sábado, 3 de novembro de 2018

BBC faz matéria sobre a novela Orgulho & Paixão


Disse que não faria outro texto sobre Orgulho & Paixão, no entanto, a BBC comentou a novela e eu acabei traduzindo o artigo intitulado Pride and Passion: Jane Austen novels the Brazilian way, porque achei que valia a pena.  Traduzi, também, porque a amiga Adriana Sales, professora de inglês, especialista em Jane Austen e sua obra, responsável pela comunidade Jane Austen Society e pelo site Jane Austen Brasil, foi entrevistada para a matéria.  É interessante ver o reconhecimento para um bom trabalho e que não causa estranheza para os britânicos verem uma de suas maiores escritoras virando novela.

Orgulho e Paixão: Jane Austen ao estilo brasileiro
Por Matt Sandy
Rio de Janeiro

Otávio parece preocupado e ele deve ficar mesmo;
ele está prestes a ser rejeitado por Lídia Benedito
É Orgulho e Preconceito, mas não como os fãs de Jane Austen conhecem. Lídia Bennet deixa seu noivo no altar, correndo para fora da igreja em busca do Sr. Wickham, o pai de seu filho não nascido.

"Socorro!" grita o Sr. Wickham, que foi enganado e não sabia que ela estava grávida.
"Ele voltou para me resgatar", Lídia exclama para sua mãe, um pouco otimista. "Vamos nos casar e cuidar do nosso menino juntos. Vai ser lindo."
A Sra. Bennet, enquanto isso, quase desmaia.

Você deve ficar preocupado quando sua noiva levanta
a saia pronta para correr? Se você é Otávio, então sim. [1]
A cena vem da novela Orgulho e Paixão, que recentemente terminou sua exibição de seis meses na TV Globo, rede brasileira de televisão. A novela contou com alto investimento e teve várias reviravoltas radicais baseadas em cinco dos romances de Jane Austen, introduzindo sexo, violência e intrigas.  "Inspirados em Jane Austen, criamos uma nova história com novos personagens", disse o diretor artístico Fred Mayrink. "Um novo universo que fala claramente para um público de novelas brasileiras."

Semelhanças e Diferenças

De fato, o programa terminou em disputa com os profissionais da classificação indicativa sobre conteúdo considerado explícito para o horário das 18 horas, mas também ganhou elogios pela forma como lidou com as histórias sobre homossexualidade e feminismo.  Com 100 horas de exibição para preencher, a novela misturou os romances Orgulho e Preconceito, Razão e Sensibilidade, Emma, Abadia de Northanger e Lady Susan. O escritor Marcos Bernstein disse que gostaria de ter integrado um sexto romance, Persuasão, mas não conseguiu encontrar um caminho.

Cinco filhas, mas não aquelas que você está esperando... 
Como em Orgulho e Preconceito, a família Benedito ocupa o centro da narrativa e tem cinco filhas que a matriarca Ofélia deseja ver casadas com homens apropriados.  E da mesma forma, a personagem principal, Elisabeta, é um espírito livre à frente de seu tempo que é capaz de atrair ou afastar pretendentes.  Mas então as disparidades começam. Apenas três das filhas – Elisabeta, Jane e Lídia – são desse romance. As outras duas – Mariana e Cecília – são de Razão e Sensibilidade e Northanger Abbey. A melhor amiga de Elisabeta é Ema Cavalcante, do romance Emma.

"O enredo de Orgulho e Preconceito é ótimo, mas não particularmente complexo", disse Bernstein. "Mesmo uma adaptação para um seriado leva cerca de oito horas. Com o ritmo dinâmico de uma novela, as coisas precisam acontecer rápido. Se eu tivesse usado apenas um livro, ele teria terminado em três dias."  Em vez de localizar a trama no interior da Inglaterra do século XIX, Bernstein avançou 100 anos para a era dos ricos barões do café no interior do sudeste do Brasil.  "Isso nos permitiu ter esses personagens que são filhos de famílias ricas que não trabalham e vão a festas luxuosas", disse ele. "Na época, a emancipação feminina já estava começando."

