segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Qual o maior problema dos filmes de Princesa Disney? Duas linguistas parecem ter descoberto



Faz quase duas semanas que estou para comentar essa pesquisa – na verdade, os resultados resumidos publicados em vários sites da  internet – feita pelas linguistas Carmen Fought e Karen Eisenhauer.  Independente dos resultados preliminares, as autoras estão preocupadas com o impacto dos filmes de princesas da Disney sobre as meninas, seu papel na construção dos papéis de gênero e como é importante desnaturalizar certos comportamentos.  Eu estou usando como base as matérias do The Mary Sue, um site nerd feminista, do jornal The Whashington Post, que, a meu ver, detalha muito mais a pesquisa, e do USA Today, que tinha gráficos melhores, além de um site chamado Quartz.  

As autoras apresentaram gráficos de dois aspectos dos filmes de Princesa da Disney, o primeiro é a quantidade de falas que as personagens femininas têm; o segundo, é o tipo de cumprimento que essas personagens recebem, se mais para a sua aparência, ou para suas habilidades.  Elas dividiram os filmes em três Eras, a Clássica (Classic Era) começando com Branca de Neve, em 1937, e terminando com a Bela Adormecida em 1959; a Renascença (Renaissance Era), que inicia com A Pequena Sereia, em 1989, e segue até Mulan, em 1998, e a Nova Era  (New Age) que começa com A Princesa e o Sapo, em 2009, e segue até os nossos dias com Frozen, em 2013.


Curiosamente, e isso é o que de mais significativo eu vi nessas matérias de divulgação da pesquisa, é que nos filmes clássicos havia maior equilíbrio na quantidade de falas de personagens masculinas e femininas.  Olhem só, mulheres têm 50% das falas em Branca de Neve (*mesmo com SETE Anões como coadjuvantes*), 60% em Cinderella e 71% em A Bela Adormecida.  Já, na Renascença, a desproporção é absurda.  Homens falam 68% dos textos de A Pequena Sereia, 71% dos textos de A Bela e a Fera, 90% dos textos em Aladim, 76% dos textos de Pocahontas e 77% dos textos de Mulan. 

As autoras apontam que essas coisas acontecem especialmente, porque todas as sidekicks e personagens de fundo com falas são homens.  Se você coloca uma banca de verduras, o vendedor é um homem, por exemplo. Querem ver, se o sidekick de Mulan – o dragãozinho Mushu – fosse do sexo feminino, teríamos o problema desse filme resolvido.  E tal persiste até nos desenhos mais modernos, basta pegar o elenco de qualquer filme da Nova Era que tem mais machos que fêmeas de qualquer espécie.  


Assim, a princesa está sempre cercada de homens, são eles que fazem tudo, eles são os poderosos, o interesse romântico, os bobões.  Não há espaço para mulheres além dela mesma.  Pegue A Bela e a Fera, fora Mrs. Potts (*a chaleira*), todos os utensílios com destaque na casa são homens.  E tudo parece normal.  Fora isso, e as matérias não tocaram nesse aspecto, nos desenhos da Renascença, salvo pela Pequena Sereia, todos os vilões são homens, e se contarmos os da Nova Era, a exceção é Rapunzel e, ainda assim, a quantidade de falas é femininas é de 52% somente. 

Some-se a isso o fato das mães serem absolutamente ausentes, a quantidade de falas femininas é mínima. Mesmo em Frozen, com todo o seu suposto empoderamento, 59% das falas são masculinas, afinal, são Ana e Elsa cercadas de machos por todos os lados.  Tal é muito chocante se pensarmos que em A Princesa Sapo a protagonista tem mãe e melhor amiga e, ainda assim, a maioria absoluta das falas é masculina.  Exceção vai para Brave, com 74% de falas para as mulheres, mas, aí, é fácil entender, pois boa parte do filme é a interação entre mãe e filha, diálogos e discussões entre elas.


Agora, minha crítica, vamos lá!  Primeira coisa, Aladim não é filme de princesa.  Ainda que se aplique nesse tipo de filme os princípios da falta de representatividade, o filme não se chama Jasmine, trata-se de um filme de herói e a personagem só é contada como princesa, porque, bem, a Disney precisa investir, mesmo que por linhas tortas em representatividade étnica.  Esse furo foi tão grande que, a partir dele, poderia se tentar erodir toda a argumentação.  Falando da Pequena Sereia, apesar do problema do elenco predominantemente masculino, é preciso dar um desconto, afinal, a protagonista, Ariel, está silenciosa durante boa parte do filme.  Comparemos com A Bela Adormecida que tem a heroína, a  rainha, as três fadas-tias e Malévola, é um elenco feminino amplo e com muitas falas.

