sábado, 25 de novembro de 2017

Recomendação de documentário: Das Raízes às Pontas



Não fiz nenhum post sobre o Dia da Consciência Negra, mas, hoje, acabei tropeçando nesse pequeno documentário chamado Das Raízes às Pontas.  Acredito que foi gravado principalmente em Brasília, o uniforme da rede pública é o daqui do GDF, há várias externas na UnB.  Sobre o que é o documentário?  dirigido por Flora Egécia e Premiado como Melhor Curta - Júri Popular no 49˚ Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, Das Raízes às Pontas fala de opressão estética, mais especificamente da pressão para que negras alisem seus cabelos, negros cortem os seus cada sempre bem baixinho, a negação dos cabelos crespos, porque, bem, eles não seriam bonitos.

Vivemos em um país racista, que nega seu racismo da forma mais desavergonhada.  Houve o repórter exposto por ter dito que uma determinada prática desagradável era "coisa de preto".  Eu ouvi essa expressão tantas vezes que tal coisa era "coisa de preto", que eu sei que o problema não é somente do repórter da Globo, mas estrutural.  Logo em seguida,  a  atriz Taís Araújo fez uma reflexão excelente tanto sobre papéis de gênero, afinal, um filho homem sofreria menos em uma sociedade machista, não é mesmo, quanto em relação ao racismo, pois um menino negro tem parte de seus privilégios confiscados simplesmente por ser negro, ele corre muito mais risco de morrer, também.  Daí o mudar de calçada.  E o que acontece?  O presidente da EBC (Empresa Brasileira de Comunicação), Laerte Rimoli, faz um post debochado em relação à questão, pensando na possibilidade de perder o emprego, desculpou-se,  já o Secretário de Educação (*EDUCAÇÃO*) do município do Rio de Janeiro, Cesar Benjamin, postou uma série de atrocidades, dentre elas que não somos um país racista, e segue impune.  Enfim, o que isso tem a ver com o filme?


A gente só combate questões estruturais as enfrentando-as e, não, tomando desvios, individualizar, culpar somente o/a fulano/a é permitir que as estruturas racistas permaneçam, é cair na falácia que os autores de novela brasileiros vendem à granel.  Fulano é racista, porque é malvado, mas o resto do pessoal é gente boa.  Ninguém derrota um problema, negando sua existência, mas o que está na mesa são uma série de privilégios que envolvem desde o sentir-se belo até o ser honesto por causa de sua aparência, credenciais importantes para almejar cargos de mando, poder, espaço nas boas escolas, até o recebimento de bons salários.  A educação não conseguiu anular o racismo e, no caso das mulheres negras, pode significar maior possibilidade de estar sozinha.

O filme discute o sofrimento de muitos negros e negras e que são pressionadas a alisar seus cabelos.  Fala da transição capilar, do orgulho de assumir seus cachos, e que seu cabelo não é fora do padrão, porque existem vários padrões.  É discutir a questão da ancestralidade africana que pesa sobre muitos de nós, porque nos ensinam desde cedo que nosso cabelo é ruim, que precisa ser tratado.  É um filme bonito, porque fala de aceitação, fala de liberdade (*quer alisar?  pode alisar, não é esse o ponto.*), fala da necessidade de discutir África e sua ligação com o Brasil desde a pré-escola.  Enfim, ele é curto e merece ser assistido.  Ele está aí embaixo:

Das Raízes às Pontas | From the Roots to the Tips | De la raíz a las puntas from Estúdio Cajuína on Vimeo.

Assistir ao filme me fez lembrar da minha infância.  Meu cabelo sempre foi cheio e armado, em alguns momentos mais crespo mesmo. Minha mãe, e isso graças ao nosso sangue indígena, tem cabelos lisos escorridos.  Eu puxei ao meu pai.  O apelido familiar dele é Nego, o meu, Neguinha.  Cuidar do meu cabelo dava trabalho, pentear era um suplício, minha mãe queria cortar e eu usava minha avó para impedi-la (*mulher não corta cabelo, está na Bíblia! SQN*).  Volta e meia me obrigava a algum tratamento mirabolante, alisamentos, relaxamentos, henê (*mas o castanho que era frio não era tão efetivo quanto o preto, que era cozido e eu não aceitava pintar meu cabelo*).  todas as mulheres e meninas negras que eu conhecia usavam henê, menos a D. Maria, que sempre estava de lenço, só o tirava em datas festivas e exibia um cabelo lindamente trançado.  O padrão era esse, mulheres negras de cabelo curto e alisado.


Lembro de quando minha amiga 001 comprou uma briga com um professor (*negro*) que disse na sala que o cabelo dele era bom, não precisava alisar, não era ruim como a das únicas duas alunas negras da sala.  A mãe dela - a D. Maria - foi chamada na escola. Essa minha amiga alisa o cabelo até hoje.  Ela inclusive reclama da pressão que sofre para que faça transição capilar.  Felizmente, pelo menos no entrono dela, na mesma São João de Meriti na qual eu cresci, parece que boa parte das mulheres e meninas, hoje, ostentam seu cabelo afro sem vergonha.  Parece, mas o caminho ainda é longo.  

Eu, que não assumo identidade racial alguma, parei de usar alisante quando engravidei da Júlia.  Isso significa ter um cabelo mais crespo, que enrola desde que devidamente lavado e tratado (*meu cabelo abre e sobe mesmo, nada de cachos naturais*).  Cresci achando meu cabelo horrível, tendo vergonha dele boa parte do tempo, queria o cabelo da minha mãe, hoje, acho que superei boa parte do problema.  Para mim, acredito que foi mais complicado hoje assumir meus cabelos brancos.  Eles estão todos aqui, nada de tintura.  É a minha opção e é bom que as pessoas possam escolher, porque a minha geração cresceu sem escolha alguma, era alisar, ou alisar.

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