sábado, 24 de outubro de 2020

Comentando Um Namorado Para Minha Mulher (Brasil/2016): Se o filme é ruim, a culpa não foi da Sessão da Tarde

Anteontem, comentei no Facebook que, depois de muitos anos, tinha assistido um filme na Sessão da Tarde e o que a experiência tinha sido ruim.  Alguém debochou, insinuando que era o esperado da Sessão da Tarde.  Não sei qual a experiência de vocês, mas a Sessão da Tarde foi fundamental na minha vida durante muito tempo e já me ofereceu muitos filmes interessantes, divertidos, tocantes e mesmo impróprios para o horário, porque eu vivi o momento do fim da lei de censura e o oba-oba que se seguiu.  Meu primeiro contato com adaptações de clássicos da literatura para o cinema (David Copperfield, Os Três Mosqueteiros, Jane Eyre etc.), os filmes do John Hughes, aventuras juvenis como o Enigma da Pirâmide, grandes dramas (Conte Comigo, Melodia Interrompida, Abençoai as Feras e as Crianças) foi na Sessão da Tarde.  Então, eu realmente não faço pouco caso dessa sessão de cinema da TV aberta e só lamento que sua experiência tenha sido tão ruim assim.    

Enfim, anteontem fiquei na sala, assisti ao telejornal e acabei emendando com a Sessão da Tarde.  Motivo?  Era um filme nacional com a Ingrid Guimarães e o Domingos Montagner.  Como não tinha assistido Um Namorado Para Minha Mulher no cinema, achei que valia a pena dar uma olhada.  O filme, que não é uma comédia rasgada, vai simpático e meio óbvio até ter uma espécie de virada surpreendente quase no fim.  Só que a virada serve para coisa nenhuma e o filme termina de uma forma muito sem graça.  Eu realmente me surpreendi, inclusive com a capacidade de tornar o filme mais interessante no seu final.  Se preocupam com spoilers?  Eu posso jogá-los para depois do trailer.  Vamos ao resumo do filme.

Chico (Caco Ciocler) está cansado do relacionamento e das reclamações da mulher, Nena (Ingrid Guimarães). Depois de passarem 15 anos juntos, ele não tem coragem de pedir o divórcio. Decide seguir os conselhos dos amigos do futebol e contratar um amante para a esposa, a mulherengo Corvo (Domingos Montagner), na esperança de que ela se envolva com ele e acabe ela mesma com o casamento.

A abertura do filme de Julia Rezende é bem simpática.  O casal no parque, se divertindo, ouvindo música em uma grande sintonia.  "Legal.", pensei comigo, "Se eles se dão tão bem, como vão se separar?".  Daí, pulamos para o dia-a-dia do casal.  Nena não tem um emprego, inferniza o marido que é dono de uma loja de antiguidades, odeia os amigos dele e suas respectivas esposas.  O sujeito, que é muito bundão, decide, ou é convencido pelos amigos, de que seu casamento acabou e que ele precisa somente pedir o divórcio.  Ele não tem coragem e o treinador do time de futebol amador do qual participa, Lobo (Antônio Petrin), lhe oferece uma sugestão, conhece um sujeito, um profissional, especializado em destruir casamentos.

Chico aceita a sugestão e, como dinheiro não parece ser o problema, apesar de morar em uma casa que não é nenhuma mansão de novela da Globo e dirigir um carro modesto, contrata o cara e arca com todas as despesas dele no processo de conquista de Nena.  Corvo quer saber mais sobre Nena.  "Ela tem que sair todos os dias para que eu possa encontrá-la na rua.".  De novo, como dinheiro não é um problema, Chico conversa com um amigo, que tem uma pequena produtora de vídeos e um programa de Youtube, ou algo do gênero, Gastão (Paulo Vilhena), e pede que ele empregue Nena.  O salário será pago por Chico.  Nena, que é jornalista, não se empolga com a proposta, mas aceita.  

O primeiro contato com Gastão é péssimo, mas o jeito ácido e mal humorado de Nena termina sendo um sucesso com a audiência.  Enquanto isso, Nena acaba esbarrando repetidamente com Corvo, ele almoça com ela, passeia com ela, a leva para um circo (*Montagner era artista de circo, também*).  Nena fica mais alegre, menos rabugenta, mais bonita, enfim, agora, ela tem uma vida que é dela.  Não há mudança de personalidade, mas de atitude diante do mundo e isso é bem legal.  Como os artistas são ótimos, o filme mais ou menos estava agradável e, claro, temos o óbvio, o marido descobre que ainda ama a esposa e Corvo, o profissional, percebe que está apaixonado por Nena.

