, parece que a de 14.

Obviamente, cabe questionar como uma sociedade é complacente com a ficção, e eu diria que o rosto e o corpo do Rodrigo Lombardi tem muito a ver com isso, e se horroriza da realidade.   O ator declarou mesmo que ao ser convidado para o papel lhe foi exigido que moldasse seu corpo para que se tornasse modelo de virilidade perfeita e desejada, tanto para mulheres e homens gays, quanto para outros homens hetero. Trocassem o Rodrigo Lombardi por um ator que parecesse ter a idade que ele teria na novela, ou  que não fosse considerado belo, o resultado poderia ser bem outro.   Ari Fontoura, em Tieta, era rico e poderoso, mas não era pintado como homem atraente, não tinha virtudes, só defeitos.  

Relação coercitiva sem glamour e despertando o repúdio da maioria.
Os mais novos não lembram de Tieta, mas o coronel tarado que comprava meninas virgens nessa novela não era bem visto pela audiência.   Já a novela atual, a que se encerrou, joga com outros signos e estimula fetiches.  Todos torciam contra o coronel, chamado por Tieta de "velho babão", e para que a uma das mocinhas (Luciana Braga) escapasse “pura” e “virgem” para um amor verdadeiro. Tudo isso embalado pela música Imaculada, na voz de Elba Ramalho. Tratava-se da mesma iniciação sexual feminina sob controle masculino, só que guiado por amor, o desejo legítimo de "ser mulher" só que com o "príncipe" e, não, com um homem mais velho que usa do poder econômico para deflorar (*mediante estupro*) e explorar sexualmente meninas.

É preciso lembrar, também, que  um é ficção, está sob controle, o outro, mostra o perigo que está à espreita.  Não vejo simetria tão forte entre os dois.  Preocupa-me, também, certos discursos pró-censura ou comparando Verdades Secretas e Babilônia.  A primeira foi elogiada, a segunda, criticada, boicotada.  Houve homofobia no caso Babilônia?  Sim, houve.  Eu comentei no blog, mas os analistas de TV foram quase unânimes em apontar que a novela teve muitos problemas.  Eu antevi alguns em uma mera análise do primeiro capítulo.  Já Verdades Secretas foi elogiada por sua direção requintada, pelo desempenho de alguns atores e atrizes e a maioria acrescentava que tudo isso apesar dos deslizes do texto de Walcyr Carrasco. Como não gosto dele, e conheço seu trabalho, sei que  maioria das críticas devem ser justas.  Não espero dele reflexões feministas, o que espero é reforço dos machismos do senso comum, misoginia até, racismo, moralismo mal disfarçado, fora os exageros... E, bem, o elogio para a direção foi exatamente por corrigir algumas falhas do autor.

A tal falsa simetria que provocou este texto.
As críticas são válidas, mas vamos tentar comparar novelas antes de pensar em teorias da conspiração?  Eu não vi nenhuma das duas, mas lia os resumos semanais (*hábito de duas décadas, acho*) e uma parecia ter coerência, gostando, ou não, dos temas, já a outra, perdeu-se e os autores não conseguiram salvar quase nada dela, em parte, aliás, por orgulho mesmo.  Custa admitir que Babilônia foi uma novela ruim?  Isso joga por terra o excelente trabalho que alguns atores e atrizes fizeram ou cenas isoladas - e novela não é cena isolada - que foram excelentes?  Acredito que não.

Outro fator importante a analisar é o horário de exibição.  Verdades Secretas vai ao ar 11h da noite e nem beijo gay faltou à trama.  Ao que parece, o fato de estar tão tarde peneira muito a audiência.  Vê quem quer, quem pode, é produto vendido para adultos e ponto final.  As temáticas tratadas podem chocar, incomodar, mas estarão longe dos olhares do expectador mais conservador, ou mesmo recebe destes o aval, porque não está sendo oferecida em horário nobre, como se ninguém pudesse trocar de canal na hora do Jornal Nacional e da novela das nove.  Os Dez Mandamentos estão mostrando que a coisa não é bem por aí e outros produtos já provaram isso antes, mas o povo não tem memória.

O beijo da discórdia: lesbofobia e desprezo pelos idosos.
A novela das nove, ao contrário do que era nos anos 1970 e início dos anos 1980, deixou de ser encarada pela maioria como um produto mais sofisticado, e passou a ser “produto para toda a família” usurpando o lugar das novelas das seis e das sete.  Daí, as críticas absurdas – e que dizem muito sobre a forma como alguns pais estão educando seus filhos e filhas – de que há crianças assistindo.  Não deveria haver.  Não estou defendendo uma novela e atacando a outra, vejam bem, só refletindo sobre alguns pontos. Se vi algumas cenas de Babilônia, nada vi de Verdades Secretas, mas está me incomodando muito essa falsa simetria entre realidade e ficção, entre novelas diferentes com formatos e horários diferentes.  

