domingo, 11 de agosto de 2019

Monteiro Lobato já esteve no Index, a lista de livros proibidos da Igreja Católica


Esse post é um momento cultural, por assim dizer.  Estava eu mais cedo assistindo um vídeo do Mario Sergio Cortella intitulado "Raiva de Monteiro Lobato" e, lá pelas tantas, ele comenta que o famoso escritor brasileiro teve seus livros infantis incluídos no Index Librorum Prohibitorum.  O que é isso?  Para quem não sabe, o Index é a lista de livros proibidos pela Igreja Católica criado em 1559 como uma das medidas de contenção do avanço do protestantismo e de defesa da fé.  Sua última edição saiu em 1948 e ele foi finalmente abolido em 1966.  O vídeo do Cortella está aí embaixo:


Não sou especialista em Lobato, nem em Brasil no século XX, mas a gente que dá aula sempre comenta da perseguição sofrida pelo autor durante o Estado Novo (1937-45) em virtude das suas ideias sobre a exploração do petróleo, ele chegou a ser preso, acusado de subversivo e suspeito de comunismo.  Agora, não sabia eu que ele teve problemas com o Governo Vargas (*em sua fase ditatorial*) em virtude de suas ideias pacifistas e de suposta críticas ao governo; fora do Brasil, o governo português, outra ditadura com forte influência fascista, também viu problemas em sua obra.  Citando a Wikipedia:
"(...) seu livro História do Mundo Para Crianças sofreu crítica, censura e perseguição da Igreja Católica onde, em escolas católicas, o livro foi considerado "péssimo para ser lido" e as freiras organizaram fogueiras para destruir os exemplares em 1942. Além disso, o livro foi duramente criticado pelo governo Brasileiro por estar "incutindo dúvidas sobre atividades governamentais no espirito das crianças" ao comentar sobre o ato do Governo sobre a queima do café e condenou o trecho sobre Santos-Dumont que diz: "Veja o aeroplano. Quando Santos Dumount o inventou, nem por sombras lhe passou pela cabeça que o maravilhoso aparelho de voar iria ser aplicado para matar gente e destruir cidades...". No exterior, o Governo Português proibiu a obra em seu país e as únicas explicações que Lobato encontrou para isso foi a de ser da corrente "que afirma o Brasil ter sido descoberto 'por acaso'" ou por "ter registrado a história das 1600 orelhas cortadas à marinhagem árabe por Vasco da Gama"."
Mas voltando para a história do Index, encontrei uma entrevista com uma especialista em Monteiro Lobato, a Prof.ª Eliana Yunes, de 2008, comentando a perseguição à Lobato feita pelos quadros da Igreja Católica no Brasil.  Vejam só:
"IHU On-Line - Como se deu este embate com a Igreja?
Eliana Yunes - No final da década de trinta do século XX, Lobato já tinha uma obra impressionantemente bem distribuída para o público infantil, com sua estratégia de circulação de livros na escola e através de uma rede comercial que não se apoiava apenas em livrarias. Mas onde havia uma farmácia no Brasil, não faltaria uma igreja e já então uma escola. A audácia de Lobato de tratar crianças como interlocutores de respeito, de mimetizar-se em um alterego feminino, sob os panos de uma boneca perturbadora, chamaram a atenção de pedagogos como Anísio Teixeira  e Fernando de Azevedo,  mas também de vigilantes da moral consolidada e aprovável pela igreja. O padre jesuíta Sales Brasil,  atuando em Salvador, publica, então, A literatura infantil de Monteiro Lobato ou Comunismo para crianças. A edição de 1958, das Edições Paulinas, traz cartas de apoio que vêm do Vaticano e um prefácio que clama como vinda desde 1936 a queixa contra “os grandes males que poderiam advir, para a fé e a educação cristã das crianças, da leitura das últimas obras de Monteiro Lobato”. 
IHU On-Line - E que males seriam estes?
Eliana Yunes - Sob a forma de conferências feitas a princípio para rádio e para a tribuna, aparecem no livro as acusações genéricas de comunismo – o vilão ideológico daquelas décadas pós-revolução bolchevique – que incluem o desrespeito a valores como obediência, matrimônio, pátria em doze lições ou negações que rastreia na obra: negação à causa superior de todas as coisas, da divindade de Cristo, da hierarquia social, da civilização cristã, de moralidade do pudor, do respeito a superiores etc. Ele vê  sinais explícitos de materialismo, de darwinismo, de marxismo e, pior, de manipulação subliminar das crianças, para a adesão a valores profanos. Apóia-se nas doutrinas da Igreja, lidas com miopia estrita, e ignora solenemente qualquer base “científica” da teoria da literatura. Confunde arte com doutrina, pedagogismo com pedagogia, moralismo com moral. Lobato, como já o fizera com os modernistas, não responde. Depois de sua morte sai a segunda edição do livro, ainda tentando desmoralizar e desqualificar sua contribuição à renovação da educação brasileira, pela discussão da cultura e desrepressão à infância."
O ato de ler é subversivo em si mesmo.
Há muita coisa subversiva em Monteiro Lobato, assim como temos aqueles problemas típicos de sua época e dele mesmo, mas não imaginava que a coisa tinha chegado a esse ponto.  E, bem, é sempre bom descobrir coisas novas, mesmo que sejam velhas para muita gente.  Hoje, vivemos em um momento no qual para os autoproclamados conservadores, na verdade, a maioria deles gente que não se assume de extrema-direita, quem discorda deles é comunista.  Monteiro Lobato virou, inclusive, um dos pontos de união desse grupo quando estudiosos apontam o racismo do autor.  Vem sempre alguém que nega, que fala em mi-mi-mi-mi.  E como fica lidar com essa história de Lobato comunista?  De pó de pirlimpimpim associado à cocaína?  Agora, entendi por qual motivo o pó que era cheirado como rapé aparece de forma diferente na TV.

Bem, quando fui procurar essa história de Monteiro Lobato no Index, o que mais encontrei foi exatamente gente acusando os movimentos negros de quererem criar um Index, eram textos de 2010, em sua maioria, nada sobre a perseguição ao autor subversivo, contra as hierarquias, contra a moral e os bons costumes.  Olha, Monteiro Lobato era mais racista que a média de sua época (*ainda que alguns o neguem*), provavelmente, apesar de Emília, deveria ser muito machista, também, salvo se a história que o Cortella conta no vídeo não seja verdadeira de todo.  E nem adianta colocar panos quentes, é melhor admitir que mesmo nos anos 1930 e 1940, havia machistas menos machistas, racistas menos racistas e que a média.  Se assim não fosse, não haveria mudança, afinal, era normal pensar assim e a sociedade era uma massa homogênea.

O Sítio do Pica-Pau Amarelo que passava na minha infância.
De qualquer forma, bom descobrir essa outra faceta de Monteiro Lobato, que a sanha persecutória de certos elementos da Igreja Católica (*eles perseguiram os quadrinhos, também*) o associaram ao bicho papão da época, o comunismo.  Bom saber disso, também, porque fica bem evidente que a maioria da população católica do país não deu muita bola para os agentes do atraso e continuou lendo Lobato e, mais tarde, assistindo ao Sítio do Pica-Pau Amarelo na TV.  E para quem quer saber minha opinião sobre o Lobato racista e como proceder, mas não quer ir atrás de textos antigos, eu realmente acredito que notas de rodapé e uma boa introdução crítica situando a discussão já seria suficiente para sanar o problema.  E, não, reescrever Lobato para limpá-lo dos seus problemas, tá tão ruim quanto negar que os problemas estejam lá.

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