Mulan, eu daria desconto, também, porque, bem, trata-se de uma heroína passando-se por homem e no meio da guerra, ainda que Mushu, o dragão, fosse menina... E A Bela e a Fera é isso, não é só “A Bela”, a Fera é co-protagonista e muito mais presente do que qualquer um dos príncipes antes e depois da Disney.  Já os príncipes dos filmes clássicos, salvo Felipe, era meros “lugares”, a possibilidade de fuga para a princesa, sem grande importância ou falas significativas.


Agora, quando a gente entra no quesito elogio para a aparência ou para as habilidades ou feitos, os filmes clássicos são um horror.  Em Branca de Neve, Cinderela e A Bela e a Fera 55% dos cumprimentos recebidos pelas personagens são ligados a sua aparência e somente 11% para habilidades ou feitos.  Na Renascença, os cumprimentos pela aparência caem para 38% na média de todos os filmes e na Nova Era somente 22% dos cumprimentos estão ligados à aparência das personagens.  Isso, sim, é um grande avanço.  

Pensando no objetivo final, que seria discutir a influência desse tipo de representação da feminilidade e o impacto sobre as menininhas, eu realmente acredito que se elas são expostas a este tipo de material o tempo inteiro, chamadas de princesas regularmente, cercadas de todo tipo de estímulo a se preocupar com a aparência do que em brincar, correr, descobrir, se sujar, isso pode ter um efeito daninho sobre suas personalidades, sim.  Mas é uma regra?  É necessário jogar esse material todo fora?  Acredito que, não.  


Lembro de uma entrevista antiga com a Michelle Pfeiffer em que ela falava da preocupação que tinha com os papéis de gênero e o que era vendido nos filmes infantis, mas que não impedia a filha, acho que de três anos de assistir nada.  Então ela comentou que assistiu A Pequena Sereia com sua filha e que a menina amou, mas ela fez questão de perguntar, mas você largaria tudo, sua família, seu mundo, seus poderes por um estranho?  Talvez, eu não pergunta-se isso para a Júlia, sabe-se lá se a felicidade dela com o filme não seria ocasionada por outras coisas?  Agora, eu faço questão de mostrar que meninas e meninos têm valor e podem fazer e ser o que quiserem (*ou pelo menos tentar*).  

No momento, estamos aqui engajados, o pai e eu, que, ao contrário de um desenho besta que ela assistiu mostrou, as abelhas – e formigas, e cupins – soldados são meninas, assim como, as operárias e as rainhas e que, bem, a natureza é plural.  Os filmes de princesa deveriam ser, também, claro, mas se o ambiente que oferecemos para a criança for saudável, acredito que o impacto negativo que alguns materiais podem ter – não que obrigatoriamente terão – poderá ser diminuído.

2 pessoas comentaram:

Olá, Valéria! Gostei muito deste post, aliás, sempre gostei deste blog e de suas matérias, e gostaria de dar uma sugestão. Já ouviu falar de Steven Universo? Não sei se você sabe mas, ele é um desenho atual da Cartoon Network e ele tem muita diversidade. Tais como feminismo, homossexualidade, negros, gordos, etc e gostaria que você pudesse fazer uma matéria sobre isso

Quando comecei a ler, logo de cara já torci o nariz para a inclusão de Mulan e do Aladim no segmento "princesas", como a Valéria bem apontou.
Mas de resto, é interessante enquanto estatística e alerta. Certas coisas são tão naturalizadas que normalmente nem questionamos. Sim, as mulheres podem até ser as protagonistas da história, mas parecem sempre estar cercadas de homens que, de certa forma, conduzem e comandam. Seria isso um reflexo inconsciente da sociedade patriarcal ou uma coisa deliberada?
Em tempos de #OscarSoWhite, e atrizes se posicionando contra o machismo e a diferença salarial, surgem cada vez mais indícios de que ainda temos um longo caminho pela frente em termos de igualdade.

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