A partir daí, os amigos de Chico, que passaram a assistir o programa de Nena, querem impedir que ele desista do divórcio.  Afinal, ele não ama mais a esposa.  Chico passa a seguir Nena e Corvo.  Já o profissional, em outro desdobramento clichê, desiste do trabalho, entrega as notas do que gastou com Nena, e diz que vai tomá-la de Chico, vai conquistar Nena.  E o que acontece?  Nena descobre, óbvio, mas ela revela para o marido, com quem estava se relacionamento muito melhor, que está apaixonada por Gastão. Não vou comentar aqui como o filme termina, mas, enfim, a partir daí, o filme meio que foi erodido, não é nem uma questão de escolher o caminho fácil, é o percurso mesmo.  

Falando das questões de gênero no filme, Nena é extremamente crítica em relação aos papéis impostos às mulheres.  Ela não poupa ninguém no programa que apresenta com Gastão e isso faz com que ela ganhe fãs.  Há discussões sobre a questão da idade e como as pessoas julgam diferentemente homens e mulheres.  Gastão diz que uma mulher 40 anos não podem se vestir como se tivessem 20 e Nena descasca o sujeito no ar, porque ele se veste como se fosse um adolescente.  Em outra cena, Nena comenta que as meninas de 20 anos devem ter algum problema para se envolverem com sujeitos que poderiam ser e parecem ser seus pais.  Ela estava olhando um dos amigos do marido e a atual esposa, Mariana (Letícia Colin).  Nena deixa de ser amarga, mas não perde seu senso crítico.

O filme cumpre a Bechdel Rule, porque temos algumas mulheres com nome, elas conversam sobre temas que não necessariamente são os homens de sua vida, ainda que possam ser colocados no campo das "futilidades" femininas como horóscopo, moda e alimentação saudável.  Nena tem uma melhor amiga vegana  (Miá Mello) que tem uma banca em uma feira de produtos naturais, então, é com ela que a protagonista conversa e se abre.  Eu gosto da dinâmica das duas no filme, porque me lembrou a relação que eu tenho com as minhas melhores amigas.

Terminando, Um Namorado Para Minha Mulher não é um filme feminista, mas não diria que é machista, também.  Ele só é meio bobo, superficial e descolado da realidade, elitista mesmo, mostra uma classe média branca de novela do Manoel Carlos que só se torna palatável pra mim por causa de Ingrid Guimarães.  Poderia não terminar como eu imaginava, eu acreditei que teríamos um confronto entre os machos interessados por Nena, mas deveria ter terminado de forma menos morna.  E, não, o problema do filme não é ter sido exibido na TV aberta, porque ele pode estar no catálogo de qualquer streaming desse da vida e eu não sei, mas de ter um desfecho que me desagradou tanto.

Se você está aqui, não se importa com spoilers.  Enfim, o que me desagradou no final foi que Nena ficou com o marido.  Veja, ela poderia até se reconciliar com ele, mas foi de uma forma tão fácil, grande sem esforço da parte do sujeito depois de tudo o que aprontou.  Ficou parecendo que Nena redescobriu que sentia tesão por Chico e que pouco importava a canalhice que ele fez com ela.  E mais, apesar de se dizer apaixonada por Gastão, ele e Nena são somente parceiros de trabalho e o rapaz parece que nem foi comunicado do interesse da colega.  

Já Corvo, termina chorando por Nena, mas o roteiro sequer o coloca conversando com ela sobre seus sentimentos, tentando se desculpar, enfim.  Ele chega a confrontar Chico, mas é algo sem nenhuma função real na história salvo se virmos o filme como centrado no marido, que, venhamos e convenhamos, é uma personagem muito pouco interessante mesmo.  E não é culpa de Caco Ciocler, que é um grande ator, mas a personagem é ruim, ele faz um garoto grande que não cresceu e é incapaz de se posicionar diante da esposa e dos amigos.

E fica parecendo no final que a sequência original com o casal tão apaixonado estava fora de ordem, o que não é um problema, e que deveria se localizar temporalmente depois da reconciliação.  E é uma sequência legal e com uma boa trilha sonora.  O que não é legal é ver um sujeito banana fazer o que fez com a esposa e ser perdoado em um passe de mágica.  Não pode.  Uma comédia romântica decente pede um pouquinho mais que isso. 

1 pessoas comentaram:

Resumiu meus sentimentos em relação a esse filme!

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