Não queria voltar a falar do live action da Pequena Sereia depois de escrever minha resenha, mas vejo uma campanha tão descarada contra o filme que me senti obrigada a escrever mais alguma coisa. O filme da Pequena Sereia teve sua estreia mundial na semana passada. Em seu primeiro final de semana conseguiu nos Estados Unidos e no resto do mundo faturar U$217.544.240 sendo que 63,7% da bilheteria veio dos Estados Unidos, isto é, U$157.407.067. O que surpreendeu foi essa fatia tão grande vir do mercado doméstico, mas o fato é que A Pequena Sereia só perdeu para o live action do Rei Leão na sua estreia, pois o filme do Simba conseguiu faturar U$191.770.759.
Perder para O Rei Leão, que é derivado de um dos desenhos animados mais amados do estúdio, não é vergonha e é algo esperado. Vamos supor que uma família bem padrãozinho, mas que costuma ir ao cinema, tenha dois filhos do sexo masculino. Eles irão levar os garotos para assistir O Rei Leão, mas dificilmente os levariam para A Pequena Sereia. E se uma família no mesmo modelo tiver duas filhas? Provavelmente, levariam para ambos os filmes. O Rei Leão é um produto de apelo para todos os públicos, enquanto A Pequena Sereia precisa lidar com o estigma de ser "coisa de menina". Mesmo sendo um sucesso, menos gente irá assistir nos cinemas, portanto.
Fora isso, há de se pensar que os hábitos mudaram com a pandemia. Menos pessoas têm ido aos cinemas, seja porque há a certeza de que poderão assistir em suas casas e a sala de exibição é um lugar de possível contágio, ou porque as entradas são muito caras para a maioria da população. Muita gente perdeu os empregos, a renda caiu e, não raro, você vai ao cinema com alguém, neste caso, provavelmente, crianças. Então, são várias entradas e não deve parar por aí, há lanche, pipoca... É preciso escolher bem qual filme assistir e esta semana entra Homem-Aranha: Através do Aranhaverso. Tal e qual com o Rei Leão, o filme do Homem Aranha é uma produção para todos os públicos, com muito apelo inclusive para os adultos, enquanto filme de princesa pode não ser visto da mesma forma. Se eu precisasse escolher entre Aranhaverso e A Pequena Sereia por questões de dinheiro, não tenha dúvidas que iria assistir ao filme do herói da Marvel.
Vi mais de uma manchete de portal brasileiro dizendo que A Pequena Sereia fracassou nas bilheterias, que foi uma verdadeira decepção. Verdade que a Disney esperava mais, mas as empresas capitalistas sempre querem o máximo de lucro, então, essa decepção é sempre esperada, a não ser que aconteça um daqueles sucessos de pura sorte. Enfim, uma dessas matérias dizia que Velozes & Furiosos 10 atropelou A Pequena Sereia. Fui checar as bilheterias.
Velozes & Furiosos, que é um fenômeno no Brasil, foi o primeiro colocado na sua semana de estreia, mas perdeu para A Pequena Sereia quando o filme da Disney entrou em cartaz, fora, claro, que são filmes para públicos distintos (*não é produto infantil, tem menos apelo para o público feminino em geral*) e o filme dos carrinhos tem um fandom muito grande no Brasil, este último, inclusive, tem a participação da cantora brasileira Ludmilla. Um chamado a mais para o filme, concordam? Por qual motivo, então, alardear o fracasso inexistente?
No Brasil, parece que o ódio propagado pelo esgoto da internet contra A Pequena Sereia contaminou os grandes portais e críticos de cinema. Mesmo analistas vistos como sérios parecem particularmente sem paciência para analisar o filme e ver que ele é um mais do mesmo bem arrumadinho dentro das adaptações do estúdio e não um material ruim. Parece haver uma torcida pelo fracasso do filme que só pode ser creditado a um racismo mal disfarçado, a Ariel negra parece estar no centro de um boicote, ainda que ele pareça muito maior nos discursos do que na prática, vide as bilheterias.
Meu impulso para escrever este texto veio de um a matéria no UOL (A Pequena Sereia: Explicamos o final do remake em live-action da Disney), na qual li uns comentários realmente ensandecidos e que, curiosamente, não estão mais lá. Só explicando, e não considero um spoiler, afinal, é coisa com mais de trinta anos, na animação original, o filme termina com o casamento de Eric e Ariel e a ideia do "e viveram felizes para sempre" com a sereiazinha abrindo mão de sua identidade, família, raízes, como normalmente era exigido das princesas de contos de fada e da vida real. Este desfecho tradicional era absolutamente diferente do original de Hans Christian Andersen, que terminava com a morte da heroína, cruelmente abandonada por seu príncipe que nunca fizera caso de seus sentimentos, mas não lembro de grandes escândalos sobre isso.
Neste live action, Eric e Ariel se casam, fica evidente isso, mas não há o foco na cerimônia, no vestido de noiva branco, mas na aceitação do pai da sereia de que deveria aceitar a escolha da filha, na certeza de que a educou bem, e ver os humanos com outros olhos. E, sim, houve também a aceitação da mãe de Eric, uma invenção infeliz do live action, de que não poderia manter o rapaz preso na barra de sua saia. Assim, Ariel e Eric, casados, partem em uma viagem pelo mundo que ambos querem tanto conhecer. É só isso. A mudança não rompe com a heteronormatividade e ainda temos um reforço de que Ariel sempre terá sua família, caso precise ela. Não é isso que toda jovem precisa? Uma família que a apoie em suas decisões e com quem possa contar em momentos difíceis. É um final muito digno.
