quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Três ataques às Mulheres em metade de uma semana


Antes de sair para o trabalho, queria comentar rapidamente três covardias praticadas contra nós mulheres esta semana no Brasil.  Contra nós, porque para além da vítima individualizada, que foi morta, hostilizada, que teve seu direito negado, há o ataque às mulheres como coletividade, já que o que ocorreu com uma, pode ocorrer com todas nós.

A vítima, uma de muitas.
Começando a semana, uma menina, sim, menina, com idade para ser minha filha, com a idade das minhas alunas, Raphaella Noviski, de 16 anos, foi morta com 11 tiros, a maioria no rosto, por um rapaz.  Isso foi, aqui, do lado de Brasília, capital federal.  Motivo?  Ela não quis namorar com ele. o rapaz a adicionou no Facebook, passou a assediá-la, ela permaneceu recusando, ele se sentiu ferido no seu direito natural (*entitlement, em inglês*) de ter qualquer mulher que desejasse.  Misael Pereira Olair, de 19 anos, planejou por um ano a sua vingança.  Comprou uma arma, conseguiu um cúmplice (*que nega saber que ele iria matar a moça*) que o esperava de carro, invadiu a escola onde a menina estudava e a executou.  Quando digo que poderia acontecer em qualquer lugar, que a culpa em si não é da escola, falo com a certeza de que o mesmo poderia acontecer até na instituição na qual trabalho, um colégio militar.  

Faça o teste no Google.
Olair não mostrou remorso nenhum e a delegada enquadrou o caso como feminicídio.  Enfim, neste momento, neste exato momento, o Senado estuda retirar o feminicídio do código penal brasileiro.  É desnecessário, redundância e inconstitucional, alegam os que querem excluir a tipificação.  Afinal, homens não se sentem no direito de matar mulheres por serem mulheres, porque culturalmente aprendem a ser agressivos e que isso significa ser homem, que uma mulher não tem o direito de recusar, pedir divórcio, encontrar um novo amor.  Abram qualquer grande portal e em um dia sem sorte e encontramos pelo menos dois feminicídios, nos dias bons, achamos pelo menos uns cinco.

"Crítica" ao ENEM.
Homens morrem mais?  Morrem.  Mas são os homens os principais agentes da violência contra si mesmos.  A questão é como as mulheres morrem, por qual motivo são mortas e quem as mata, é isso que define o feminicídio. Para algumas estudiosas - sim, a maioria dos que estudam feminicídio são mulheres - trata-se de uma epidemia.  Não se convenceu?  Faça então outro teste, algo que aterrorizou muita gente, e jogue "morto pelo" e "morta pelo" e veja o que o Google lhe oferece.  Se ainda assim você não se convencer, imagino que você faça parte da tribo dos que acreditam no direito sagrado do macho de se apropriar e ser violento com as mulheres.  Não é o único.  Veja essa "crítica" a uma das questões do ENEM (*está em cima deste parágrafo*) desse ano, a prova mais chapa-branca que eu já vi.

Deixem a mulher falar, porque ler Butler,
eu aviso, é difícil.
É preciso discutir gênero, se discutíssemos, teríamos menos mortes de mulheres e de homens, porque implicaria em rediscutir o modelo de masculinidade violenta que tanto dano causa a sociedade.  Mas, enfim, segunda notícia!  Judith Butler - que acusam de ter criado o que não existe a tal "ideologia de gênero" - não veio ao Brasil discutir gênero, veio para um seminário sobre democracia.  Ela é filósofa, ela leciona em uma das melhores universidades do mundo, ela não é monotemática.  Tentaram impedi-la de falar no evento promovido pela USP no SESC-Pompéia, em São Paulo.  fizeram abaixo assinado, espalharam mentiras (*sim, bons cristãos vivem fazendo isso na internet*), coisa de quem quer aparecer, criar cortinas de fumaça (*enquanto isso, aumento da gasolina 1% ao dia em novembro, aumento de gás de cozinha, reforma trabalhista etc.*), criar-se politicamente em cima do medo e da ignorância.  Nada que não tenha sido visto.  Só que queimaram uma efígie de Butler, chamada de bruxa.

Só para lembrar... 
Vejam, historicamente, no final da Idade Média e durante a Idade Moderna (*sim, caça às bruxas é fenômeno mais moderno do que medieval*), várias pessoas, principalmente, mulheres, foram mortas, queimadas, enforcadas, afogadas, enfim, múltiplas formas.  Não vou endossar o discurso de que bruxas eram sempre mulheres revolucionárias, como historiadora, sei que não eram assim, a maioria  das acusadas de bruxaria eram mulheres pobres, em situação vulnerável, viúvas, enfim, gente que vivia à margem da sociedade, menos por vontade e mais por força, e que não raro era penalizada por fazer o que podia para sobreviver, vender seus serviços de parteira, conhecedora de ervas e outras coisas mais. As conscientemente rebeldes eram poucas.  As que praticavam conscientemente o mal, também.  Desculpe quem idealiza bruxas, agora, é fato que elas foram tomadas como símbolo de resistência por muitas feministas e, por isso mesmo, queimaram a efígie da "bruxa" Judith Butler.  Lembrem que para ser queimada bastava ser mulher, porque toda fêmea da espécie era suspeita.  Duvidam?  Procurem informações sobre o O Martelo das Feiticeiras.    

