segunda-feira, 8 de julho de 2019

Comentando o Primeiro Episódio de Gentleman Jack (BBC/HBO/2019): Promissor e sem santificar a Protagonista


Semana passada assisti ao primeiro episódio de Gentleman Jack, a série da BBC/HBO que eu estava esperando ansiosamente desde ano passado.  Tinha baixado um capítulo e deixado no HD.  Terminei esquecendo de pegar os outros e trazê-los para as férias.  E eu teria assistido, porque o primeiro capítulo confirmou o trailer e foi bem empolgante.  E digo isso no sentido de narrativa, foi um capítulo com um ritmo frenético e muito bem humorado.  Uma série de época bem criativa mesmo, mas tenho que ver mais para confirmar se ela realmente é tudo isso.

Enfim, Gentleman Jack conta a história de Anne Lister (1791-1840), conhecida como "a primeira lésbica moderna", uma mulher muito, muito rica, que usava isso em seu benefício para não dar a mínima para as intromissões de sua família.  Mulher de negócios, intelectual, montanhista, ela deixou um diário com mais de 4 milhões de palavras, 1/6 do qual em código.  Ao ser decifrado, ficamos sabendo muita coisa sobre essa mulher singular que ousou, inclusive, se casar (*ainda que extra-oficialmente*) em uma igreja com sua companheira Ann Walker, em 1834.  

Quando anunciaram Gentleman Jack, imaginei que fosse uma série de época padrão da BBC, mas não era o caso.  Tivemos 8 episódios e uma segunda temporada está garantida.  Como acompanho as resenhas do Frock Flicks, afinal, os figurinos ficaram excelentes, sei que o último episódio terminou com um belo gancho, sim, é preciso contar o resto da história de Lister e Ann Walker.  De qualquer forma, é interessante ter a história de Anne Lister contada e ver tanto dinheiro investido para que a produção tenha qualidade.

No primeiro episódio, temos o foco na construção da personalidade de Anne Lister (Suranne Jones) e seu encontro com Ann Walker (Sophie Rundle).  Lister, uma mulher de hábitos peculiares, como sempre se vestir de preto combinando itens do figurino masculino com o feminino, está voltando para Halifax, sua terra natal.  A família de Lister é composta pelo pai (Timothy West), um ex-militar pouco afeito aos negócios; Marian (Gemma Whelan), a irmã solteirona meio amarga e preocupada com as regras sociais; e uma tia muito amorosa (Gemma Jones).  Todos esperam que Lister não fique por muito tempo, mas ela decide contrariar as expectativas de todos.

Ao voltar, descobre que a cobrança dos aluguéis dos arrendatários das suas terras pode atrasar, porque o responsável pelas contas, um funcionário muito antigo, está bem enfermo.  Ela, contra o bom conselho de seu pai e irmã, decide tomar as coisas em suas mãos.  "Não é trabalho de mulher.".  Para Lister, pouco importa, ela é mulher, mas é a dona das terras.  Outra coisa que mobiliza a protagonista é o interesse pelos negócios com carvão, outro assunto que "não é coisa de  mulher" e, na opinião de seu pai, "nem de aristocrata".  

Nobres não devem se meter nem com comércio, nem com indústria, nem com mineração.  Curiosamente, apesar de Lister ser uma aristocrata até a medula, ciosa de seus privilégios ancestrais, ela se interessa por novos negócios e tecnologias.  Ela quer ganhar dinheiro e consegue se equilibrar entre as tradições e a modernidade.  Enquanto isso, sua irmã mais nova, também apegada às tradições, nesse caso, as ligadas aos papéis de gênero, está muito antenada com as mudanças na lei e defende que o futuro está na cidade, não no campo.

O ponto de discórdia entre Lister e Marian é a questão do voto.  Lister reclama, na ocasião encontrava com Ann Walker pela primeira vez, que, agora, a lei de 1832 lhe proibia de votar, pois determinava que o voto era masculino (*a série erra ao colocar "universal male suffrage", coisa que a Inglaterra não teria em muito tempo ainda*), dando para alguns de seus arrendatários e mesmo operários o direito de voto.  Motivo?  Eles eram homens e ela, não.  Para Lister, uma afronta, afinal, eles eram inferiores.  Enfim, algo que achei muito interessante nessa construção da protagonista é que não a amaciaram para satisfazer as sensibilidades modernas.

Tirando pelo primeiro episodio, Anne Lister, apesar de moderna, era uma uma senhora de terras capaz de agir de forma fria e até cruel para atingir seus objetivos.  Dentro da lei, ela se livra de arrendatários idosos e pouco lucrativos mesmo contra o conselho de seu pai e irmã.  Ela não tem nenhum problema em afirmar-se como superior por ter nascido na classe social certa e hostilizar pessoas pobres "que não conhecem o seu lugar".  No primeiro capítulo, antes de se apaixonar por Ann Walker, ela decide seduzir a jovem que, mesmo sendo de classe social inferior, é  muito rica.  Quanto mais dinheiro, melhor!

Anne Lister seria um macho muito escroto de sua época não fosse um detalhe, ela é uma mulher.  Apesar de todas as suas vantagens sociais, e sendo muito rica ela pode agir nos limites do decoro, ela é inferior simplesmente por ter nascido com o sexo biológico errado.  Suas desventuras amorosas derivam disso.  Ela ama mulheres e é amada por elas, mas acaba sendo abandonada por suas amantes, que preferem um casamento convencional e seguro.  Com Ann Walker será diferente.

O episódio apresenta Walker como um oposto de Lister.  Moça rica, mas sem autonomia.  Passando da idade de casar simplesmente, porque seus tutores temem que possa sofrer um golpe do baú.  A vida semi reclusa, cercada por gente muito mais velha, tem efeito terrível sobre os nervos e a saúde da jovem.  Ann é depressiva, mantida como uma flor de estufa.  Seu encontro com Lister, uma mulher vigorosa, solar, cheia de ideias e muita energia, mudará sua vida.  O encontro entre as duas se dá já no final do capítulo.

Fechando, porque não há muito o que comentar sem dar spoilers, repito que o diferencial da série, ou, pelo menos, desse primeiro capítulo é a narrativa dinâmica, bem humorada.  O fato de Lister, interpretada com muito bom humor por Suranne Jones, conversar com a câmera, conosco enfim.  A única série de época com narrativa moderninha que eu vi me empolgou no início e terminou decepcionando com o andar dos capítulos, foi Desperate Romantics.  Não acredito, porém, que Gentleman Jack seja decepcionante, agora, confesso que preferiria que tivesse uma temporada só, porque termino perdendo o fôlego e largando as coisas pela metade.

P.S.: Depois coloco as imagens.  A conexão está muito ruim desde cedo.

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