sábado, 17 de novembro de 2018

Comentando Todas as Canções de Amor (Brasil, 2018)


Terça-feira fui assistir ao filme nacional Todas as Canções de Amor.  Curiosamente, acabei vendo dois filmes muito musicais seguidamente, o anterior foi Bohemian Rhapsody.  A vantagem de um filme musical, e este teve sua trilha sonora e tudo relacionado à cargo de Maria Gadú, é que, se nada se salvar, sobra a música.  Todas as Canções de Amor não é um filme ruim, mas suas histórias e personagens não conseguiram me tocar em nenhum momento, já a música, ah, esta sim foi maravilhosa!  

O que mais se destaca do filme é a trilha sonora e o uso da música para guiar a história de dois casais em temporalidades diferentes que tem em comum um apartamento no Centro de São Paulo.  Chico (Bruno Gagliasso) e Ana (Marina Ruy Barbosa) são recém casados e encontram um aparelho 3 em 1 no apartamento onde vão morar.  Junto com o aparelho uma fita cassete gravada por uma mulher chamada Clarisse (Luiza Mariani) para o marido, Daniel (Julio Andrade), de quem pretendia se separar.  A partir daí, somos guiados pela música a acompanhar duas histórias de amor, dois casais diferentes, unidos pelo apartamento e pelas músicas que falam de todos os sentimentos possíveis.

Ana descobre o 3X1 e a fita cassete. 
O filme traz boas piadas sobre tecnologia.
Todas as Canções de Amor é um filme que só tem quatro personagens e se passa praticamente todo ele dentro de um apartamento no centro da capital paulista.  Além disso, ele é um olhar para dentro, em especial da personagem de Marina Ruy Barbosa, uma jovem escritora de 24 anos que fica obcecada por Clarisse e Daniel a ponto de escrever a história de amor dos dois.  Eis então a boa sacada do filme, o que o torna interessante para além da música.  O que vemos da história de Clarisse e Daniel de fato aconteceu ou é fruto da imaginação de Ana?

Ao longo do filme, vemos, também, um amor jovem e um que está morrendo.  Clarisse ama Daniel, mas os dois não conseguem conversar, ela tenta usar canções para se comunicar com ele, que é músico, confessando os sentimentos que é incapaz de expressar por palavras.  Já Ana está presa em um relacionamento desigual com um homem mais velho e muito bem de vida.  Eles se amam, mas talvez um não satisfaça as expectativas do outro.  Será que o casamento deles irá durar?

A vista de São Paulo.  O filme é uma propaganda da cidade.
OK, temos aí desenhado um filme sobre relações amorosas entre adultos, em um tom intimista e sob o olhar feminino.  Aliás, cabe ressaltar que além de contar com mulheres como protagonistas, o filme tem direção feminina (Joana Mariani) e um roteiro assinado por quatro pessoas, três do sexo feminino. Em se tratando de cinema, isso é bem legal.  O filme é bom?  Eu diria que é mediano.  Basta compará-lo com Como Nossos Pais (*resenha aqui*), filme que deveria ter sido o indicado do Brasil ao Oscar do ano passado, e Todas as canções de Amor se apequena em todos os sentidos.  

Se eu consigo simpatizar e, ao mesmo tempo, ser critica, às protagonistas de Como Nossos Pais, não consigo ter muita empatia nem por Ana, nem por Clarisse.  Ana parece uma patricinha muito mimada que tem uma visão umbiguista do mundo.  Tanto que o filme conduz a tensão produzida pelo conflito entre ela e o marido, apresentado como um homem  muito mais velho que se casou com uma menina inexperiente a favor dele, ou seja, o filme meio que aponta que a errada é ela.  Será?  E é curioso, nunca tinha parado para pensar, mas Bruno Gagliasso já não é tão jovem.  

Confrontos entre Clarisse e Daniel são uma constante.
Agora, para que eu, Valéria, visse o casal Ana-Chico como tão desigual, eles teriam que me mostrar isso em outras situações que fossem além dos embates dentro do apartamento, e da repetição de que a personagem de Gagliasso era muito mais velho e experiente e tudo mais que a perceira.  Talvez, se eu conseguisse me ver um pouco na moça-protagonista, eu empatizasse com ela, o problema é que eu me vejo mais no sujeito que sai para trabalhar todo dia, que tem um monte de responsabilidades, volta querendo um lugar aconchegante para ficar com a pessoa amada e ainda tem que ouvir lamúrias de quem não consegue administrar um dia quase vazio de acontecimentos.  "Você não vê meu trabalho de escritora como trabalho!"  Desculpe, da forma como o filme apresenta é complicado para mim.

Já o casal Clarisse e Daniel, bem, os dois atores estão excelentes, mas a relação dos dois poderia ser mais explorada.  É por isso, por causa da falta de aprofundamento das duas personagens que eu imagino que elas sejam, sim, uma criação de Ana, uma mulher sem muitas experiências de vida.  Enfim, Daniel e Clarisse se amam, mas não sabem se expressar.  Ele é grosseiro e pouco sensível.  Ela se assume como vítima, provoca e tenta seduzir, agride e está sempre com um copo de bebida na mão.  Nenhum dos dois quer ceder e, bem, em um casamento, é preciso ajustes, nenhum dos dois quer ceder e o sexo pode ser ótimo, mas casamento não é só isso.

