segunda-feira, 27 de maio de 2019

Comentando Aladdin (Disney, 2019): Quando a Disney quase conseguiu ser Bollywood. Quase!



Assisti ao filme Aladdin duas vezes, quinta-feira, legendado e sozinha; sábado, com a Júlia e dublado.  Gostei bastante do filme, no geral, ele foi bem agradável de assistir e possibilitou o crescimento como personagens tanto de Jasmine, quanto do Gênio.  Diferente de Dumbo, a última adaptação live action a chegar na tela grande, o filme é muito mais dependente do original, sendo mais uma releitura estendida do mesmo, do que um produto novo de fato.  Problema?  Nenhum.  Só achei que o filme poderia ter uns dez minutos a menos e ter tido mais coragem e se atirado com tudo em Bollywood.

Nossa história se passa em Agrabah, aparentemente, um reino islamizado da Índia, onde vive o jovem Aladdin (Mena Massoud), um órfão que vive de pequenos roubos, e tem como único companheiro o macaquinho Abu.  Um dia, o rapaz encontra uma moça misteriosa e a ajuda a sair de uma grande encrenca.  Ele descobre que ela  mora no palácio do sultão, mas a jovem, na verdade, a princesa Jasmine (Naomi Scott), mente dizendo que é uma criada.  No afã de reencontrar a jovem, Aladdin acaba sendo capturado pelo Vizir do sultão, Jafar (Marwan Kenzari), que estava em busca de um "diamante bruto" que pudesse usar em uma missão perigosa.

Os dois se apaixonam no primeiro encontro.
Jafar tem grandes ambições e Aladdin não tem escolha a não ser aceitar a missão que lhe é imposta pelo vilão, indo parar no fundo de uma caverna mágica em busca de uma misteriosa lâmpada.  As coisas não saem como Jafar espera e Aladdin consegue não somente um tapete voador, mas termina ficando com a lâmpada e o gênio (Will Smith) dentro dela.  Detentor de três preciosos desejos, ele pede para se tornar um príncipe, pois somente assim ele poderia conseguir a mão da princesa.  Só que as coisas não seriam tão simples e o caráter de Aladdin seria testado, não somente em relação ao seu amor por Jasmine, mas, também, em relação à amizade com o Gênio da lâmpada.  Além disso, Jafar não vai deixar barato o fato do jovem o ter feito de tolo.

Aladdin nunca foi um dos meus desenhos favoritos da Disney.  Com certeza, A Whole New World é uma das grandes músicas do estúdio, mas, no geral, outros filmes me atraem mais.  O que torna Aladdin singular é que sendo um filme de herói junto com Tarzan, Hércules e outros, ele acaba sendo muito mais associado a uma das princesas, nesse caso, Jasmine.  No original, a jovem é somente voluntariosa e não deseja se casar tão rápido, ou com qualquer um.  No filme, ela se torna uma princesa empoderada e que pensa mais em reinar como sultana do que em casamento.

Will Smith se saiu bem como o gênio
e sua interação com Massoud ficou excelente.
Sim, a Jasmine do filme é diferente.  Ela é uma jovem que está se preparando para um papel, o de governante, mesmo sendo reprimida a todo momento pelo pai (Navid Negahban), que deixou de ser o bufão do desenho, e se tornou um governante responsável e um pai super-protetor, mas machista, e por Jafar, que beira a misoginia.  A nova Jasmine promovida a co-protagonista e faz o solo mais importante do filme, é dela uma música nova chamada Speechless.  Nesta canção, ela denuncia a tentativa de a silenciarem, de lhe tirarem a voz por ser mulher.  É uma música poderosa, mas acredito que se a sua segunda aparição fosse suprimida, deixando somente o discurso da princesa, seria um ganho para o filme que poderia ter uns 10 minutos a menos.

A realidade é que essa versão de Aladdin é muito musical mesmo.  Flertou inclusive com Bollywood, mas não teve a coragem para se jogar de vez e prestar uma homenagem integral ao cinema indiano.  Acredito que o filme seria melhor se o fizesse.  Essa musicalidade favorece Will Smith, que canta bastante e se sai muito bem como a criatura mágica que deseja se tornar um humano comum.  As músicas cantadas por ele tem um toque de hip-hop que me fizeram lembrar do Will de The Flesh Prince of Bel Air (Um Maluco no Pedaço).  O Gênio também recebe uma história para si, um interesse romântico, Dalia (Nasim Pedrad), a dama de companhia da princesa.  

Dalia só pensa em casar e, bem, em tudo que vem depois.
Pedrad tem uma veia cômica muito forte e suas intervenções no filme são sempre engraçadas.  Uma das suas melhores tiradas é quando ela insiste que Jasmine se case com o príncipe Anders (Billy Magnussen) e diz que ela nem terá que falar com ele depois de casada.  Para a dama, o centro da vida de uma mulher é o casamento, já para a princesa, que é obrigada pelo pai a ficar confinada no palácio, o mundo é muito maior e uma mulher deveria ter maiores possibilidades de realização.  Sim, há uma forte veia feminista no filme Aladdin, mas, no fim das contas, tanto Dalia, quanto Jasmine conseguem o que desejam.

