domingo, 30 de outubro de 2016

Um pequeno "causo" sobre ícones feministas e sua importância


Volta e meia assisto Esquadrão da Moda no SBT.  Sei que isso não serve como boa referência para ninguém, enfim.  É uma cópia da versão americana de What Not to Wear.  A inglesa, original, era muito melhor e realmente ajudava as mulheres (*sempre elas*) que caiam nas mãos das duas consultoras, mulheres de aparência comum.  A versão americana e a brasileira tem como apresentadores uma mulher modelo de passarela e um homem gay elegante, se bem que ninguém me convence que o Arlindo se qualifica como elegante, mas vá lá.  Vocês sabem que ninguém entende mais de mulher do que um homem gay.  

O que me faz comentar é que, no programa de ontem, a mulher a ser transformada - ou colocada no molde deles - era uma moça de 27 anos, gordinha, com lindas covinhas, que trabalhava como editora de vídeo, e se vestia de forma "alternativa".  A chefe dizia que ela era "desleixada".  A moça, quem realmente importava,  parecia feliz e, mais importante, era descrita como competente e boa profissional, apesar de... 

Foto do episódio de ontem do Esquadrão da Moda.
Breve estará disponível.
Nem entro na questão de que ela poderia até refinar a sua forma de se vestir, adequá-la aos espaços que frequentava e tal, mas para os apresentadores ela era exatamente isso, desleixada, inadequada e parecia ser mais jovem do que era.  Muito "menininha".  Veja as contradições, a maioria das mulheres é constrangida a querer parecer mais jovem e quando de fato você parece mais jovem, tem que parecer não ser... Por qual motivo mesmo?

Mas o que me chamou a atenção?  A menina tinha uma saia linda da Mulher Maravilha.  Bati o olho e já sabia que ia para a lixeira.   A mocinha, quando pressionada a explicar por qual motivo queria manter a saia que ela amava tanto, contou com dificuldade que a saia, além de bonita, tinha algo de empoderador.  

Muitas encarnações, muitas leituras,
mas sempre fazendo diferença para as meninas.
Enfim, ela tinha engordado muito, estava deprimida e foi a uma palestra com uma militante plus-size.  Lá, sentiu-se mais feliz e decidiu superar a depressão.  Comprou a tal saia e se sentiu poderosa, foi para a vida e superou a depressão.  Claro, que a palestra e a saia foram motivadores, mas, sim, foram importantes.

A saia, obviamente, foi para o lixo, mas os dois apresentadores decidiram mostrar que era possível parecer adulta e elegante usando uma personagem de quadrinhos e... Tá-Dá!  Trocaram a Mulher Maravilha por uma camisa com o Popeye.  Sério, gente, Popeye tem a mesma função empoderadora para as mulheres que a Mulher Maravilha... é muita ignorância e falta de compreensão da importância de certos ícones.  Eu não esperava muita coisa dos dois apresentadores, mas serem tão rasinhos assim, merece um post.

O Popeye não é culpado da ignorância de algumas pessoas.
Enfim, só  para constar "A Mulher Maravilha foi nomeada Embaixadora Honorária para o Empoderamento das Mulheres e Meninas pelas Nações Unidas. A super heroína terá a tarefa de dar visibilidade ao 5º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que busca alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento de mulheres e meninas até 2030." (ONU BR)

Sei que esta escolha gerou descontentamento em algumas pessoas.  Afinal, a Mulher Maravilha veste as cores dos EUA  (*e há quem acredite que é norte americana*), foi criada por um homem e coisa e tal.  Até o fato de ser uma personagem e, não, uma pessoa real, foram levantadas.  Enfim, gente, primeira coisa, símbolos, ícones culturais, tem poder.  Eles são apropriados, reapropriados, relidos  por várias vertentes.  Querem um exemplo radical?  Jesus Cristo.  Sim, você pode acreditar que ele existiu, mas nunca saberá quem ele foi, ou se de fato foi, sob um ponto de vista mais histórico e arqueológico.  Agora, independente disso ele é e significa coisas muito diferentes para qual tipo de cristão -  ou mesmo, não cristão - que você é.