Nem vou entrar muito na discussão da pedofilia, porque, efetivamente, não vejo este crime expresso no desejo de um homem mais velho por uma adolescente, 14 na realidade e 16 na ficção.  Quem cobiça uma adolescente parece desejar um corpo jovem, submisso, porque inexperiente, puro, porque provavelmente virgem, mas não se trata de um corpo infantil, não para a maioria.  É uma relação de poder mesmo, que antes, em outras épocas, era vista como aceitável e tínhamos casamentos arranjados e noivas-criança cobertas de flores de laranjeira casando-se com homens que poderiam ser seus avós.  Hoje, tal ainda acontece no Ocidente – e estamos falando de Ocidente – mas a sociedade e, em alguns lugares a lei, já não se mostra tão receptiva.  Há o deboche, há os narizes torcidos, mas há, também, os que cobiçam um dos lugares, seja por fetiche ou interesses financeiros, ou desejo mesmo.

Relação construída para seduzir e excitar.
Não aceito, também, o uso de pedofilia para adolescentes, porque isso lhes rouba a autonomia e o protagonismo, a capacidade de discernir, ainda que com algumas limitações.  Uma criança não escolhe, às vezes, sequer tem noção do abuso.  Um adolescente, muitas vezes, é enredado/a, mas, lá no fundo, sabe que algo na relação não está bem.  Por isso, precisa de ajuda.  E outro ponto: estupro.  Não existe sexo forçado, existe estupro.  O caso real que descrevi nada tem de sexo, de romance, ou o que seja, é estupro.  Um homem desejava dopar uma menina e violentá-la com a conivência da mãe. Na novela, o abuso existia, mas havia um jogo, cruel e desigual, sim, mas jogo entre duas partes, ou mais até, se considerarmos a mãe da menina.

É isso, a torcida por Alex e Angel me incomodou, mas eu entendo bem os mecanismos que possibilitaram isso.  Muita gente elimina os fatores de abuso e deseja as cenas dos dois, estar no lugar de um ou outro.  Pornografia, em filmes ou literatura, velhos clichês românticos embolorados, ajudam a explicar.  O problema é a ficção endossá-los.  Infelizmente, acontece, mas a gente está aqui para criticar.  O que não pode é o grito de censura puro e simples.  Os links do texto se remetem a notícias externas, outros sites comentando o crime ou a novela, ou posts do próprio Shoujo Café.  Para uma discussão muito pertinente sobre pedofilia, recomendo este post do site da Lola, que foi escrito por uma psicóloga.

4 pessoas comentaram:

Eu não sei se o problema de Babilônia foi ser ruim, até porque muitas novelas ruins já fizeram muito sucesso. Agora sobre verdades secretas, eu vi uns capítulos, li resumos e acompanhava comentários pelo twitter e vi o elenco comentando a novela no programa da Fátima. Eu fiquei incomodada com o rumo que a discussão sobre o caso Angel e Alex foi levado no programa matinal como um simples caso de interesse em moças mais jovens e homens mais velhos. No mesmo programa uma moça lá endossou o discurso até dizendo que quando era aluna se interessava pelos professores ao invés dos colegas e por aí vai. Também discutiram a autonomia da adolescente em escolher e os pais confiarem nas escolha da filhas. (eu particularmente acho problemático um cara de nos sesu 40 anos de envolver com uma adolescente) Mas na novela temos dois casos de adolescentes que se envolvem com homens bem mais velhos. O caso da filha do Alex que parece onde há uma igualdade maior no relacionamento lá com o personagem do Gianecchini, já o caso da Angel que é bem síndrome de Estolcomo e se parece mais com um caso de relacionamento abusivo que romântico.
E depois que vi uma postagem de uma assistente social que mostrou o problema q a novela representava para as adolescentes vítimas de abuso que de certo modo a novela culpabilizava a vítima de abuso, eu vi que não estava enxergando cabelo. Mas concordo com você que no caso da novela não há pedofilia.

Não vi o programa da Fátima, nem tinha sabido dele. Neste caso, tomando o que você escreveu, Juliana, anulou-se a violência da relação - abusiva e doentia - e insistiu-se que era um romance, alimentando, por um lado o romantismo das meninas e, por outro, o fetiche dos caras. Agora, esse discurso fofinho só funciona se temos como o homem desejado alguém que parece saído de romance Harlequim e com o rosto do Gianechini ou do Rodrigo Lombardi. Fosse um Ari Fontoura, eu duvido que iria colar.

De resto, a novela reforçou, sim, a idéia de que a vítima é culpada. Seja a Angel, seja a modelo que mentiu que foi estuprada. Mas é aquilo, a gente tem o dever de criticar, porém a novela jogou com o imaginário, o que já estava dado. O ridículo do Walcyr Carrasco é medíocre demais para inventar coisas, ele reforça, maquia, mas não cria.

Quanto à Babilônia, outras novelas muito ruins fizeram mais sucesso, e boas que não emplacaram, mas recebiam a audiência lá no alto do JN e não tinham que competir com outras formas de diversão, como a Internet, o Netflix e mesmo a novela da concorrente. Fora, claro, que ser ruim tem gradações e Babilônia era ruim de enredo mesmo, de coerência geral ao ponto de descaracterizar as persoangens.

Gostei muito do texto! Também me incomoda um pouco quando denominam de pedofilia a relação entre adultos e adolescentes, por menos sadia que possa ser - acho que quem faz isso não se dá conta que está banalizando o horror bem maior que é a pedofilia.

Em inglês existem termos para isso: Ephebophilia - 15 a 19 anos, Hebephilia - 11 a 14 anos. E pedophilia (pedofilia) para criança.

Related Posts with Thumbnails