terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Comentando o episódio 1 de Knight Flower: Fazer comédia com temas muito pesados é uma arte

Como comentei em um post ontem, passei uns dias em Leopoldina (MG) na casa de uma amiga dorameira.  Ela assiste de tudo, mas tem particular predileção por material coreano.  Minha experiência com doramas é limitada, com material coreano mais ainda, de qualquer forma, assisti com ela o primeiro episódio de um dorama recém estreado no Viki (*só tem legenda em inglês ainda*), chamado Knight Flower (밤에 피는 꽃).  Estreou na Coreia do Sul no dia 12 de janeiro.  Vou fazer uma pequena resenha do episódio 1 e já descobri que é baseado em manhwa (quadrinho).  

Estamos no Período Joseon  (1392–1910), nossa protagonista, Jo Yeo-hwa (Lee Hanee), é viúva faz 15 anos do filho mais velho de uma família nobre de muito prestígio.  Durante o dia, nossa heroína passa suas horas enclausurada, rezando pelo seu falecido marido, copiando livros religiosos e em atividades piedosas, mas, à noite, ela é uma vingadora que age para ajudar os necessitados.  O episódio abre com a mocinha tentando evitar que um dos dependentes do seu clã, um bêbado e viciado em jogos, perca toda a renda família.  

Jo Yeo-hwa usa roupas pretas e mostra um exímio domínio das artes marciais.  Nessa confusão no bar-cassino, ela conhece o jovem capitão Park Soo-ho (Lee Jong-won) que, se entendi bem, estava lá incógnito investigando crimes que aconteciam no lugar.  Park Soo-ho e Jo Yeo-hwa acabam se ajudando e o moço fica um tanto atordoado ao descobrir que o vingador é uma mulher.  Ele, no entanto, não sabe quem é a mulher ainda.  O rapaz também está em uma posição complicada na corte.  Ele é filho adotivo de uma família muito poderosa, seu irmão, Park Yoon-Hak (Lee Ki-woo), é amigo de infância e o principal secretário do rei (Heo Jung-do), mas outros nobres questionam não somente a sua competência, mas suas origens.  

Por uma conversa entre o secretário e o rei, parece que existe algum mistério envolvendo o passado do jovem, algo que aconteceu 15 anos atrás... Exatamente o tempo de viuvez da protagonista.  Jo Yeo-hwa é ferida no combate e precisa voltar correndo para casa, porque os sinos estão avisando que a casa deve se levantar.  As legendas usavam "curfew" (toque de recolher obrigatório).  Jo Yeo-hwa é acobertada por sua dama de companhia, Yeon-Seon (Park Se-hyun), porque sua terrível sogra, já está a procura dela.

Lady Yoo (Kim Mi-kyung) vê a nora como um estorvo, afinal, pela lei, ela pertence à família do marido, ela não gerou nenhum filho e ela se recusa a morrer.  A proibição de que as viúvas nobres casem novamente, imposta por lei no final do século XV, estimulou a devoção ao marido morto, mas, também, criou uma cultura que estimulava o suicídio das viúvas.   Jo Yeo-hwa quer viver, quer amar, também, algo que lhe é proibido, mas é mantida em clausura, obrigada a usar o hanbok branco de viuva e mantida em uma dieta de fome pela velha.  Ela só tem direito a uma refeição por dia e sua sogra ainda manda reduzir às porções.

 Jo Yeo-hwa ainda é humilhada pela cunhada, que exige que ela honre a família e morra (*o mais rápido possível*).  Dentro da família, o único que lhe mostra alguma afeição é o sogro.  Por esse primeiro capítulo, a gente não consegue saber se  Jo Yeo-hwa viveu muito tempo com o marido, se o casamento foi consumado, nada, mas há uma cena, com a protagonista interpretada por uma atriz mais jovem (Moon Seung-You), que mostra que ela possuía habilidades marciais e acrobáticas ainda adolescente.  O fato é que  Jo Yeo-hwa tem pesadelos com o jovem oficial, que chegou a tocar nela durante o combate, e com as duras punições que lhe seriam impostas, caso sua infidelidade, mesmo imaginária, fosse descoberta.

Ainda nesse primeiro episódio, conhecemos a família do bêbado viciado em jogo, ele tem uma filha, uma menina (Jung Ye-Na) que deve ter uns 11, 12 anos e que presenteia  Jo Yeo-hwa com pêssegos (*acho que é isso*) desidratados, algo que a deixa feliz, porque ela está passando fome.   Jo Yeo-hwa come um e coloca o outro no altar do marido, o que indica que ela o amava (?).  Park Soo-ho também conhece a menina, que vende produtos na rua com sua mãe.  Ele é gentil com ela e, mais tarde, ficará muito preocupado ao descobrir que a criança foi vendida para um bordel pelo pai e tentará ajudá-la.  Será o segundo encontro com Jo Yeo-hwa, que interpreta mal o rapaz e acredita que ele quer abusar da menina.  Ela estava outra vez em ação para tentar resgatar a garotinha.  É o final do episódio.