Falando de Aladdin, Mena Massoud consegue se sair muito bem como o protagonista.  Sua One Jump Ahead é muito marcante e adquiri tons melancólicos.  De todas as músicas, esta é aquela em que a versão original é bem superior à nacional.  O Aladdin  de Massoud demonstra todo peso da solidão, do abandono e da vulnerabilidade, apesar de manter a sua dignidade e capacidade de sonhar. "Riffraff, street rat", ele não teve chance de ser outra coisa.  Quando encontra o Gênio, e a parceria com Will Smith é ótima, ele termina tendo o mundo aos seus pés e, ainda assim, consegue vencer a tentação e manter-se íntegro.  Seu prêmio?  O coração da princesa e a possibilidade de sair da miséria e ajudar os outros.

Jafar tem muita ambição e ZERO libido.
Falando de Jafar, bem, ele passou por uma mudança considerável no filme, ele perdeu toda a libido.  Ele não deseja Jasmine, ele deseja o poder. Anulou-se aquele temor que muita gente nutria de que Jafar pudesse ter alguma cena sexy com Jasmine.   Não há nada, o desenho de 1992 tem muito mais erotismo do que essa nova versão.  Sim, essa é a verdade.  Aliás, o ator que faz Jafar, Marwan Kenzari, é bonitão, mas tem uma voz que não é nada sexy.  A dublagem brasileira acompanhou direitinho e escalou alguém com uma voz quase idêntica.  Enfim, fizeram a coisa de tal forma, que o fato de um ator bonitão interpretar Jafar não fez diferença para o público, ou para a relação dele com a princesa.

Enfim, Jafar não demonstra nenhum interesse real por Jasmine e vai além, ele a quer calada, silenciosa, ela não deve ter nenhuma função, ela é, no máximo, um degrau para o poder.  E, bem, nesse Aladdin, Jafar não se insinua em nenhum momento para a princesa.  Em relação à princesa, ele é somente a encarnação do patriarcado opressor em tela.  De resto, Jafar sente-se humilhado e é de fato enquadrado pelo sultão e até pela princesa algumas vezes.  No filme, ele tem um passado, foi um ladrão de rua, esteve preso por 5 anos no reino vizinho, que ele quer invadir e conquistar para se vingar, e se corrompeu.
Um pai amoroso, mas que acredita que as mulheres não devem reinar.
Salvo por essas mudanças, um maior empoderamento de Jasmine, uma história para o Gênio, e um Jafar sem libido, o filme segue o original de muito perto.  Quem queria um filme novo em folha seguindo o que oi feito com Dumbo, deve ter se decepcionado.  Já quem queria ver Aladdin de carne e osso, deve ter ficado bem satisfeito, especialmente, quando vê em tela praticamente tudo que está no original.  Basta pegar, por exemplo, a sequência da música Friend Like Me.  Sim, eu sei, não é o Robin Williams, mas não tinha, infelizmente, como ser, vocês sabem.  

Falando no visual, ele é bem impressionante.  A sequência da caverna ficou ótima, uma das melhores do filme.  A correria de Aladdin na cidade, ou nos confins da terra ficaram muito bem na tela. O desfile do Príncipe Ali por Agrabah é uma mistura deliciosa de escola de samba com Bollywood.  Quanto ao figurino, ele bebe em diversas influências e coloca em Agrabah vestimentas típicas de várias regiões islamizadas.  Tudo é muito mais colorido que no desenho original e o efeito ficou muito bom.

Príncipe Ali entra na cidade misturando
 Bollywood e Escola de Samba.
Caminhando para o fim, uma outra alteração importante foi na música Arabian Nights, cujo trecho acusado de ser ofensivo aos muçulmanos, "Where they cut off your ear if they don’t like your face/It's barbaric, but hey, it's home" (Onde eles cortam sua orelha, se não gostam da sua cara/É bárbaro, mas hey, é meu lar), sumiu e deu lugar a "Where you wander among every culture and tongue/It's chaotic, but hey, it's home" (Onde você circula por todas as cultura e línguas/É caótico, mas hey, é meu lar).  A própria Disney já tinha mudado esse verso em relançamentos de Aladdin, mas é uma mudança significativa.

A Bechdel Rule não é cumprida, eu acredito, porque quando Dalia e Jasmine conversam é sobre casamento, príncipes e Aladdin/Príncipe Ali, o que não quer dizer que não tenhamos uma personagem muito forte, que é a princesa.  De resto, quando vi Hakim, o líder da guarda, fiquei me perguntando de onde conhecia o ator Numan Acar, que interpreta a personagem com toda a dignidade.  Enfim, ele é o mulá gente boa de Ali & Nino.

Ficou bem bonita a sequência do tapete.
Concluindo, gostei de Aladdin bem mais que de A Bela e a Fera, ainda que considere que o filme poderia ser mais curto.  A superioridade de Aladdin fica por conta do elenco, que realmente estava muito bem e da direção.  Agora, comparando com Dumbo, acredito que a direção e o roteiro do filme do elefantinho foram mais arrojadas e ousaram se distanciar do original.  Quanto à experiência da Júlia, não pretendia levá-la, só que ela pediu muito e meus sentimentos se confirmaram: o filme estava um tiquinho além dos interesses dela.  No meio do filme, ela dispersou e pediu para ir embora.  ficou até o fim, retomou a atenção, mas em Dumbo, por exemplo, ela não perdeu o foco do filme nenhuma vez.  

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