Miss Fury, super-heroína criada por uma mulher.
Pensem, então, que a Mulher Maravilha, que completa agora 75 anos, foi criada como uma heroína forte, independente, apesar da sua paixão heterossexual que a tirou da Ilha Paraíso, capaz de fazer coisas incríveis e que era ajudada por mulheres, principalmente.  Miss Fury, outra super-heroína contemporânea e criada por uma mulher, Tarpé Mills, que vendia mais que a heroína da DC, não conseguiu o mesmo alcance entre um público particular: meninas e adolescentes.  Talvez, o caráter aventuresco e até tolo aos nossos olhos, tornaram a mulher maravilha mais acessível e querida. [1]  E, não, a Mulher AMaravilha não foi criada para homens, ela foi criada para ser lida, e todos liam a Mulher Maravilha.

Eu sempre gosto de citar uma acadêmica americana, a Lillian Robson, e seu livro Wonder Women.  Ela lia Mulher Maravilha nos seus primórdios.  Lia como criança e conseguiu se deliciar com uma das poucas heroínas que era mulher, como ela.  A leitura, como ela mesma aponta no livro, era subversiva e criativa, ignorava as partes chatas, Diana Prince, e risco de, um dia, como muitas mulheres que a menina leitora conhecia, a Mulher Maravilha largar de ser a heroína e tornar-se "bela, recatada e do lar". 

Ícone Feminista, sim!
Enfim, em tempos em que era normal que (super) heróis fossem homens, a Mulher Maravilha foi um alento para as meninas.  Aliás, mudou pouco.  Peguem os elencos dos desenhos animados mainstream e vamos ver se as meninas têm muitas meninas para se identificar.   Tenho uma criança de três anos aqui em casa e tenho que atentar para isso e para a reclamação dela "Onde estão as meninas?".  Daí, eu respondo: "Não filhinha, elas não estão, só tem meninos, vários, e uma menina, quando muito."  Enfim, as  personagens femininas não aparecem na proporção que deveriam,  nem  com a força que deveriam ter.  Daí,  a importância da  Mulher Maravilha que, a despeito de suas muitas encarnações, atravessa gerações. 
  
A própria experiência da moça do Esquadrão da Moda, ela tirou forças de Mulher Maravilha.  E é isso que a ONU espera, que um ícone tão poderoso e nascido feminista, ainda que não como este passou a ser visto ao longo das décadas, ou como muitas teóricas e ativistas compreendem, possa ajudar a empoderar meninas e mulheres.  Não é a mesma coisa que escolher uma personagem que não tenha a mesma penetração e ressonância geracional.  Não, não dá para trocar a Mulher Maravilha pelo Popeye.

[1] Minha amiga Natania, que estudou as super-heroínas nos anos 1940, discorda de mim. Ela acredita que a popularidade da Mulher Maravilha se deve mais à continuidade do título do que a qualquer penetração maior do que a de Miss Fury. Ao contrário da heroína da DC, o título foi descontinuado no final dos anos 1940.

9 pessoas comentaram:

voce conhece icones feministas de manga?

Que post bonito! Eu detesto profundamente esse Esquadrão da Moda pelas poucas vezes que eu vi (sempre com minha madrasta, que é fã e foi totalmente educada para "se vestir bem" e "ter boa aparência" e tudo que eu não fui, e parece que ela não registra por que alguém se incomodaria com esse programa...). Ainda bem que não vi esse episódio mas fico super feliz de ver uma manifestação contra aqui. Grata!

Oi! Foi mesmo uma bola fora sem tamanho essa coisa de trocar a peça de Mulher Maravilha, especial e importante para a moça, pela do machão dos machões, Popeye. Mas achei algumas informações com que não concordo no post. Eu acompanhei e acompanho as três versões do programa e sempre achei o contrário do que você disse. As apresentadoras inglesas sempre vestiam as mulheres exatamente como elas, desconsiderando, na maioria das vezes, o estilo das participantes. Já o programa americano é o que mais se esforça para que as pessoas pareçam "adequadas" dentro do que é a moda americana, especialmente no que diz respeito a vestuário no ambiente de trabalho. A versão mais aberta é a brasileira, onde os apresentadores realmente consideram o estilo das mulheres que participam e a vida que elas levam. É claro que a consultoria nem sempre vai ser perfeita, mas achei a falta no caso da moça que você citou mais ignorância do Arlindo e da Bela do que uma imposição cruel de mudança. Como telespectadora das versões inglesa, americana e brasileira, para mim, a inglesa era a mais impositiva para as mulheres. Apesar de ser apresenada só por mulheres.

