quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Comentando Me Casei com uma Colega para calar meus pais: um mangá bem arrumadinho, mas que poderia ser mais longo

Recebi ontem o meu volume da edição da Newpop do mangá Me Casei com uma Colega para calar meus pais (Oya ga Urusai node Kouhai (♀) to Gisou Kekkon Shitemita。/親がうるさいので後輩(♀)と偽装結婚してみた。) de Naoko Kodama.  Eu realmente não me recordo de haver lido nada da autora antes e até havia esquecido, no meio de tantos mangás e tanta coisa na minha vida, do lançamento do volume.   Enfim, só que os comentários dos Lacradores Desintoxicados me fizeram lembrar deste lançamento e confirmar que, sim, deveria ler.  Encomendei no Amazon e chegou rapidinho.  Sim, normalmente, eu não recebo material das editoras, eu compro o que me interessa, eu leio na velocidade que eu consigo e resenho, quando tenho a oportunidade.  (*O Shoujo Café é trabalho de uma pessoa só e que tem emprego fixo, filha, gatos, cachorro e marido.  Por isso, tem que ser agradável para mim, em primeiro lugar.*) 

A história desse volume único é o seguinte, Machi Morimoto é uma jovem mulher perto dos 30 anos, sempre foi uma aluna exemplar, trabalha em uma empresa com grande importância na sua área, mas é pressionada pelo pai e pela mãe que consideram uma vergonha que ela ainda esteja solteira.  O pai e a mãe de Machi sempre se meteram na sua vida e ela cresceu reprimida e temendo decepcioná-los.  Percebendo que Machi está em um beco sem saída, uma antiga colega de faculdade (ou colégio), Hana Agaya, se propõe a se casar com Machi para impedir que seus pais continuem a pressioná-la.  Machi se assusta, mas Hana avisa que alguns distritos e cidades japonesas aprovaram a união civil entre pessoas do mesmo sexo, basta ser residir naquela localidade.

Depois do susto inicial, Machi aceita, apesar de estabelecer que não tem interesse por mulheres.  Aliás, Hana já tinha se declarado para ela nos tempos de colégio e sido rejeitada.  Muito bem, o estratagema funciona e deixa os pais da protagonista furiosos.  Com a convivência, porém, Machi vai compreendendo que sua vida melhorou muito e sentindo cada vez mais carinho e respeito por Hana.  á a colega, conforme observa a mudança em Machi, fica insegura e se perguntando se Machi estaria apaixonada por alguém, por um homem.  Enfim, de forma sensível e com algum humor, Naoko Kodama nos guia pelo cotidiano de duas jovens mulheres, o companheirismo e o sentimento que nasce entre elas.

Me Casei com uma Colega é um mangá yuri, isto é, que retrata relações afetivas e/ou sexuais entre mulheres.  Curtinho e bem direto, o mangá consegue desenvolver bem os dramas de Machi, sua personalidade e assujeitamentos.  Por isso mesmo, é fácil perceber as sutis mudanças ocorridas em sua vida, como ela vai se tornando mais empática e corajosa.  Uma das questões melhor trabalhadas pela autora é a relação da protagonista com a mãe.  Aliás, a própria mãe de Machi é prisioneira de papéis de gênero hegemônicos da sociedade japonesa, servindo como capataz do marido em relação à filha.  Se Machi fracassasse, como o pai deixa claro, a culpa seria de sua esposa, que não foi boa mãe o suficiente.  Mais tarde, a mãe tenta demover Machi de seu "casamento" com Hana, porque, mais uma vez, se a filha não atendesse às altas expectativas de seu marido, a errada seria ela.

Apesar das poucas páginas do mangá, a autora ainda consegue fazer uma discussão sobre os preconceitos sofridos pelas mulheres no ambiente de trabalho no Japão.  Machi é uma excelente funcionária e seu chefe reconhece isso, mas é preterida em um projeto (*que ela realmente queria, mas não conseguia externar*) por ser mulher e a empresa não poder correr o risco de entregar uma função realmente importante para alguém que pode casar e largar o emprego, ou engravidar.

Com o tempo, a relação entre Machi e Hana, que continua apaixonada por ela, vai ganhando outros contornos.  A autora consegue mostrar bem a frustração de Hana, que ama, externa isso, mas acredita que não há esperança, afinal, Machi é hetero.  Dada a personalidade de Machi, a forma como policia seus sentimentos e comportamentos, fica difícil saber se ela tem alguma experiência amorosa.  Ela se acredita hetero, é verdade, e ao se descobrir encantada por Hana, ela não sabe muito bem como expressar o que sente.  De qualquer forma, o B de LGBTQUIA+ não ´de biscoito, nem de bolacha.

Se Machi tem um emprego em uma firma classe A, Hana é uma ilustradora freelancer.  Aliás, ela promete que morará com Machi somente o tempo suficiente para poder alugar um apartamento.  Dentro da relação estabelecida entre elas, Machi é a provedora, enquanto Hana proporciona um ambiente aconchegante para ambas.  Quando Hana consegue um trabalho, na verdade, mais de um, ela começa a ganhar o suficiente para ajudar em casa e as duas reorganizam as tarefas domésticas.  Esse processo termina mostrando o quanto as duas mulheres estão desenvolvendo uma parceria que aponta para uma estabilidade que somente um casal de verdade poderia ter.

O que eu senti falta na história, e não vou dar mais detalhes, é de um aprofundamento maior de Hana.  Queria saber sobre seu passado, sobre como ela conseguiu compreender e assumir a sua sexualidade de forma tão natural e bem humorada.  O que sabemos é que ela conseguiu lidar com a questão muito cedo, porque se declarou para Machi ainda na faculdade.  E há um detalhe, o título nacional coloca "colega", mas no original é kouhai (後輩), ou seja, Hana era de uma turma posterior à de Machi, talvez, mais jovem que ela. Ao concluir a leitura, fiquei imaginando que algumas páginas a mais, talvez as que foram usadas para a historinha curta que vem no final, poderiam ajudar a nos apresentar melhor a personalidade de Hana.  No final das contas, o mangá é sobre Machi, seu crescimento pessoal, sua libertação e, não, sobre Hana.

Concluindo, a série, que saiu na Comic Yuri Hime, a principal revista yuri do Japão.  Yuri não é uma demografia, são pouquíssimas revistas, a maioria de curta duração, e há mangás do gênero em revistas de várias demografias, shoujo, josei, shounen e seinen. O yuri nasceu dentro do shoujo, mas a maioria do material do gênero hoje, não é shoujo. No caso da Comic Yuri Hime, ela abriga mangás de vários tipos, mas com o foco nas relações entre meninas e mulheres. 

Me Casei com uma Colega não tem sexo, só algumas piadinhas provocantes, já que Hana não esconde muito o desejo que tem por Machi, mas o fanservice é mínimo, também.  No final do volume, a autora até brinca perguntando se os seus fãs a preferem assim, mais contida, ou suas histórias mais apimentadas (*que ela mesma diz preferir.*).  O traço da autora é bonito e fluído, ainda que não seja exuberante.  E, o mais importante, as moças terminam juntas e felizes.  Gosto de tragédia e drama, mas, às vezes, queremos ler alguma coisa que aqueça o coração.  Enfim, é isso, foi um bom mangá e a Newpop irá lançar outro mangá da autora, o que fará muito bem ao nosso mercado de mangá.

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