quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

"Acho que toda mulher deveria ser assediada pelo menos três vezes por semana para ser feliz"

O discurso de Oprah Winfrey foi um dos pontos altos da noite.
Esta semana, tivemos o Globo de Ouro.  Sem uma conexão decente, não assisti, tampouco pude comentar.  A maioria das atrizes foi de preto em protesto contra o assédio sexual em Hollywood e além dele.  Foi um ato político de grande impacto.  

Toda esta questão veio a tona com as denúncias contra o mega produtor da Miramax, Harvey Weinstein.  Apareceram os cúmplices, homens poderosos que sabiam, que podiam ajudar, mas se calaram, e outros indivíduos ligados ao universo do cinema começaram a ter seus nomes expostos.  O medo de não conseguir mais trabalhar, de ter suas carreiras obstruídas, como aconteceu com Ashley Judd e Mira Sorvino, de, enfim, serem acusadas de mentirosas, fez com que muitas ficassem caladas por anos.  

Mira Sorvino teve a carreira obstruída por Weinstein. 
Minha solidariedade, tenham certeza, é para ela.
Enquanto isso, temos um monte de gente preocupada com a carreira dos homens acusados de assédio e agressão contra mulheres e mesmo outros homens.  "Ai, mas ele é um ótimo ator!".  Como se a carreira desses caras estivesse morta e enterrada.  A maioria continua rica e com propostas de trabalho.  Só que no dia seguinte ao Globo de Ouro, para confirmar o que escrevi, um grupo de 100 francesas, lideradas por Catherine Deneuve, publicou um manifesto contra o que chamaram de puritanismo e que trazia trechos como "Nós defendemos a liberdade de importunar, indispensável à liberdade sexual" e "Os homens têm sido punidos sumariamente, forçados a sair de seus empregos, quando tudo o que eles fizeram foi tocar o joelho de alguém ou tentar roubar um beijo".  

Olha, eu até concordo que os norte-americanos podem exagerar quando sexo está envolvido, que essa repressão é parte da cultura dos fundadores do país, eu também tenho receio que no meio de tantas denúncias verdadeiras (*a maioria, com certeza*), tenhamos um ou outro caso de roçar de joelho, mas, sério, minha gente, é direito de um homem beijar uma mulher à força? Tipo, qualquer homem poderia fazer isso ou só os que tem um determinado perfil (*rico, branco, poderoso, famoso etc*)?  Quer dizer que se eu nego a um homem qualquer o direito de ter acesso ao meu corpo, ou o de minha filha, isso é puritanismo?  Será que denunciar é estimular o ódio aos homens e à sexualidade?  Daí, ontem, Danusa Leão, publicou a seguinte coluna no jornal O Globo:

Um trecho da coluna de Danusa Leão.
Realmente, a frase de Simone de Beauvoir se confirma todos os dias.  O sistema se mantém de pé, esse sistema que oprime as mulheres (*e os homens, também, não se enganem*), porque os que estão em posição de vulnerabilidade ajudam a mantê-lo, mostrando mais solidariedade com o opressor do que com as vítimas.  O escravo não pertence a mesma classe social de seu senhor, diziam algumas feministas marxistas dos anos 1970, da mesma forma que as mulheres e os homens estão em classes distintas.  Mas o cúmplice, que recebe migalhas da mesa do senhor, não consegue entender que não é um igual, que é um subalterno, não raro, um objeto (*descartável*).

Eu conheci mulheres que se sentiam felizes de receberem cantadas inoportunas, o assédio.  Para elas, cuja autoestima dependia do olhar masculino, não receber um assovio, ou uma palavra sexualmente agressiva nas ruas era como aceitar que não eram interessantes.  Agora, será que a maioria das mulheres pensa assim?  Será que a maioria das mulheres confunde flerte, paquera, pequenas gentilezas com ações como bolinação em transporte público, ou obscenidades sendo ditas ou gritadas na rua, ou ainda a exigência de trocas de favores sexuais no trabalho como elogio?  Eu duvido.  Mas a gente, muitas vezes, se cala.  Tem medo.  Acha que vai ser vista como chata, como mal humorada.  É tão bom ser notada! O que seria de nós sem isso!