Nos primeiros anos até simpatizava com o Esquadrão da Moda, achava divertido...

Mas depois que eu me tornei consciente do feminismo aconteceram 2 coisas que me desencantaram com o programa.

1ª: Em um programa, uma mulher lindíssima que andava com roupas decotadíssimas em todo e qualquer lugar foi indicada pelo noivo/mãe que queriam que ela se vestisse de forma recatada. O noivo argumentava que casando, ela não podia continuar a se vestir daquele jeito. De fato, ir com um decote até o meio da barriga dificilmente é adequado para muitos ambientes, mas se o cara conheceu a mulher assim, por que isso não o incomodava antes? Por que essa necessidade de "agora a mulher é minha" enquadrar ela num padrão nada a ver com ela? Seria ótimo ela aprender a maneirar conforme o ambiente, mas impor a moça um estilo recatado pra agradar o futuro marido? Eu trocava de noivo!

2ª: A mulher que comanda o programa junto com o Arlindo Grunt (o tal gay elegante), Isabella Fiorentino, escreveu um texto nojentíssimo sobre "A Mulher Modesta" que diz muito sobre as orientações que ela dá no programa as mulheres.

Leiam a matéria, já o texto nojentíssimo.
https://naosouexposicao.wordpress.com/2015/11/25/a-mulher-modesta/

De resto, o programa não parece ser nada sensível as particularidades de cada pessoa, tentando impor um estilo moderninha/recatada/cool para Todas e Todos como se qualquer coisa fora disso fosse inaceitável. Qual o problema de necessariamente ter um vestuário mais geek?

Foi imperdoável a questão da saia da MM. Mesmo que eles não entendessem nada de HQs, como eu sei que eles não entendem, ouvindo a explicação da moça ainda assim jogaram ela fora? E tiveram a sacanagem de querer usar o Popeye como substituto da MM? Vão se lascar!

Que bom que eu não perco o meu tempo com esse programa.

Bem, eu assistia a primeira versão inglesa, tenho até o livro lançado por elas. Enfim, Suellen, o que eu via era um maior respeito pelas participantes. Já a americana, eu sabia exatamente o que iriam sugerir para as participantes, sim, no feminino, porque eram majoritariamente mulheres, saia lápis, por exemplo, sempre aparecia. Já a brasileira, é aquilo, não mudo o que eu falei.

Concordo com você, Suellen.

Acho que nem sempre a consultoria sai na medida para cada participante.

Um episódio do Esquadrão da Moda brasileiro que me lembro bem e que me deixou feliz foi aquele que foi ao ar no Dia da visibilidade lésbica. A participante era homossexual e o programa deixou isso bem claro. A companheira dela foi mostrada como companheira/namorada e não amiga/colega, como muitos outros programas televisivos mostram.

Nesse episódio, a participante gostava de quadrinhos, jogos, etc e adorava se vestir com roupas estampadas dos heróis. Os consultores, na minha opinião, souberam muito bem conciliar a paixão dela, oferecendo peças com estampas que remetem ao mundo dos quadrinhos/games e adicionando acessórios mais sóbrios; como coletes, lenços e cintos.

Acho que esse caso mostrado pelo post foi um incidente infeliz. Os consultores, por não conhecerem tudo o que foi apontado pelo post, fizeram uma espécie de reducionismo. Se é Mulher Maravilha, é desenho animado, é 2D, então cabe o Popeye ou o Mickey...

Os apresentadores poderiam sim ter trazido a estampa da Mulher Maravilha de volta, adicionando também um colete, um cinto ou um tênis diferente. Mas acho que foi só um deslize deles.

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