Com trajes e cenários luxuosos, a Globo
não economizou na novela.
Considerado inadequado para crianças [2]

Orgulho e Paixão tem cenas que fariam a Srª. Bennet original erguer as sobrancelhas. Em uma delas, o amigo de Darcy, Camilo (Charles Bingley de Orgulho e Preconceito) se inscreve para um clube de luta clandestina. Em outro, sua mãe Julieta supera o trauma de ter sido estuprada por seu marido tendo uma noite de paixão com seu novo noivo.  Tais cenas levaram o Ministério da Justiça a rejeitá-lo como impróprio para qualquer pessoa com idade inferior a 12 anos.

Há também diferenças mais sutis na adaptação das personagens inglesas originais. Casais são vistos se beijando e tocando um no outro, mesmo tomando banho juntos em uma cachoeira.  "Não é possível tornar os personagens tão reservados ou contidas como no original. Nossa história acontece 100 anos depois", disse Bernstein. "É mais Downton Abbey que Jane Austen." [3]

Na versão brasileira, Darcy desce até a mina. [4]
Mas a trama central, quando Elisabeta enfrenta um conflito interno ao conhecer um homem rico e aristocrático chamado Darcy, será familiar para qualquer fã de Jane Austen. "Decidimos tentar introduzir elementos mais suaves em seu comportamento", disse o ator Thiago Lacerda.  “As pessoas imediatamente entenderam que havia alguma rigidez, mas nosso Darcy era um Darcy mais brasileiro."

Gravidez não é um drama

E a Sr.ª Bennet brasileira também está mais descontraída. Mesmo quando a Lídia engravida, "ela vê isso como algo que vai passar e fazer parte do cotidiano", diz a atriz Vera Holtz.  O show também tentou alargar os limites, em uma cena que apresentou um beijo gay que sem precedentes. Em outro, Elisabeta vai a uma festa vestida de calças como declaração feminista.

Um toque moderno, Camilo entra para um clube de luta.
Os membros da comunidade Jane Austen Society, que tem 4.000 membros no Brasil, aguardaram ansiosamente a chegada da novela. Sua presidente, Adriana Sales, que completou recentemente seu PhD intitulado Jane Austen e seu Fandom Digital, disse que a reação entre os fãs hardcore estava fortemente dividida.  "Havia dois grupos separados, aqueles que achavam que era agradável e aqueles que estavam muito desapontados, pois esperavam uma adaptação mais fiel."

Mas, ela pensou, "valeu pois ela disseminou a obra da autora para uma ampla audiência brasileira".  Para o diretor Fred Mayrink, "É bonito pegar emprestadas referências culturais de outros países e desenvolver uma história baseada nessa literatura. Jane Austen permeia toda a novela porque ela está presente em seu universo, no seu tom e no dia a dia. dos personagens ".

Reportagem adicional de Shanna Hanbury.

[1] Bem se vê que quem escreveu essa legenda não procurou saber sobre quais seriam as personagens homossexuais da história.  A preocupação de Otávio era bem outra e a fuga de Lídia foi um alívio para ele.
[2] O texto comprou a ideia de que a novela realmente tinha um conteúdo sexual exacerbado.  A camisa molhada de Mr. Darcy e os fanservices de Colin Firth em Orgulho & Preconceito, ou o tom da versão de Jane Eyre de 2006 não deixavam nada a dever à novela da Globo e eu nem vou meter nesse balaio coisas como Desperate Romantics... Enfim, brincadeira a parte achei que a matéria pendeu para o sensacionalismo aqui.
[3] Definitivamente, não vejo nada de Downton Abbey em Orgulho & Paixão.  Até a ideia de um mundo partido entre criados e patrões não se fez presente na trama da Globo.  O foco era outro.  E nesse aspecto a telenovela se aproxima mais de Austen, pois nos livros da autora, os criados são invisíveis, ou quase.
[4] Acho que há algum trocadilho, ou piada na expressão "goes down the mine", mas não sei explicar.  Procurei e não encontrei.

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