segunda-feira, 11 de julho de 2016

Comentando Turma da Mônica Jovem #94 e a polêmica envolvendo a roteirista Petra Leão


Faz umas duas semana, mais ou menos, que a amiga Petra Leão, uma das roteiristas da revista Turma da Mônica Jovem (*e grande cosplayer*), foi assediada, ofendida e perseguida na internet.  Um grupo (*enorme*) de desocupados, quer dizer, pessoas preocupadas com a moral, os bons costumes conservadores e a doutrinação marxista feminista que, supostamente, a roteirista estava promovendo, decidiram deixar clara a sua posição.  Tudo isso, é preciso dizer, depois de serem convocadas por seu guru, um famoso filósofo, ou astrólogo, sei lá eu, da internet.  Esse último dado , aliás, só fui ter vários dias depois, mas recebi na minha conta do Twitter umas três ou quatro agressões que vinham direcionadas à Petra.  Sabe quando respondem uma pessoa e a outra que estava no papo vai junto?  Pois é, assim percebi que os envolvidos em questão, além de grosseiros e desinformados, eram, também, bolsominions.  A coisa ganhou tamanhas proporções que foi parar nos grandes jornais.

A confusão toda aconteceu por causa do nº94 da revista e como fazia tempo que não olhava nada de Turma da Mônica Jovem, e muito tempo quer dizer antes da Petra assumir, na edição nº9, decidi comprar a edição e comentá-la como um todo.   Afinal, não posso embarcar na mesma canoa furada dos críticos que pegam um quadro só, o do “meu corpo, minhas regras” e criam uma ficção de doutrinação comunista em cima disso.  A revista chegou aqui na banca perto de casa na semana passada, li enquanto minha filha estava no parquinho e, agora, tecerei meus comentários.  


A leitura é rápida, direta, simples.  Algo surpreendente, e que mostra que os responsáveis confiam no seu público e nas vendagens, é que há notas em determinados quadrinhos remetendo à edições anteriores, o que daria uma melhor compreensão do andamento da história.  Eu, por exemplo, só soube que a Mônica e o Cebolinha romperam, porque acompanho o Ask da Petra.  Comentei sobre isso em outro post, aliás.  (*A Petra também deu um depoimento para o Shoujo Café uma vez.*)  É importante ressaltar esse tipo de coisa, as tais notas, porque elas apontam que para além da história de cada edição, que é relativamente fechada em si mesma, existe uma trama maior, há a história e o desenvolvimento de cada personagem.  Isso é importante e valoriza a inteligência e fidelidade dos leitores e leitoras.

Foi lendo o Ask da Petra que eu compreendo a importância de TMJ para o seu público que é de adolescentes.  Imagino que entre 12 e 15 anos, com transbordamentos.  Isso quer dizer que eu não sou o público alvo de TMJ e ainda que pessoas adultas possam acompanhar a revista, gostar dela, amar as personagens e tramas, ela tem um público determinado e as histórias focam nele.  


Na capa podemos ver o recorte sugerido com um “aconselhável para maiores de 10 anos”.  Quem é mais jovem pode ler?  Certamente, não há nada demais, no entanto, as personagens são adolescentes e os problemas são típicos dessa faixa etária, somado ao ambiente urbano e classe média que é o das personagens da história.  Se eu ainda estivesse lecionando para o ensino fundamental, poderia saber se as meninas – sim, imagino que boa parte dos leitores sejam meninas – lêem TMJ em público, o que apontaria para o nível de estima que a série possui.  

No tempo que eu estava dando aula para a 7ª série (*8º ano*), as meninas liam WITCH e mangá, os meninos liam mangá, ainda que conhecessem elas e eles os personagens da DC e da Marvel, mas comics nunca vi com ninguém.  Uma amiga professora expressou solidariedade à Petra dizendo que seus alunos e alunas adoram TMJ.  Esta amiga é organizadora de mais de uma gibiteca escolar, a maioria em escolas públicas de Minas Gerais, ela sabe do que está falando.


Pois bem, do que se trata a edição de TMJ da discórdia?  Começamos com a turminha, mais o Do Contra (*doravante DC*), atual namorado da Mônica, saindo do cinema.  Trata-se de uma paródia de Guerra Civil, coisa comum no universo da Turma da Mônica.  Os personagens se dividem entre apoiar o Capitão Homérico ou o Armadura Dourada.  A Mônica, no entanto, parece irritadiça, intragável até, com todos.  A situação persiste por dias, até que é revelado que ela está sofrendo de enxaquecas constantes.  Qual será o problema?

