segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Recomendação de Vídeo: Ler antes de Morrer (#256) - Mulherzinhas (Little Women)


O Canal Ler Antes de Morrer fez um vídeo sobre Little Women, provavelmente, até pela forma como ele é conduzido, por encomenda da editora que está relançando o livro mais importante de Louisa May Alcott.  Sim, ano que vem teremos uma nova adaptação para o cinema, dentro das comemorações dos 150 anos de lançamento do livro, que é um dos mais importantes da literatura norte americana do século XIX e um marco quando a gente pensa em livros sobre meninas e protagonizados por meninas e escritos por uma mulher.  E, outro detalhe importante, Alcott foi, talvez, a primeira mulher a ficar rica graças aos livros que escrevia.  O vídeo comenta sobre isso em dado momento.  Assistam.  Eu recomendo muito mesmo.  Vou fazer algumas ponderações, mas nada que tire os méritos do vídeo, afinal, o estou recomendando, mas que vejo como importantes.

Nova edição brasileira.

Logo no começo do vídeo, há a discussão sobre o título.  "Mulherzinha" em português do Brasil, não sei mesmo como é em Portugal, tem caráter pejorativo.  Mulher é menos que homem.  Mulher é quem tem atividade sexual.  Coisa de "mulherzinha" é coisa ruim, de menor valor.  Uma "mulherzinha" é uma mulher qualquer, sem importância.  Chamar um garoto de "mulherzinha" é colocar em questão sua masculinidade.  No Brasil, a gente usa "mocinha" para a menina que está crescendo e sendo enquadrada nos papéis de gênero.  No inglês, não há conotação negativa alguma em usar "little women" para meninas em crescimento, da mesma forma que usar "little men" para os meninos.  Aliás, Alcott tem um livro posterior chamado Little Men.

Não sei de quem foi a ideia de colocar Mulherzinhas como título, durante muito tempo Little Women era publicado em nosso país com o título de "As Filhas do Dr. March", curiosamente, dava protagonismo ao pai, quando deveria ser da mãe.   O vídeo não aponta esse detalhe, acredito que a Isabella não sabia disso.  Mesmo os filmes, antes do de 1994, também tinham esse título. Esse título Mulherzinhas só passou a ser usado aqui recentemente. Eu tenho inclusive uma edição com o título de Adoráveis Mulheres lançado pela Ediouro na época do filme de 1994.  Segue o vídeo do Ler Antes de Morrer:


Agora, vou fazer algumas observações de fã e historiadora que não ficaram claras no vídeo.  A família March tinha sido rica. Isso está no livro e é importante para entender a personalidade de duas das meninas, pelo menos. Meg lembrava bem, como mais velha, de como ter dinheiro.  Ela lamenta ter que trabalhar como babá/governanta.  A ideologia do trabalho é importante para os protestantes de raiz calvinista, mas havia as questões de classe, também, e Meg se sentia humilhada por não poder viver como as moças de sua idade, sem grandes preocupações e sem ter as mãos calejadas pelo trabalho pesado.  Já a caçula, Amy, lamentava não ter visto essa riqueza.  Há todas as lições de moral sobre o valor do trabalho?  Sim.  A mãe é a porta voz dessas mensagens, mas não pensem que era considerado apropriado que uma moça de boa família trabalhasse fora de casa, o que é diferente de fazer caridade.  As March só trabalham, porque são obrigadas a isso.  Elas precisam comer.

E a família era humilhada pela tia rica, que não é citada no vídeo, porque o pai era um inconsequente cabeça de vento que condenou as filhas à miséria (*para os padrões dela, claro*).  Mas veja só, o pai da autora faliu, porque montou uma escola alternativa que aceitava crianças negras.  Não havia escravidão no Norte dos EUA, a Guerra de Secessão é um dos panos de fundo do livro, mas havia racismo.  O pai era um cabeça de vento, na medida que ele era progressista demais para sua época.  Em Little Men, outro livro da autora, Jo e o marido montam o mesmo tipo de escola alternativa, misturando crianças ricas e pobres, brancas e não-brancas, e dá certo.


Tenho muito carinho pelo filme de 1949,
foi o primeiro que assisti.
Essa austeridade toda das March no livro tem a ver não só com um caráter protestante geral, afinal, nem todos os protestantes abominavam o luxo, mas a família de Alcott era Quaker e, detalhe, há quem defenda que o movimento de direitos das mulheres começou com as quakers nos Estados Unidos.  A mãe de Alcott fazia parte dos movimentos de temperança, que eram contra as bebidas alcoólicas e defendia o direito de voto das mulheres.  Sim, a família estava metida no turbilhão de demandas das mulheres, defendia o que achava justo dentro dos princípios da moral e bons costumes.  

Aliás, exatamente por isso, eu não consigo gostar tanto do filme de 1994, porque ele estica demais a corda do proto-feminismo do livro e coloca o Prof. Bhaer oferecendo bebida alcoólica para Jo, quando ele era a personificação da virtude e da moderação.  Já na última versão da BBC, Laurie oferece álcool para uma Jo adolescente e ela aceita.  Outra vez, um desvio bem grande do original.


Meu primeiro contato com Little Women foi
através de uma episódio de Super Aventuras,
mas o livro virou uma série longa. 
Essa foto é da adaptação mais famosa.
As reflexões do vídeo sobre a heroína sem par romântico foram espetaculares e no ponto.  Assistam, não vou me estender aqui, afinal, está lá.  Também não tinha a informação de que Little Women era um dos livros favoritos de Simone de Beauvoir e Ursula Le Guin.  Procurei no Google e achei tanta coisa (*vou traduzir um artigo até*), inclusive uma fala da Beauvoir: “Ler este romance me deu uma sensação exaltada de mim mesma. Isso me ajudou a me identificar com aquela jovem e a encontrar conforto em mim mesma quando li o livro. Senti tanta identificação com a Jo que fui capaz de dizer a mim mesma que eu também era como ela e, portanto, não importava se a sociedade era cruel, porque eu também seria superior e encontraria meu lugar. ”  

Lindo, não é?  Eu entendo bem, porque Jo foi uma das minhas personagens favoritas da infância e adolescência, desde que assisti ao filme de 1949.  O livro só li adolescente mesmo.  Quero um dia apresentar a Jo para a Júlia, minha filha, pena que não tenha grandes esperanças de que o filme será bom o suficiente para isso.  E, se você não assistiu ao trailer do novo filme, ele está aí embaixo:

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