domingo, 31 de março de 2019

No tempo em que as mulheres não podiam fazer nada, só ficar em casa: Conversando com a Júlia


Faz tempo que não escrevo no Shoujo Café sobre as minhas aventuras no mundo da maternagem.  Para quem não sabe, chegou agora, tenho uma filha de cinco anos e, infelizmente, crescendo rápido.  Para ela, claro, ela falou isso ontem, chegar aos cinco anos demorou uma eternidade.  Bom que seja desse jeito.  Ser criança saudável e com uma família que lhe proteja e dê amor é muito bom.  em outras condições, talvez não seja tanto.  Mas vamos para a minha conversa com a Júlia:

Júlia quer ser "youtuber" infantil. 😛

"Mãe, é verdade que antigamente os homens podiam fazer tudo e as mulheres não podiam fazer nada e tinham que ficar em casa?" "Quem disse isso para você?" "Foi a tia XXX." Isso foi dias atrás, mas a Júlia repetiu a conversa hoje. Ela está na fase de repetir conversas e informações, parece um reforço sem fim, mas sei que é coisa de momento.  Acho que, no geral, a professora da Júlia faz um excelente trabalho para a idade que as crianças têm e levando-se em consideração que muitos pais e mães mais atrapalham do que ajudam o processo de educação formal de seu filhos e filhas.
Um caso muito peculiar.
Daí, expliquei que não era tão assim, só que não dava para entrar em minúcias como explicar que mulheres pobres sempre precisaram trabalhar fora de casa e casos mais específicos, eu estava dirigindo,  e ela ainda é muito jovem para que eu discuta o conceito de "História do possível" com ela.  😄 Só tentei reforçar para ela que as mulheres tiveram que lutar muito para que nós pudéssemos ter vários direitos e que é muito fácil perdê-los. Sim, a ideia do coletivo.  Ninguém nos DEU nada como virou moda em certos círculos conservadores e religiosos repetir por aí.  

Yentl é um dos meus filmes favoritos.
Enfim, estávamos ouvindo o CD de Yentl em português.  Júlia tinha pedido que eu colocasse alguma coisa que ela pudesse entender, daí, tirei da versão original e fui para o CD que está no rádio do carro.  As músicas cantadas por Barbra Streisand são muito melhores, mas prestigiei a artista (Tania Apelbaum Novak) e Júlia pode compreender o que era cantado e perguntar sobre a música. Era a música "This Is One Of Those Moments" (Este é um daqueles momentos), quando Yentl é admitida na Yeshiva e canta que agora poderá ler todos os livros que sempre sonhou e nunca lhe deixariam ler. Já falei de Yentl para Júlia antes, sempre comparo com Mulan, uma queria estudar, outra ir para a guerra, ambas eram impedidas simplesmente por serem mulheres.

Ainda estou devendo uma resenha de Mulan.
Contei que a avó dela apanhou da minha avó simplesmente por querer jogar bola (*minha mãe quase foi levantadora da equipe de vôlei de escola, mas minha avó não deixou*), porque a mãe dela dizia (*diz até hoje*) que menina não brinca de bola. Minha mãe nunca impediu meu irmão e eu de brincarmos com nada, ela inclusive enfrentou meu pai em alguns momentos por preconceito dele em relação aos brinquedos que ela dava para meu irmão.  Minha mãe não reproduziu esse tipo de ideia, ela se libertou e fez melhor.  Meu irmão, hoje, é o pai mais amoroso possível; criança, ele era de uma paciência infinita penteando as bonecas que eu ganhava mesmo sem querer.  Se você acredita em horóscopo, o fato dele ser virginiano pode influir nessa obsessão por tudo sempre bem arrumado.  😉  Em tempos tão insanos como os nossos, é preciso marcar posição, o que Júlia vai fazer da vida dela adulta, será escolha da própria, por enquanto, cabe a mim orientar. "Você não ia poder brincar de bola, nem correr. Para você, só uma Baby Alive para brincar."  

Essas bonecas Baby Alive me parecem sinistras.
Júlia odeia essas bonecas Baby Alive, eu, também, aliás. Só que elas são o sonho de consumo de uma prima dela da mesma idade, essa priminha fala toda feliz que quer a boneca que faz cocô. Júlia ficava olhando com cara de nojo, isso quando não dizia que se a XXX fosse nos visitar, ela não poderia levar a tal boneca. Eu sempre brinco que vou dar uma de presente para ela. "E ela vai acordar você de noite e pedir para você limpar a fralda dela." "E eu vou atirá-la pela janela." Sim, ela planeja assassinar bonecas, se ficar só nas bonecas que ela nunca terá, está bom.  Mas, de novo, o que ela vai fazer da vida dela quando adulta, não me caberá decidir.

2 pessoas comentaram:

"Dar um like e se inscrever no canal das frutinhas fofas" ahahah.. meu Deus, eu fico impressionada com a capacidade de absorção das crianças. Realmente é muito importante que elas sejam rodeadas de boas ideias e influencias... acho que a partir disso, ela conseguirá tomar boas decisões quando adulta.

Os cuidados constantes que uma criança pequena requerem são tudo menos diversão. Estão mais para castigo mesmo hahahaha. Também acho essas bonecas pavorosas, sou mais usar um dos gatos de filhinha se a Júlia quisesse uma brincadeira mais realista. Só que tem que combinar com os felinos antes.

Muito legal esse trabalho que a professora da Júlia vem fazendo com ela. Só que infelizmente temos que ressaltar que dependendo do lugar do mundo, a vida de uma mulher é muito restrita. O estudo depende da permissão do pai, para viajar ou assinar um simples contrato de linha de celular precisa da autorização do marido. E mesmo que não haja nenhum dos dois, muitas mulheres árabes ainda são legalmente obrigadas a serem tuteladas por um parente do sexo masculino.

Meu fiozinho de esperança é que as mulheres nunca foram de ficar plenamente conformadas ao que as sociedades lhes impuseram. Tanto que temos mudanças.

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