segunda-feira, 2 de outubro de 2017

O Caso do MAM foi Pedofilia? E vamos nós para mais um texto chato...



Dia 29, um leitor deixou um vídeo no meu post sobre os vilões da novela da Globo inspirada em Orgulho & Preconceito.  Ele queria minha opinião sobre o último escândalo que abalou a moral, os bons costumes e a internet brasileira.  Todos já devem estar sabendo do que se trata, imagino eu, durante uma performance realizada da abertura do 35º Panorama da Arte Brasileira no Museu de Arte Moderna (MAM), em São Paulo, uma criança de 4 anos (*acredito*), interagiu com o coreógrafo carioca Wagner Schwartz que apresenta o espetáculo "La Bête".  O corpo nu do artista pode ser manipulado pelo público, tal e qual as manipuláveis esculturas "Bicho", da artista Lygia Clark (1920-1988).  Trata-se de uma homenagem reflexiva, por assim dizer. Eu assisti ao vídeo e a menina, que estava acompanhada de sua mãe, tocou no pé e na mão do artista.

Como vivemos em tempos bem sombrios, o vídeo viralizou e durante a tarde de sexta-feira a hashtag #PedofiliaNaoEArte apareceu nos trend topics mundiais do Twitter.  Como os puxadores eram basicamente os mesmos do caso do Queermuseu, acusaram a esquerda, as feministas, os LGBT, pediram censura, prisão do artista, fechamento do MAM (*está rolando pelo menos um abaixo-assinado, inclusive*), e vi até quem conclamasse o fuzilamento dos envolvidos. Curiosamente, nesse primeiro momento não vi uma ênfase na responsável, é como se a culpa fosse de todo mundo, menos de quem, efetivamente, deve proteger a criança.  Aliás, apesar de toda a grita de que era pedofilia, ninguém se importou em repassar o vídeo que, se a coisa efetivamente foi crime, estava expondo uma menor em uma situação de abuso.

Clark é considerada uma de nossas grandes esculturas do século XX.
Sábado, para manter a mobilização, um conhecido ex-ator pornô, com aspirações políticas evidentes e que se transformou em ícone da cruzada moralizadora, liderou um protesto no MAM.  Uma funcionária saiu ferida.  O prefeito da cidade de São Paulo, percebendo a chance midiática, pronunciou-se para se perfilar com os agentes da moral e dos bons costumes que desejam fechar museus e censurar artistas.  Bem, estamos em tempos de obscurantismo, mas reforço que no fim das contas tudo isso se trata de velhas estratégias do jogo político, só que, agora, com o aporte da internet.  Mas pediram minha opinião e eu já escrevi trocentas coisas no Facebook, então vamos lá:

Nudez não é pornografia.  A performance não tinha caráter erótico.  A sala estava sinalizada. A performance tinha sido apresentada em Salvador antes.  A criança estava com a mãe e sua interação com o adulto nada teve de libidinoso ou sexual.  Ainda assim, cabe questionamento, portanto, chamem a responsável para se explicar, conselho tutelar existe, caberia um aconselhamento, orientação, censura, talvez. O ECA (*texto integral aqui*) fornece alguns subsídios para a interpelação dos responsáveis, mas, ainda assim cairia na interpretação.  De resto, parem de escândalo. O que mais tem na arte clássica é nudez. Um corpo é só um corpo.  

Vários bichos, esculturas manipuláveis.
Por outro lado, há toda a ênfase em responsabilizar o museu (*e museus andam sendo mais perseguidos no Brasil do que cassinos clandestinos e casas que se utilizam de escravos sexuais*) e o artista.  O ECA daria subsídios?  Só se o judiciário considerasse que a performance representava algum perigo para a criança (*Art. 18, acredito*), mas eu imagino que a coisa cairia por terra se o magistrado não fosse um moralista intransigente, a promotoria, inclusive, já se pronunciou dizendo não ter percebido pedofilia no vídeo que vem circulando.  Por outro lado, a lei que rege as diversões públicas (*outro Artigo 18*) dá ao responsável o direito de conduzir uma criança e/ou adolescente a qualquer espetáculo (*cinema, teatro, exposição etc.*), independente de sua idade, salvo se a classificação indicativa for para maiores de 18 anos.  É o único caso em que o Estado se impõe.  Ao exibidor, cabe sinalizar e exigir a identificação do responsável.  Há consenso de que a performance do MAM estava sinalizada.