Guardem esta frase.
Enfim, esta discussão ainda vai render.  Repito que tenho medo de caça às bruxas, que individualizar é importante, mas não pode fazer com que percamos de vista que existe, sim, uma cultura que justifica o assédio e a intimidação das mulheres pelos homens nos espaços púbicos.  Uma cultura que permite que homens poderosos se sintam no direito de assediarem as mulheres e que qualquer homem possa tentar tomar posse de uma mulher que esteja sozinha, porque se não está com um homem, não tem dono.  Aliás, se o "dono" aparece, eles - que pertencem à classe dos homens - se desculpam entre si.  

É essa cultura que precisa acabar e que só é reforçada pela objetificação insistente das mulheres promovida, não raro, pelas próprias mulheres.  E vamos, por favor, parar de dizer "nem todo homem" e se posicionar contra os abusadores e o abuso. E os homens podem ajudar, também.  Basta usar seu lugar de fala como homens e entre os homens, especialmente, para coibir práticas de assédio.  Isso já ajudaria bastante. O silêncio dos homens no Globo de Ouro também gerou espanto.  Usar um botom não pareceu suficiente. Foi pouco, viu?

P.S.: Acho curioso que vários sites ditos conservadores associem luta contra o assédio sexual à esquerda. Pensei que certas questões também faziam parte da agenda do povo da moral e dos bons costumes. Estou errada, claro.

4 pessoas comentaram:

Essa coluna da Danusa Leão é uma desgraça, é o mesmo que um escravo dizer que uma chicotada é uma manifestação de amor por parte do dono. Se o assédio a faz se sentir feliz, um estupro então deve ser a glória total!

Senti nojo da coluna dessa mulher. Existem mulheres que gostam de assédio, ok é o direito delas. Do mesmo jeito que existe o direito das mulheres que NÃO GOSTAM DE ASSÉDIO de poder se defender. O que tem que acontecer é, se uma mulher resolve denunciar, ela tem que ser levada a sério...! Só isso. Essa Danusa Leão por acaso tá com medo de parar de receber cantada de pedreiro se a justiça começar a defender as mulheres de assédio sexual?? Ah.. dá licença.

O globo de ouro achei uma hipocrisia enorme, não adianta nada promover discursos e etc, mas premiar alguém que no dia seguinte é acusado de assédio, a indústria que promove esses eventos é a mesma que idolatra Woody Allen, que considera bandidos como doentes.

O seu texto me lembrou muito de um episódio de shigofumi sobre bullying, onde um certo personagem dizia que as vítimas de bullying sofriam porque eram fracas, tinham de agradecer que só eram furados com compasso poderiam sofrer coisas piores, a visão dele só muda quando ele vira a vítima. O mal só existe porque temos tolerância com o mal, é o famoso a vítima é fraca, poderia ser pior, tinha outra opção, o culpado é doente, é culpa da sociedade e etc.

2 coisas para essas senhoras que dizem que as denúncias vão acabar com o flerte e blá. 1) Tem uma diferença grande entre: "Só dou entrevista se você sentar no meu colo" pra "Você gostaria de depois da entrevista ir jantar comigo e me apresentar a cidade?" 2) Antes de escrever sobre esses temas, saia de casa e vá numa ONG que forneça auxílio as vítimas de estupro e assédio e veja o sofrimento das vítimas.

Andar na rua e receber uma cantada escrota não é uma elogio como muitos pensam, já passei por isso é ao invés de me sentir lisonjeada fiquei com medo porque fiquei em silêncio com medo e eles começaram a me ameaçar. Isso não é um elogio e as mulheres deveriam entender que é a formar deles demonstrarem aos seus colegas o seu poder opressor em qualquer sociedade em que eles estão inseridos, sejam numa obra ou qualquer lugar, e isso não tem classe social, qualquer mulher está sujeita a passar por situações assim ou pior como abusos e ainda saírem por mentirosas ou que provocaram a situação.

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