Os comentários desaparecidos da matéria, mas que tem similares em outros lugares, como o Twitter, ressaltavam que o filme estava sendo orientado pela cultura woke (*acordar, despertar, que é consciente sobre temas sociais e políticos*) e acusando a Disney de divulgar uma agenda que ofende os valores conservadores em A Pequena Sereia. "Agora, o príncipe não pode mais salvar a princesa?", perguntava uma mulher, a mesma que citou a tal cultura woke. Sim, o príncipe não salva Ariel, eles trabalham juntos para vencer a vilã e ficou muito bom. O problema é que essa turma que defende os tais "valores tradicionais", mesmo quando não segue o que prega, se indigna com qualquer coisa que possa sair da norma idealizada por eles para os papéis sociais atribuídos a homens e mulheres.
"Se fosse um casamento gay, eles colocariam!". Quantos casamentos LGBTQIA+ a Disney colocou em suas produções? Em suas animações de ponta pode acontecer deles colocarem um casal homoafetivo em rápidas cenas, que podem ser facilmente eliminadas caso necessário. Normalmente, são pares maduros e já assentados. Onde esse pessoal vê tantos casais gays em material infanto-juvenil? Qual grande produção (*não vale nada menor ou obscuro, isso, se houver*) da Disney mostrou romances adolescentes entre pessoas do mesmo sexo? E, claro, alguns comentários apontavam os prejuízos consecutivos da Disney, sem considerar outros fatores e, claro, chamando A Pequena Sereia de fracasso colossal.
Fosse somente esses doidinhos de internet, que até podem ser muito virulentos e agirem no mundo real, também, vide certos responsáveis que ficam indo encher o saco nas escolas querendo censurar os currículos, seria algo menor. Nada me garante que quem faz escândalo na internet frequente os cinemas com regularidade, tenha crianças e por aí vai. O problema maior é ver críticos desancando o live action a partir de critérios que são totalmente subjetivos, como são os meus boa parte do tempo. Houve um que fez uma lista de dez adaptações de animação para live action (*colocano até coisas que eram quadrinho e, não, animação nas suas origens*) melhores que A Pequena Sereia e incluindo Mestres do Universo, a péssima versão de He-Man com atores de verdade feita em 1987. Como alguém faz isso?
A graça é que o mesmo crítico, fez um primeiro texto reclamando que A Pequena Sereia era muito conservador, que deveriam ter inovado como em Mulan e Cruella e propunha até a eliminação do príncipe. Imaginem a gritaria? Eu não me interessei por Cruella e nunca resenhei Mulan live action, porque não consegui passar dos 15 minutos iniciais. Podem acreditar, sou mais conservadora do que muitos desses sujeitos, mesmo que por caminhos diferentes. E procurem os textos dele e vocês acham fácil. Há outro em que ele diz que Cavaleiros do Zodíaco, o live action, só foi feito por causa dos brasileiros, que Saint Seya só é lembrado no Brasil. Esse é uma delícia em particular.
Concluindo, porque está ficando grande e tenho que resenhar Aranhaverso e sei que ainda escreverei outro post sobre A Pequena Sereia, raramente vi um ódio tão grande a um filme infanto-juvenil. É triste ver esse cenário de reacionarismo (*princesas precisam ser salvas, quero o "e viveram felizes para sempre"*) e de lgbtfobia (*em um filme sem qualquer diversidade neste aspecto*) se espraia sem freios pela internet, ao mesmo tempo que o racismo mal ou bem disfarçado norteia algumas análises do filme. Será que se Ariel fosse branca e ruiva o ódio seria menor? Aposto que seria. Fora que é mais fácil atacar um produto visto como feminino do que um para um público mais amplo, como se isso não pudesse impactar bilheterias, ainda mais, em tempos pós-pandêmicos.
10 pessoas comentaram:
Infelizmente, em bilheteria internacional, o fracasso é enorme. Fora do círculo doméstico, o filme si está indo bem no Brasil e México, os outros mercados o ignoraram. Culpa da Disney que canibalizou o filme, o colocando para competir com os outros filmes dela mesma
Quais filmes dela mesma? O Aranhaverso é da Sony. Agora, fato é que o mês de junho será disputado, há várias animações por estrear, filmes, a rigor, para o mesmo público. E os dados de bilheteria que temos são da primeira semana e, como os links do Mojo atestam, não há indício de tragédia. O mercado que deu menos retorno foi o chinês e, sim, os estúdios norte-americanos querem ter retorno na China por motivos óbvios.
O filme do indiana Jones e Elementos.
E o saldo está extremamente ruim. O filme teve orçamento de 250 milhões mais marketing de 150 milhões (80 milhões só nos EUA) segundo a Deadline e Variety. Teríamos que olhar para algo em torno de 660 milhões e 720 milhões para começar a se pagar. O filme só se paga com o argumento The Rock.
Aladin faturou na primeira semana na coréia do sul 91 milhões de dólares e a pequena sereia faturou ali 3 milhões de dólares, a Ásia inteira está ignorando!
Indiana Jones não é para o mesmo publico. O último Indiana Jones que assisti foi o terceiro e minha menina não sabe nem quem é. Indiana Jones não tira público de Pequena Sereia. Elementos ainda não estreou, mas pode atrapalhar, quando estrear. De resto, vamos ver com o tempo,como as coisas se arrumam.
Sim é um argumento válido. Mas quantos menos filmes em cartaz, mais chances de pegar um público ocioso, que não vai pegar tendo concorrência. Aladdin e o rei leão ficaram em cartaz em circunstâncias assim.
Deveriam ter alocado A Pequena Sereia em outra época, sem confronto com Aranhaverso, por exemplo, mas essa história de público ocioso sempre é relativo. Um adulto do sexo masculino ocioso dificilmente vai entrar para ver um filme infanto-juvenil de princesa. Com os preços do ingresso por aqui, ele economizará para ver um filme que lhe interesse.
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