terça-feira, 19 de setembro de 2017

Recapitulando a última quinzena de horrores e retrocessos


É chato ter que ocupar o espaço do Shoujo Café para esse tipo de post, mas a situação muito anda tão esquisita que, bem, é preciso escrever alguma coisa.  Estou cansada e um tanto angustiada, não quero contaminar vocês, mas é preciso comentar rapidamente uma lista de notícias.  Atentados ao Estado Laico, á democracia, aos direitos humanos, à igualdade de gênero etc.  Vamos lá, segue a listinha;

1. Exposição Queermuseu é suspensa por pressão do MBL, seus aliados e marionetes.  O caso ainda está repercutindo e fez com que outras ações semelhantes fossem tentadas e conseguidas.  Ainda ouviremos muito sobre isso, porque, bem, o MBL mostrou força e não vai perder essa onda tão boa. 

2. Peça de teatro com Jesus trans é suspensa no SESC Jundiaí por ação judicial.  Imagino que Jesus Cristo Super Star e o Monty Phyton seriam impedidos de existir em nossos dias.  Aliás, o povo do Monty Phyton comentou algo assim em entrevista nos anos 1990... Enfim, pelo menos a peça foi remontada em Rio Preto e tudo vai muito bem.  Nem tudo é treva, mas a lamparina é pequena e pode ser apagada a qualquer momento.


3. Quadro que DENUNCIA pedofilia é apreendido e artista acusada de fazer apologia à pedofilia.  A exposição era sobre a violência contra as mulheres, houve denúncia de três deputados (*homens*) e, mesmo com o parecer do Ministério Público, o delegado continua insistindo que houve apologia à pedofilia.  Queriam, inclusive, criminalizar a artista, Alessandra Cunha.  A exposição tinha classificação indicativa de 12 anos, agora, é de 18.  Não sei se o quadro voltou a ser exposto, só sei que esse tipo de discussão - pedofilia, violência de gênero - precisa ser feita por gente de menos de 18 anos.  Precisa ser discutida nas escolas.

4. Juiz considera "mero exercício de correção" a surra que o pai deu de fio elétrico em sua filha de 13 anos ao descobrir que ela tinha perdido a virgindade. Bônus: o pai também cortou os cabelos da menina para que ela não pudesse ir à escola, por vergonha.  Não estou pedindo que o pai seja encarcerado e joguem a chave fora, a coisa precisa ser vista de forma mais ampla, porém, esse tipo de coisa configura abuso do papel de pai, provavelmente poderia ser enquadrado como tortura por outros magistrados (*crime inafiançável*) e a conotação de crime de honra, sem ser visto como tal, só reforça os papéis de gênero desiguais.  Perdeu a virgindade, é mulher, não presta.  Aliás, nenhuma notícia que vi comentou o namorado, porque se a menina tem 13 anos e o namorado for maior de idade é estupro de incapaz.  Simples assim.  O pai sai salvaguardado para impedir a filha de estudar e espancá-la sempre que necessário.


5. Juiz de Brasília concede liminar que possibilita tratamentos de cura gay no Brasil em nome da liberdade científica e agindo contra todas as evidências científicas atuais e contrariando decisões da OMS e conselhos de psicologia e medicina do Brasil.  Essa foi fresquinha, saiu ontem.  Os psicólogos que estão em desacordo com a lei, entram na justiça alegando discriminação.  Agora, vamos juntar com a notícia de cima e pensem no seguinte caso: se um pai, ou uma mãe, ao descobrir (*ou desconfiar*) que seu filho ou filha é homossexual cometer um espancamento, ou obrigar o adolescente, ou jovem, ou criança, sei lá, a uma terapia de "cura gay", será que encontraria algum magistrado para considerar "mero exercício de correção"?  Aposto que sim.  Parte de todos os problemas acima começaram com o judiciário e outros ainda virão.

6. General quatro estrelas defende "intervenção militar" (*golpe, portanto*) em evento da Maçonaria (*muito apropriado*), no fim de semana, disse ter respaldo de outros oficiais generais (*ninguém apareceu publicamente para endossar o coleguinha*).  Somente de ontem para hoje o Ministro da Defesa, Raul Jungmann, exigiu explicações do comandante do Exército, General Villas Boas, que é repeitadíssimo e muito sensato.  Demorou, até, porque, ele deveria ter sido prontamente chamado a se explicar, mas fez o certo e, pasmem, tem gente questionando o direito do Ministro de repreender o general boquirroto ou exigir alguma punição (*ele é reincidente, aliás*). Acho lindo quando gente que se diz conservadora, questiona as hierarquias, especialmente, no que concerne ao meio militar e/ou eclesiástico, achando que podem tudo em nome de uma suposta liberdade de expressão.  Eles e elas deveriam ser os primeiros a conclamar a sociedade a respeitar as regras, ou não?  No entanto, só vale para os outros, esses a gente cala usando de expedientes dos mais questionáveis.


7.  Um projetinho: Deputado Pastor Franklin do PP de Minas Gerais quer obrigar as rádios públicas a tocarem músicas religiosas nacionais.  Para quem não acredita, projeto aqui.  Um amigo comentou que muito da música erudita pode ser considerada música clássica.  Sim, daí o "nacional" para quebrar.  Será que música religiosa incluiria repertórios da Umbanda e Candomblé?  Duvido.  O fato é que esse povo não entende que Jesus disse "eis que estou à porta e bato" (Apocalipse 3:20).  Querem arrombar mesmo.  E, bem, eu cresci ouvindo lindas histórias de conversão que começaram com alguém ouvindo o cantarolar de um hino (*Maravilhosa Graça, Rude Cruz, Sou FelizO Rosto de Cristo etc.)[1], ou passando em frente a uma igreja e ouvindo um coro, gente que decidiu não se matar, gente que decidiu entrar e foi acolhido.  Agora, temos isso aí.

E, bem, ainda estamos da terça-feira. Nossa semana para o obscurantismo religioso, intolerância e retrocesso só começou.  Pelo menos, Feliciano e sua gangue de deputados evangélicos não conseguiu se criar, aqui, no Museu Nacional, tentaram censurar uma mostra sobre a Ditadura Militar sob denúncia de pedofilia.  Mas foi vitória pequena.  Os tempos são tristes.


[1] Para quem não sabe, eu sou protestante batista e meu gosto musical é arcaico, conservador mesmo.  Detesto a maioria do que ouço da chamada música gospel contemporânea e o que não quero de ruim para mim, não desejo para ninguém.

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Essas coisas me deixam tão profundamente triste. Vivo comentando com uma amiga que só sinto vontade de cada vez me fechar mais. Cinema tá aí. Nas próximas semanas vai estrear o novo Blade Runner (dirigido pelo mesmo diretor de A Chegada, preciso ver), Kingsman 2 e Mother! Esse último minha vontade de ver só aumenta, gosto de todo mundo envolvido e pelo menos dois filmes do Aronofsky eu considero excelentes: Cisne Negro e Requiem for a Dream. Pelo que entendi Mother! é uma alegoria pro aquecimento global. A Jennifer Lawrence representa a Terra, mas esse é só um dos lados do filme, que parece ter muitas camadas. Preciso tirar o ranço de Dunkirk. Filme porcaria.

Adoro ler esses tipos de post que você escreve, Meodeos, você é tão inteligente e coloca as ideias de modo tão claro no texto. Obrigada por manter este blog há tantos anos.

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