Os exames mais detalhados não pontam nada, então, começam a investigar os dentes.  A marca da Mônica são os seus dentes incisivos protuberantes.  Ela ama seus dentes, mas começam as sugestões e insistências para que ela coloque aparelho.  A personagem resiste e, então, o Cebolinha, seguido pelo DC, decidem iniciar uma guerra.  O time Cebolinha insistindo para que a Mônica coloque aparelho; o time DC que ela “seja ela mesma” e resista.  A menina no meio, sendo bombardeada pela internet, celular, ao vivo e tudo mais.  Situação insuportável e, enfim, em uma explosão, ela usa o jargão feminista “Meu corpo, minhas regras”.  


Para os alucinados e alienados de internet, bastou olhar este quadro para que Petra – e somente ela, apesar do Cassaro assinar a edição – fosse acusada de estar fazendo apologia ao aborto.  Sim, vocês leram bem.  Houve até quem escrevesse para o Maurício de Sousa via Twitter exigindo a demissão da Petra.  O efeito manada lotou a caixa postal, Twitter, Facebook e outras redes sociais das quais ela participava de ofensas e acusações.  Um absoluto horror, fruto do obscurantismo que permeia a sociedade na qual vivemos hoje e assusta pela violência gratuita.

Voltando ao quadrinho, ele termina bem a discussão do aparelho, que é, de forma muito apropriada, situado como algo importante para a saúde bucal, mas, também, um modismo, algo que muitos meninos e meninas querem usar para compor um visual.  A história expõe e discute de forma muito adequada o quanto os adolescentes podem sofrer com a influência do grupo, com a necessidade de se sentirem amados e queridos, e como as ferramentas que temos hoje – celulares e computadores – se prestam a levar para o mundo virtual esse tipo de pressão.  


Para ler e sentir a história em toda a sua extensão, é preciso ser adolescente ou conseguir se colocar no lugar deles e delas.  Nesse sentido, a revista consegue ser bem sucedida.  De resto, a história fecha com a turminha se reunindo, aquela do tempo dos quadrinhos infantis, Mônica, Magali, Cebolinha e Cascão, em uma tarde só deles.  Eu nunca fui leitora assídua da Turma da Mônica original ou da versão Jovem, mas achei essa parte a mais legal da edição.  

Recomendo que você que me lê, antes de embarcar nessa conversa de que TMJ está discutindo aborto, lesse a revista.  De resto, todo e qualquer roteiro da Petra, ou do Cassaro, ou de outro/a redator/a da revista, passa por muitas mãos.  TMJ é uma marca registrada da maior empresa de quadrinhos do Brasil e a Maurício de Sousa Produções é conservadora e busca a massificação.  Alguns temas podem e são discutidos, mas bandeiras tidas como radicais não serão levantadas por eles de forma alguma.  Qualquer pessoa sã saberia disso, mas o Brasil hoje está produzindo aberrações como o “Escola Sem Partido” e muita gente acredita que a Guerra Fria não terminou.


A isso tudo, temos somado o machismo e a perseguição contra as mulheres, algo mais que evidente no caso, aliás.  Preciso desenhar?  Se alguma coisa cheira à feminismo então, é um salve-se quem puder!  Imagine como é radical que uma pessoa afirme que o corpo é seu e ninguém tem o direito de dizer o que você tem que fazer com ele?  Só pode estar falando de aborto, né?  É preciso que se proíba esse tipo de sugestão em uma revista para adolescentes e pré-adolescentes.  E se eles e elas começarem a querer pensar por eles mesmos?  Tristes tempos...

Só que há um ingrediente a mais, um desprezo pelo produto nacional.  E se ele vende bem, e TMJ vende muito bem, vamos ter um monte de gente usando as mesmas analogias elitistas que valem para o funk, sertanejo universitário, e outros gêneros populares.  Brasileiros/as não tem bom gosto, apreciam lixo.  Até li em um grupo “progressista” que TMJ objetifica e sexualiza as mulheres.  Sério, minha gente, eu li.


