domingo, 28 de outubro de 2018

Comentando o posicionamento político de Regina Duarte + recomendação de alguns textos


Este será o último post político antes da eleição e a atuação de Regina Duarte é velha conhecida nesses períodos tensos da história de nosso país.  Ela sempre aparece em momento oportuno afirmando que tem medo do PT.  Desta vez, saiu das sombras para anunciar seu voto no candidato do PSL, como outros artistas fizeram.  Daí, esta semana, a atriz deu uma entrevista ao Estadão comentando seu apoio à Bolsonaro.  Como o Estadão é para assinantes, linkarei para o Estado de Minas, pois lá foi publicada parte da entrevista.

Declarar apoio é normal, cada um tem o direito de apoiar quem quiser. O que incomodou muito foram algumas falas da atriz, a de maior destaque foi esta: "(...) quando conheci o Bolsonaro pessoalmente, encontrei um cara doce, um homem dos anos 1950, como meu pai, e que faz brincadeiras homofóbicas, mas é da boca pra fora, um jeito masculino que vem desde Monteiro Lobato, que chamava o brasileiro de preguiçoso e que dizia que lugar de negro é na cozinha." Reparem que de uma tacada só ela releva Bolsonaro e Monteiro Lobato, só que este último é um homem de seu tempo, e dos mais racistas, enquanto o candidato à presidência seria um homem fora de seu tempo, uma relíquia, e, claro, inofensivo.  Será?

Se o machão dos anos 1970 batia na mulher,
o dos anos 1950 não deveria falar só da boca para fora.
Mais adiante, ela minimizou ainda mais as falas do candidato argumentando que houve montagem para prejudicá-lo: ""São imagens montadas, pois mostram a reação dele, mas não a de quem provocou a reação. É unilateral.""  Enfim, tudo é uma tentativa de relevar o discurso de ódio, ou de desprezo, que permeia as falas do candidato que ela decidiu apoiar.  Esse tipo de fala é típica de seus partidários, isso quando não resvala para o assustador "Ele não vai cumprir o que diz."  É a primeira vez que vejo gente votando em alguém sob esta alegação esdrúxula de que seu candidato é um brincalhão (*como se fosse possível brincar com essas coisas*), ou um mentiroso compulsivo (*não seria um fator de desqualificação?*), que jamais irá cumprir o que promete.  Por qual motivo votam nele então?

OK, quando postei a entrevista da Regina Duarte no Facebook veio um monte de gente dizer que ela era louca, que era um absurdo uma mulher votar no candidato do PSL.  Gente, asseguro que ela não é louca.  Regina Duarte é uma pecuarista conhecida por perseguir os indígenas.  Ora, entre apoiar as minorias, afinal, ela não é nem LGBTI, nem negra, ou apoiar as mulheres como ela, a atriz prefere apoiar seus interesses de classe e eles parecem estar assegurados caso o candidato do PSL ganhe as eleições hoje.  Logo, ela não é inocente útil, ela sabe em quem está votando e não se importa.

Malu tornou-se uma mulher independente.
A entrevista, claro, teve repercussão e Nilson Xavier, publicou um texto no UOL com o seguinte título Malu Mulher votaria em Bolsonaro?  Para quem é novinho, Malu Mulher foi uma premiada série da Globo, que estreou em 1979, retratando as dificuldades enfrentadas por uma mulher que se separa do marido machista.  O marido, um machista dos anos 1970, não ficava só nas palavras, ele bateu em Malu logo no primeiro episódio.  A série, que teve assessoria de Ruth Cardoso (1930-2008), esposa do presidente Fernando Henrique Cardoso, e conhecida intelectual e feminista, tratou de temas tabu na época sempre tendo que lidar com a censura, mas falou-se de feminismo, sexo, orgasmo, aborto, virgindade, métodos anticoncepcionais, gravidez indesejada, violência doméstica, etc.  Era uma série muito moderna para a época e, claro, ninguém imagina Malu votando contra os interesses das mulheres, ou achando um candidato com o perfil de Bolsonaro é fofo. Não mesmo!