E isso nos leva a uma situação muito curiosa.  Exercício do poder familiar é algo muito caro aos que (*supostamente*) levantam bandeiras conservadoras, estando inclusive, está no cerne do movimento Escola Sem Partido (*o direito dos responsáveis de decidirem sobre tudo o que a escola ensina, impondo-se ao currículo determinado pelo Estado*).  Os mais engajados levantam, inclusive, a bandeira da educação domiciliar para terem maior controle sobre seus filhos e filhas.  Pois bem, quando o Estado, esse opressor, deixa nas mãos do responsável as decisões, querem punir museu, artista e a mãe.  Onde fica o “meu filho, minhas regras”?  Quer dizer que a mãe não pode discernir sobre o que é e não é adequado para sua filha quando isso fere a concepção moral de um determinado grupo? (*Não que eu acredite na moral dos líderes do movimento*) Outra coisa, igualmente interessante é ver o ECA, tão achincalhado nos arraiais conservadores, ser invocado quase como um texto sagrado nesse momento.  Mas o mundo anda virado mesmo... 

São Paulo tem os museus mais fantásticos.
Agora, depois de todas essas digressões, vamos trazer a questão para o pessoal.  Tenho uma criança que fará 4 anos nos próximos dias, ela tem contato com a nudez do pai e da mãe e tentamos fazer com que ela encare o corpo humano e suas funções com naturalidade.  Isso não quer dizer que eu levaria Júlia para uma performance com um homem, ou uma mulher, porque aos meus olhos é indiferente, enfim, um adulto nu e desconhecido, e deixaria que ela interagisse com a pessoa.  Motivo?  Ela não teria a maturidade para tanto.  Qual o ganho pedagógico para ela?  Há exposições, performances, peças adequadas para cada faixa etária.  Esse ponto é uma das coisas que vários textos que estão se opondo ao escândalo do MBL e Cia estão deixando escapar.  Mas há um texto muito bom sobre esse aspecto e eu recomendo a leitura.  

Não estou demonizando a mãe, mas estou julgando a sua atitude ao escrever o que escrevi.  Nada há de erótico, pedófilo, ou o que seja na performance "La Bête", não cabia ao artista suspender sua apresentação, mas talvez coubesse à responsável um pouco mais de discernimento.  Há outras fotos circulando, imagino que da apresentação da performance em outra cidade com mais crianças.  Eram maiores que a do vídeo, ainda assim, cabe o questionamento.  Será que é um espetáculo para gente tão jovem?  Será que não caberia respeitar a classificação indicativa?  Por outro lado, espero que todos saibam que mesmo um produto censura livre pode conter “Nudez não erótica”.  Caso da performance, certo?  Esta é minha percepção pelo menos.

Atenção à classificação indicativa.
Eu acabei de ter o desprazer de assistir ao trailer do filme do Danilo Gentili, que é liberado para todos os públicos (*é a primeira informação a aparecer na tela*), que estreia no dia das crianças, e um par de peitos femininos – a meu ver erotizados – apareceu no vídeo, além de outras cenas que não deixavam dúvida de seu conteúdo sexualizado.  Mas duvido que vão mexer na classificação indicativa da película, ou fazer protesto.  E olha que tem até o ator que faz o Kiko do seriado Chavez no filme!  Quer algo mais inocente? Coisa de feminista moralista (*sim, chamam muitas feministas disso, também, o povo não se decide*) que vê problema em tudo e quer controlar a vida alheia.

Terminando, não acho o que ocorreu abominável, pedofilia, o que seja, mas repito que talvez tenha faltado discernimento da mãe. O "talvez" é porque cada um conhece as suas crianças, estou falando de fora, então, é achismo.  No entanto, uma criança tão pequena provavelmente não tem como pensar criticamente o espetáculo, tampouco separar o que seria uma situação não-erótica de outra que poderia ser ameaçadora.  Talvez, eu esteja errada, mas caberia uma conversa amigável no Conselho Tutelar com a ou os responsáveis pela criança.  De resto, criminalizar a arte é mais uma cortina de fumaça dos nossos dias. Pior é que muita gente nem sabe o que está acontecendo, simplesmente, entra no barco, abraça a causa e corre o risco de ir bater nos funcionários de um museu que nunca visitou.

Coisas assim deveriam causar mais revolta.
Agendas morais, muitas vezes levantadas por quem não tem qualquer moral, servem para arregimentar os ódios com os olhos voltados para as eleições de 2018.  A campanha política que se desenha para o ano que vem parece assentada em uma falsa agenda de valores, enquanto isso, fica fácil nos roubarem direitos, investimentos em educação, saúde, lazer, segurança.  A criança do vídeo realmente corre riscos, mas não os mesmos que o pessoal da patrulha moral parece ver, o maior risco para aquela menina, para a minha menina, é que lhes roubem o futuro.  

Pronto, a feminista de plantão se pronunciou sobre mais um incidente lamentável desses últimos dias.  Preferia ter escrito minhas impressões sobre os primeiros capítulos da novela das seis da Globo.

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