Enfim, há quem ame mangá e odeie comics; quem ame comics e odeie mangá; quem se ache a última pipoca do saquinho por só ler quadrinho europeu; e nesses grupos todos é possível encontrar mesmo pessoas muito “progressistas” dispostas a difamar e ridicularizar o que é produzido aqui.  E não estou dizendo que você tenha que comprar o que não quer, o que não lhe agrada.  Eu não vou virar leitora de TMJ, por exemplo, podem ter certeza, mas reconhecer o valor alheio, o esforço e o trabalho bem feito, faz bem, sabe? 

De resto, termino confessando que não gostei nada do que li e vi lá no início da série TMJ e que a edição nº5 me deu material para discutir gênero, e que desci o pau nesse número, a palestra está aí no final, a partir do slide 28. Agora, será que por ter lido umas cinco edições lá do começo da série eu sou capaz de reduzir tudo o que foi feito depois àquilo?  De forma alguma.  A começar pelo character design.  Eu tomei um susto com a diferença, especialmente, em relação à Magali, por exemplo.  


Enfim, é isso o que eu tenho a escrever.  Toda solidariedade à Petra Leão.  Continue seu bom trabalho, oferecendo o seu melhor em TMJ.  Seus leitores e leitoras merecem e reconhecem, já os trolls são típicos desse momento lamentável no qual vivemos.  Só que eles, também, irão passar.


P.S.1: A maioria das imagens vieram desse grupo do Facebook.
P.S.2: Se você não faz parte do bando de desocupados que não leu a revista e agrediu a Petra, o texto não está falando de você.  Agora, leia o texto e entenda que o problema não é gostar, ou não gostar de TMJ ou da condução da equipe de roteiristas atuais, isso, aliás, é mais que normal e saudável.  Agora, se você nem faz parte do público principal da revista, um conselho (*porque é de graça e pode ser dispensado sem problema*): seria bom repensar esse seu desejo de que as coisas aconteçam do jeito que você espera, porque, efetivamente, ninguém está escrevendo pensando em você, ou em mim aqui.
P.S.3: E para o moço bobo que tentou ser engraçadinho, porque o "textão" não teve comentários.  Garoto, esse blog tem 11 anos, ele não vive de comentários, ele vive do prazer e da necessidade de se expressar.  O carinho e reconhecimento, quando existe, não se computa em número de comentários, ainda mais do tipo do seu. E só um detalhe: eu publico o comentário que eu quero e acredito que convém ao Shoujo Café.  Entendeu?

3 pessoas comentaram:

Não tenho lido TMJ ultimamente, questões de falta de tempo (que ando administrado mal) e falta de espaço em casa (pois sou do tipo que lê e guarda).
Mas até onde li, sempre gostei das histórias.
O que fizeram com a edição 94 é simplesmente surreal.
Imagino pegar cada um dos "falsos defensores da moral" e propor que seja obrigados a tatuar uma joaninha no braço.
Será que vão gritar a plenos pulmões "meu corpo, minhas regras, ninguém pode me obrigar a fazer uma tatuagem se não quero uma"?
Pois é... meu corpo, minhas regras, vale para tanto mais que a questão do aborto, que parece que quem escreveu reclamando pertence a outra espécie, talvez alienígena, incapaz de se relacionar com humanos.
Só posso torcer para que a Petra - fazendo juz a seu nome - tenha "casca grossa" para aguentar tanta insensatez, e que continue com seu ótimo trabalho

Como sempre, uma ótima matéria. Adorei cada linha. Eu implicava com a Petra na época da revista Animax, pois eu era preciosista e não gostava das piadinhas com personagens de Yuyu Hakusho que ela fazia as vezes. Nossa, eu ficava possessa com a garota. rsrs. E eu não a conhecia pessoalmente, só da revista, mesmo. Estou, como todas as pessoas razoáveis, indignada com o que está acontecendo hoje. Não leio Mônica Jovem e isso também não me impede de ficar chateada com tal injustiça.As coisas que andam acontecendo no país têm me dado medo.

Um bando de desocupados que nem nunca pegaram uma TMJ na mão. Quem lê sabe, feminismo, machismo, entre esses outros assuntos estão SEMPRE presentes e sendo debatidos na tmj. Além disso, Mônica, Magali, Denise e Rosinha estão de parabéns! Melhores feministas! Beijos para o povo do blog <3

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