Mas as pessoas confundem, ou querem separar, machista e machão.  Não entendem o que são papéis de gênero (*comportamentos, funções e expectativas esperadas para cada sexo*) e tentam relevar comportamentos inaceitáveis e ofensivos às mulheres.  E não pensem que é problema da direita, porque mesmo nos arraiais da esquerda, e estou me referindo à jornalista Cynara Menezes, há quem, e vou usar o jargão feminista de internet, "passe pano para macho", especialmente para aliviar os coleguinhas, basta olhar o texto O machão e o machista, que ela escreveu em 2013.  Não acho que a Cynara mudou de ideia a respeito, mas isso não é desculpa para que a gente seja complacente com as ideias arcaicas e violentas do talvez futuro presidente da república que deseja nos arrastar 50 anos no passado, ainda que Regina Duarte pareça defender que o objetivo é nos arrastar ainda mais longe, quase 70 anos para trás.

Malu teve que cuidar sozinha da filha.
É o que você quer?  Veja que somente em 1962, quando da edição da Lei 6.121, as mulheres  casadas conseguiram ser reconhecidas como sujeitos plenos.  Podiam trabalhar fora de casa sem a autorização do marido, receber seu próprio salário (*antes o marido poderia receber por ela*) e ter bens próprios em seu nome.  E são algumas questões somente que estou citando.  Agora, equiparação do voto feminino e masculino somente pelo código eleitoral de 1965.  Antes disso, mulheres que não trabalhavam fora de casa não precisavam votar.  Será que várias delas não eram proibidas pelos maridos?  Você acha que era "legal" viver nos anos 1950, ou 1960 sendo mulher?  Casa com um homem típico da época?  Ainda mais pobre? Talvez, bastasse casar bem, não é mesmo?

Por fim, recomendo o texto do pastor Ricardo Gondim, Oração pelo Brasil.  Este pastor, anos atrás, foi ostracizado por vários de seus pares, demitido de uma revista famosa, por ter escrito um texto "Deus nos livre de um Brasil evangélico". É um texto obrigatório, também.  Gondim não é militante de partido algum, mas passou poucas e boas durante a ditadura, porque seu pai, militar da FAB, foi preso por se opor ao Golpe civil-militar de 1964.  No texto Oração pelo Brasil, o autor faz uma reflexão sobre o momento atual e de como somente nós temos a força para mudar a situação, à Deus cabe ter misericórdia de nós, especialmente, dos mais fracos.  E deixo o seguinte trecho com vocês:
"O Brasil está à beira de um desastre.  Sabemos que não compete a ti reverter o quadro, e sim ao povo.
Por isso, em humildade, mesmo se falharmos, tende misericórdia de nós.  Ouso te pedir: fica com a comunidade LGBTQ+ enquanto eles temem por suas vidas.  Esteja com os indígenas enquanto eles vêm a terra explorada e seus direitos destruídos. Coloca-te junto às mulheres pobres porque elas sofrerão mais estupros.  Mostra-te aos adolescentes negros porque eles verão os homicídios aumentarem além dos números já alarmantes.  Revela-te aos imigrantes, os refugiados, porque eles não têm para onde ir.  Ajuda os cristãos que não concordaram com o golpe devastador à sua credibilidade, já que grandes segmentos da igreja apoia tamanha ameaça.
Tende piedade porque oramos em nome de Jesus."
Há esperança.
Não sei se com isso consegui virar algum voto pela democracia e pela tentativa de salvaguardar as instituições, o Estado de Direito, as conquistas das mulheres, das minorias em geral, os nossos direitos trabalhistas básicos, o ensino público, especialmente, a universidade, vidas, enfim.  Não estou pedindo voto para o PT, ainda que o candidato seja do PT, estou pedindo reflexão pelo momento sério que estamos vivendo. Mas é isso, trata-se do último post político antes das eleições.  Votem em paz e conscientes de estarem fazendo o melhor pelo Brasil e por si mesmos e, não, torcendo para que seu candidato esteja mentindo.

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