Esse cartaz merecia um prêmio.  Será que essa senhora acha
 que mulheres não podem dirigir?  Duvido.
Agora, um grupo que se diz lutando pela família, pelo bem, por valores, ressuscitaram não somente os cartazes ruins que fazíamos na escola nos anos 1980/90, mas, também, os rituais cruéis que marcaram eras não-democráticas e obscurantistas da história ocidental.  Parecia tirinha do autor de Os Malvados, André Dahmer, mas era real.  Será que na histeria instalada por agentes da nova direita não vai conduzir seus soldados a efetivamente queimarem "bruxas", isto é, mulheres?  Porque não se enganem, antes dos fundamentalistas religiosos mobilizados - católicos, evangélicos e espíritas (*não vou esquecer dos kardecistas, não, ainda que discretos*) - se matarem entre si, eles vão nos matar, começando pelas mulheres, claro, por questão de cavalheirismo.  

Outro cartaz, este bem furrequinha.
O caso Butler foi tétrico, mas ela veio e falou.  Eles e elas - as mulheres que não entendem que não fazem parte da mesma classe dos seus opressores, as esposas que se vestiriam de azul em The Handsmaid's Tale - que tentaram impedir Butler de falar sobre democracia, perderam.  Foi um espetáculo absurdo, misógino e antissemita, mas eles perderam.  A democracia venceu, pelo menos, uma coisa a comemorar, não é?  Só que vamos ao terceiro caso, o último, mas a semana ainda não terminou.

Engraçado?  Depende... 
Comissão da Câmara aprovou ontem um projeto que inclui na Constituição garantia do direito à vida 'desde a concepção'.  18 votos a 1.  Está aí a lista dos homens, porque nosso legislativo é masculino, e o voto das poucas mulheres dificilmente definiriam qualquer coisa, decidiram contra o direito das mulheres (*homens, vejam bem, decidiram sobre NÓS*) de interromper a gravidez em casos previstos pela legislação: estupro, má formação severa do feto e risco de vida da mãe.  Veja, direito, não obrigação.  Não pensem que isso vá mudar em nada a vida das mulheres de classe média média para cima, mas pode tornar pior a vida das mulheres pobres e de classe média baixa.  Homens nos arrastam para uma situação sem saída.  Vai para plenário. Podemos perder lá, também.

Os 18 homens que querem nos levar para The Handsmaid's Tale.
E tudo começou com a discussão de algo muito justo, e proposta de Aécio Neves (*não o culpo pelos desdobramentos*) que era a extensão da licença maternidade em casos de prematuridade, afinal, há o tempo de internação e a necessidade de maiores cuidados para com a criança.  Pró-vidas deveriam aprovar isso, mas muitos deles não se importam com grávidas, fetos e nascidos, desde que o que esteja discussão seja o direito das mulheres sobre seu corpo, ou direitos trabalhistas que onerem ou diminuam minimamente o lucro dos capitalistas.  Enfim, os ilustríssimos deputados aproveitaram a chance, já que teriam que mexer na constituição, para introduzir o "desde a concepção" e ferrar com a vida de muitas mulheres e meninas.  

Os deputados Evandro Gussi, João Campos e Tadeu Mudalen
articularam a aprovação das matérias no colegiado. 
Erika Kokay, em quem eu votei na última eleição, denunciou que "(...) a decisão configura “fraude”, ao desrespeitar os 171 deputados que assinaram a proposta original que apenas amplia a licença maternidade para mães de bebês prematuros", para fazer o que fizeram, já o deputado Givaldo Carimbão (PHS-AL) disse que devemos (*somos obrigadas*) a respeitar a opinião dos deputados religiosos, enquanto o João Campos (PRB-GO) acusou de INTOLERÂNCIA RELIGIOSA, sim, isso mesmo, quem argumenta que eles estão passando por cima dos direitos das mulheres, sendo desumanos e, claro, nem um, nem outro, podem engravidar, nem por vias normais, nem mediante estupro.  São uns monstros.

Precisamos nos mobilizar.
Homens não engravidam, não deveriam ter tanto direito (*ou nenhum direito*) de arbitrar sobre a questão, porque só a gente sabe o que acontece com nosso corpo e nossa cabeça durante uma gravidez.  E, claro, há o ônus posterior, fora que é provado que mulheres são muito mais demitidas depois de terem filhos.  Maternidade é destino, mas a proteção às mães e crianças é detalhe, salvo se a questão for aborto.  Enfim, terminando, vejam bem em quem vocês vão votar para deputado/senador. O Legislativo é crucial para a boa governança do país e para a garantia de nossos direitos.

P.S.: Quem quiser comprar O Martelo das Feiticeiras, está em promoção no Amazon.

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