sábado, 2 de setembro de 2017

O corpo das mulheres não é público, ou não deveria ser...


Não queria voltar a este caso, mas preciso falar novamente do incidente da mulher que foi atacada em um coletivo em SP.  Um sujeito – com 16 (DEZESSEIS) passagens semelhantes – se masturbou e ejaculou no pescoço da moça.  Ela estava distraída, como a própria relata nessa matéria, e sentiu um jato quente.  Enfim, o cara tentou fugir, mas foi agarrado. Um juiz o soltou considerando que o ato não pode ser compreendido como estupro.  O pai do agressor, porque foi uma agressão, disse que o filho deveria ficar preso.  Quatro dias depois, ele voltou a fazer a mesma coisa, com outra mulher.


Eu não sou jurista, nem tenho a pretensão de ser.  Agora, imagino o quão repulsivo e mesmo traumatizante pode ser o tipo de ataque que essas mulheres sofreram e outras tantas por aí.  Semana passada, eu estava passando na calçada e um sujeito, resfriado, espirrou e me acertou.  Não houve desculpas. Senti-me enojada.  Imagine se fosse esperma.  Um beijo roubado, segundo nossa legislação, pode ser considerado estupro.  O ato de ejacular em cima de uma mulher – porque se fosse um homem, imagino no que daria – não é.


A partir da leitura de algumas matérias, a da Carta Capital, uma da BBC, que ouviu uma promotora especializada em violência doméstica, e outra, da Folha, na qual juristas se posicionam a favor do jovem juiz que mandou soltar o sujeito (*para os colegas de profissão, parece que a vítima de constrangimento é o juiz, não a moça*), consegui fazer algumas reflexões.  Continuo considerando o magistrado machista, na medida que não considerou outras medidas possíveis contra o sujeito, por exemplo, uma avaliação psiquiátrica.  O considero machista por não dimensionar o trauma dessa mulher, e de outras atacadas pelo agressor, coisa que a delegada, outra mulher, considerou.  No entanto, consigo entender a leitura fria que ele fez da lei.  Para que fosse configurado um estupro, segundo a legislação brasileira, o homem teria que ter constrangido a mulher.  Obrigá-la a masturba-lo, por exemplo.  Logo, o beijo é uma forma de estupro, afinal, a mulher foi constrangida de alguma forma.  


A moça do ônibus sequer percebeu o que o cara estava fazendo, até ser atingida, provavelmente, isso pesou na decisão do juiz.  Ainda assim, e juristas que falaram à Carta Capital ponderaram que como se configurou em ato libidinoso e sem consentimento, poderia ser caracterizado como violência, logo, estupro.  O corpo de uma mulher, ao que parece, configura-se em algo público, que pode ser apropriado sem problema.  Agora, e se fosse  um homem?  Ou um terreno com porteira aberta e alguém cismasse de entrar e fazer alguma coisa lá dentro sem permissão do dono.  Mas como se trata do corpo feminino... 


O que fica patente no caso, além da insensibilidade do juiz e do promotor, ambos homens, é de como a legislação brasileira é pouco precisa.  O que é mais traumático, um beijo roubado, ou ejacularem em cima de você?  Eu, Valéria, não teria dúvida, mas a lei precisa ser aplicada de forma equilibrada, minha vontade, ou opinião, não pode ser o parâmetro.  De qualquer forma, é preciso ajustar a legislação para que atos como esse possam ser punidos de forma adequada e não tomem isso como pedidos de prisão pra toda sorte de ato.  O problema é que nós, mulheres, nos encontramos em uma situação de vulnerabilidade absurda.  Esta semana, foram três casos semelhantes, dois em SP, cometidos pelo mesmo sujeito e um no Rio.  Como, para muitos juristas, o ato não é de constrangimento, nem é crime, a coisa pode virar uma prática ainda mais comum.


De resto, suspeito que o cidadão possa ter algum grau de retardo mental.  A foto dele me sugeriu isso desde o início.  Só que o que a maioria de nós está fazendo é discutir o agressor e o juiz e esquecer a vítima.  Na matéria que citei, a moça, que tem somente 23 anos, falou da insensibilidade da polícia.  Ninguém se ofereceu para levá-la em casa.  Um lugar para tomar banho.  Mais ainda, um psicólogo.  Praticaram-se contra ela outras violências.  A primeira, a ação do ejaculador.  A segunda, a falta de acolhimento por parte do poder público.  A terceira, o parecer frio – ainda que legalmente amparado – do juiz.  Quantas outras violências ainda virão?


O fato é que a lei precisa abarcar de forma mais efetiva outros tipos de abuso sexual ou é preciso redefinir o que se convenciona como estupro.  É necessário monitorar e atender sujeitos como o agressor do ônibus e não deixá-los livres e mesmo desassistidos para que prossigam atacando mulheres.  Além disso, é preciso que as discussões sobre gênero e respeito à diversidade, ao próximo, enfim, sejam inseridas de forma efetiva em  nossas escolas, na mídia, no cotidiano das famílias.  Chega de abuso e de impunidade.  Nossos corpos deveriam ser nossos e, não, algo que, segundo algumas leituras jurídicas, pode ser abusado sem maiores consequências.

PS.: As imagens com a hashtag #meucorponãoépúblico vieram daqui.

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