Você olha para os dois e consegue
ver uma distância tão grande assim?
Continuando, Daniel, assim como Chico, tem profissão.  É músico, professor, também.  Clarisse o acusa de ter casos com as alunas. O vemos sair para trabalhar e trabalhando, também.  Já Clarisse, o que faz da vida?  Ela fala de festas, de economia, do Plano Real, que estava começando naquele momento, que nunca iria querer ter um celular, de voltar a estudar e mudar de área (*qual seria, afinal?*), fala em viajar pelo mundo... Mas de onde vem o dinheiro?  Qual o trabalho de Clarisse, afinal?  Ela só é mostrada com o copo de bebida na mão, saindo ou chegando de baladas, ou dormindo.  Tudo é muito superficial.  E, bem, não consigo simpatizar com quem quebra um copo e não recolhe os cacos.  Eu já cortei feio o pé e sei o estrago que um caco de vidro pode causar.  Daniel não é simpático, também, mas deixar os cacos de vidro pro cara pisar, ou, simplesmente, porque é uma dondoca e não se importa, não é legal.

Já caminhando para o final, as atuações são ótimas.  Luiza Mariani, que é muito elegante, também, e Júlio Andrade, especialmente, estão muito bem  nos papéis.  Como as mulheres são dominantes no filme, exige-se menos dele, eu diria, mas a personagem Daniel é a mais introvertida das quatro.  Marina Ruy Barbosa sempre parece a mesma para mim, ela é boa atriz, mas parece meio que prisioneira dos mesmos papéis.  Bruno Gagliasso fazendo um sujeito normal geralmente não exige muito dele.  Cenas de sexo há uma só, com alguma nudez (*a bunda do Gagliasso é linda, enfim*).  É um filme muito leve.  E todo mundo é bonito de alguma forma, dentro do padrão de aceitação geral.

A fita cassete que embala os
dois relacionamentos do filme.
O filme não cumpre a Bechdel Rule, porque as mulheres não conversam entre si.  São quatro personagens em temporalidades diferentes, o que dificulta, obviamente.  Não é um filme feminista, aliás, não vi nada de efetivamente empoderador nele.  São mulheres bem nascidas, privilegiadas, em relacionamentos que, para termos certeza de que são abusivos, teríamos que ter maiores informações.  Fora isso, velhos clichês são reforçados, como a rivalidade sogra-nora.  A mãe de Chico, que nunca aparece, é pintada como megera.  Normal, não é?  Por isso mesmo, recomendo de novo Como Nossos Pais para uma comparação.

Há uma outra discussão que pode ser feita com o filme e convém pontuá-la no fim da resenha.  Todas as Canções de Amos mostra muito do Centro de São Paulo.  Há uma cena em especial, com Chico correndo e Daniel levando o cachorro para passear em que os dois se cruzam nos mesmos pontos turísticos da capital paulista.  Eu já passei caminhando pelos mesmos lugares.  São espaços privilegiados, porque ou permitem visualizar a cidade inteira, ou porque são monumentos importantes por seu valor histórico e arquitetônico. Daí, fiquei me questionando sobre o processo de gentrificação desses espaços, isto é, como lugares antes decadentes, é assim que o apartamento parece nos tempos de Clarisse e Daniel, onde pessoas mais pobres, ou menos bem de vida, podiam morar, se tornam chiques e privilegiados.  

Clarisse merecia um pouco mais de profundidade.
Em 2018, é muito caro morar no Centro de São Paulo, ou do Rio de Janeiro. Daí, a valorização de bairros outrora decadentes como a Lapa, tradicional espaço da boemia carioca.  Os aluguéis dispararam e morar lá é para poucos.  Enfim, residir perto do trabalho, especialmente, em uma grande cidade, é um luxo que a maioria não tem e, claro, só quem pode pagar terá esse privilégio, ou quem mora em uma ocupação, ou nos cortiços que ainda restam, ou em residências que estão na família por mutias gerações, mas que podem ser vendidas a qualquer momento, porque valem ouro.   Pensei Aquarius, agora, outro filme que discute essa questão e de uma forma mais direta.  

É isso, me prolonguei demais.  O filme é a estreia da diretora, Joana Mariani, que me pergunto se é parente da atriz que faz Clarisse e ela mesma definiu bem sua obra como "(...) um filme sobre o amor, seus inícios, seus fins e seus meios. Ele fala sobre duas relações e pretende, ao mesmo tempo, falar sobre todas. Sobre os altos, os baixos, os ajustes, os encontros e os desencontros”.  A música é a atração principal do filme, repito, Maria Gadú merecia um prêmio.  A incógnita sobre se são duas temporalidades distintas, ou imaginação da escritora, tornam o filme interessante até certo ponto.  De resto, achei tudo muito superficial e pouco estimulante, mas o filme está bem cotado.  Não vi nenhuma resenha que não desse pelo menos três estrelinhas.

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