Na quarta-feira, as apresentadoras Gabriela Prioli e Astrid Fontenelle discutiram, se é que se pode chamar de discussão, sobre as tradições das festas juninas. Astrid comentou o seguinte: "Vou para o São João para dançar um forró, comer o amendoim cozido. Cheguei lá e era uma festa de axé. Não dá! Eu acho que não dá pelo Brasil, não pelo meu gosto. É uma festa de São João!". A partir disso, a Gabriela Prioli começou a questionar que as festas são dinâmicas, mudam ao longo da história e outras coisas mais. Pareceu antipático e foi, mas acredito que o desdobramento, a discussão na internet, os vários vídeos de canais progressistas sobre o tema, só pioraram a coisa toda, por isso mesmo, vou dar meus dois centavos sobre esse rolo.
Primeira coisa, não me surpreendi com gente de esquerda fazendo piadas de loira, que se não virou sinônimo de gente sem noção, deve ter a velha conotação machista de burrice. Aconteceu no Meteoro Brasil, e feita por mulheres, e nos Galãs Feios. Podem discordar da Prioli, mas burra, ela não é, nem o são o coletivo das loiras. Também não vou discutir o ridículo e a ignorância de dizer que só existe festa de São João fora do Nordeste (*esse blocão homogêneo, tal e qual a África no senso comum*) em colégio e que quem é do Sudeste ou Centro Oeste, ou Sul (*percebem que o Norte não existe?*) não tem o direito de dar pitaco, começa com a Prioli e resvala em todo mundo. É mais um uso esquisito do conceito de lugar de fala.
Enfim, não sei de onde saiu essa história de que São João só existe no Nordeste, o que temos em algumas cidades nordestinas, como Caruaru, Campina Grande, são cidades inteiras que vivem da festa, esse período alimenta famílias, artistas durante o ano inteiro, é como em Parintins a festa do Boi. É quando se faz dinheiro, é quando a cidade enche, acabar com o São João vai trazer fome, é mais que tradição, ainda que elas existam, ainda que novas gerações de artistas precisem ser formados, é negócio também. Como o Jones Manoel bem apontou no início do seu vídeo sobre o causo, e eu recomendo que todo mundo ouça essa parte, trata-se, também, da festa mais capilarizada na REGIÃO nordeste, é o ganha pão de muita gente e mantém vivas certas tradições regionais.
Agora, a Astrid falou em Axé (*apesar de muita gente estar ouvindo sertanejo no lugar*) e faz mais de 15 anos que vejo matérias reclamando que os ritmos baianos vem engolindo o carnaval de Pernambuco e outras regiões. Que vão proibir Axé para salvar o Frevo. Aqui, uma notícia de 2016. Agora, ao que parece, o Axé está canibalizando as festas juninas. Há vários interesses envolvidos aí, dinheiro grosso, verbas públicas, e acho uma graça quem esta vendo somente pelo viés da tradição e virou, de repente, defensor de uma "cultura nordestina" única e que deveria estar congelada no tempo. Du-vi-do que a festa de Campina Grande de quarenta anos atrás é a mesma de 10 anos atrás, ou de 2023.
Falando ainda em festa junina, a horrível da escola da minha filha foi do lado do SESI, tradicional no bairro onde vim morar. Só parecia estar tocando aquelas músicas tradicionais de festa junina que uma velha como eu sabe de cor. E isso, em Brasília. Meu cunhado viu as fotos da Júlia e disse que não era "festa caipira", este termo era muito comum no Rio e a imagem do caipira que povoa nosso imaginário vem do Jeca Tatu de Monteiro Lobato ou do Chico Bento de Maurício de Sousa, personagens que parecem habitar o Vale do Paraíba, ou outros interiores de São Paulo e/ou Minas Gerais. Não há mais festa caipira, eu diria e faz muito tempo. As fantasias tendem a ser luxuosas, sem os remendos, o chapéu de palha, lembram, no caso dos meninos, ou da minha menina, os cowboys norte-americanos, ou os agro boys, ou ainda os peões de novelas como Pantanal. Muita coisa mudou e não foi de agora.
Minha cidade natal é São João de Meriti (RJ), o santo da festa. Logo, tinha festa de São João desde pelo menos a fundação da cidade, 1947. E, na Baixada Fluminense, costumava ter festa junina até quase agosto com quadrilhas que 30 anos atrás já pareciam escolas de samba e encontrei matéria sobre o maior campeonato de quadrilhas do estado. Tive um colega de escola que pegou emprestado uma vez meu caderno de desenho, eu desenhava umas roupas cafonas elaboradíssimas, porque ele organizava uma quadrilha que competia nessas festas. Fiquei com medo dele não devolver, mas meu caderno voltou são e salvo e, um dia, vi um pessoal com umas roupas passando na rua que me pareciam familiares, era a quadrilha dele.
Quanto às festas "Sem João", ou do Milho, que os evangélicos estão fazendo e muita gente só descobriu agora, isso tem pelo menos uns 15 anos. É mais um daqueles processos típicos do cristianismo (*e falo como medievalista aposentada*). Era comum destruir locais de culto pagão (*templos, árvores, fontes etc.*), eles eram dessacralizados, demonizados. Mais tarde, se construía uma capela no mesmo lugar. As pessoas já estavam acostumadas e continuavam frequentando, mas, agora, ao invés de em honra de um deus, ou deusa, era para celebrar a Virgem Maria, ou algum santo e santa. As próprias festas juninas têm uma origem pagã em ritos de fertilidade e celebração da colheita e chegaram até nós cristianizadas pelos colonizadores portugueses.
E essa origem pagã era amplamente divulgada nas igrejas evangélicas quando eu era criança e adolescente, era uma forma de reforçar que os que eram cristãos de verdade deveriam se manter distantes dessas festividades idólatras. Mas a lógica desde quase as origens cristãs era dessacralizar para ressacralizar e se apropriar sempre que possível. É o que está ocorrendo com as tais "festas do milho" ou "Arraiá sem João". E, vejam, é possível fazer praticamente as mesmas coisas que nas festas do mundo, mas sem culpa, embora não sem escândalo, porque quando essa moda de "festa junina" crente começou no Rio de Janeiro, lembro de minha mãe reclamando horrores, minha avó, idem. Eu nunca coloquei meus pés em nenhuma dessas festas.
Tem muito mais que tradição e mercado nessa discussão toda, muito, mas muito mais. Há desconhecimento do que move esses eventos, da importância para a população das cidades envolvidas, a paixão que também conta nessas competições de quadrilhas e músicas tradicionais, há o preconceito contra a Região Nordeste, agora, com um aparente viés positivo e, claro, há a aversão contra a Gabriela Prioli que assume viés machista mesmo na boca de muita gente de esquerda.
3 pessoas comentaram:
Valéria, vc vai ver Elementos? se a Julia ainda não viu Up! Altas aventuras, antes do filme passa um curta de Up! seria legal ela ver para ligar os personagens, achei o curta mais divertido que o filme
Eu quero assistir. A Júlia vai viajar de férias, então, se eu for ao cinema, será sozinha, ou espero entrar no Disney+.
Sinceramente... acho absurdo rolar axé... sertanejo e outros sons que nada tem a ver com forró!
Ah.. nos anos 80... Chiclete com Banana, nome histórico do Axé, fez álbum de forró...bem sucedido! Tem artistas que sabem ser "camaleões"... transitar de um estilo pra outro....
https://youtu.be/VPffnbfldo0
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