Antes deste reencontro com a vigilante, no entanto, Jo Yeo-hwa tem a chance raríssima de sair de casa, quando é levada por Lady Yoo a um encontro de mulheres da alta nobreza.  A velha megera entra em um embate com outra mulher muito orgulhosa sobre quem teria a nora viúva mais virtuosa.  Ela começa pontuando que o hanbok de uma viúva deveria ser impecavelmente branco, Jo Yeo-hwa tinha sujado um pouco uma das mangas ao tentar resgatar uns aperitivos que sua dama de companhia tinha lhe dado.  É nesse momento, aliás, que Park Soo-ho consegue ver seu rosto.  Ele ri da situação ridícula, mas acaba um tanto fascinado pela beleza da moça.

Mas o duelo entre as duas matronas continua e Jo Yeo-hwa termina sendo obrigada a mostrar seus dotes artísticos de pintura de orquídeas estilizadas.  O problema é que não era ela que pinta muito bem, mais sua dama.  A coisa, claro, termina mal, mesmo que a mulher responsável pelas tintas crie um incidente para tentar ajudá-la.  A fraude é revelada e Lady Yoo pune duramente a dama de companhia, mas Jo Yeo-hwa intervém, se humilha e se oferece para fazer penitências ainda mais duras como compensação por sua mentira.

O primeiro episódio foi basicamente isso e trata-se de uma comédia.  A atriz que faz a protagonista é especialista no gênero.  Entrei em uma discussão com a minha amiga, porque achei muito pouco razoável que uma viúva sem filhos não fosse devolvida para sua família.  Ela me assegurou que na Coreia da Dinastia Joseon era desse jeito mesmo.  Eu comentei, tudo isso sem pesquisar nada ainda, que se, como alguns resumos apontam, o noivo morreu na noite de núpcias, essa  mulher ainda seria considerada um amuleto de má sorte, afinal, com o baixo status que as mulheres parecem ter naquela sociedade, realmente iriam se livrar dela por bem ou por mal.

De volta em casa, fui pesquisar, claro.  Não que eu vá continuar assistindo, ou vá mergulhar em história da Coreia, mas para fazer uma resenha decente é preciso informação e eu fiquei com o pé atrás com essa história de proibição de recasamento.  Pois bem, sim, as viúvas da nobreza, e somente elas, passaram a ser proibidas de voltar a casar no final do século XV.  O código de leis chamado Gyeongguk Daejeon confiscou das mulheres vários direitos.  Elas não podiam mais ser chefes de família, herdar propriedades (terra), assumir o trono do país e deveriam se submeter ao pai, depois ao marido e, por fim, aos filhos homens em seguida.  

A influência neo-confuciana, algo provavelmente vindo da China, se impôs, ou seja, mais um caso de perda de direitos das mulheres em uma determinada sociedade.  O código também vai criar uma série de interdições de casamento por parentesco, algo que me pareceu semelhante ao que foi criado na Europa medieval, mas, pelo menos no Ocidente, o papa poderia dar um jeitinho.  Não sei MESMO como ocorria na Coreia, se havia, ou não,  exceções. O fato é que essas proibições, inclusive do recasamento, do direito da viúva de retornar para a sua família paterna, só vão ser suspensas no final do século XIX.

Algo importante na história, e que minha amiga avisou que é tema comum nesses doramas históricos (Sageuk) que se passam na Dinastia Joseon, é o tal Yeolnyeo (열녀) ou Yeolbu (열부), em português prêmio da "mulher virtuosa".  O  governo condecorava as famílias de viúvas virtuosas como um incentivo à aderência a uma moral estrita.  Daí, posso inferir o seguinte, se havia esse reforço positivo, por assim dizer, é porque houve alguma resistência ao novo código de leis.  O problema é que, com o tempo, essa premiação passou a ser motivo para pressionar as viúvas a se matarem.  

A boa viúva não era somente a que vivia em castidade, de forma austera e piedosa, mas a que morria com seu marido.  Vejam que com a morte se resolviam  dois problemas, a família do esposo se livrava da nora, um peso econômico, e de alguém que poderia, eventualmente, vir a envergonhar o clã do defunto marido, e a família ainda poderia ser compensada com honras pelo Estado.  Segundo encontrei, a coisa se tornou tão extrema, que atraiu a atenção do Estado, pois até noivas eram "obrigadas" a se matar mesmo antes do casamento de fato, caso o seu prometido morresse.  Em alguns casos, a família do marido matava a nora e simulava suicídio.  A Coreia me assusta.

Enfim, trata-se de uma comédia, mesmo que a temática geral, essa opressão sofrida pelas mulheres em geral e as viúvas nobres em particular seja pesada.  Como há scanlations do quadrinho, que pode ser encontrado com o nome de Flowers That Bloom at Night, eu sei que fizeram uma alteração logo no início, pois antes de se verem no meio da luta, Park Soo-ho vê de relance  Jo Yeo-hwa, quando ela sai da propriedade da família e é repreendida pela sogra.  Ele não é visto por ela, mas parece ficar fascinado pela beleza da moça.  Também a primeira vez em que ele a vê lutando acontece em contexto diferente.  Enfim, o link vai levar vocês para o quadrinho.  Deve ter em outro lugar, eu achei em outro site, mas, agora, não encontrei mais o link.

É isso.  Para quem gosta de séries históricas cômicas, a série é interessante.  E ela também discute questões sérias seja os papéis de gênero impostos às mulheres na no Período Joseon. Segundo minha amiga, o segundo episódio já está disponível no Viki, a série tem previsão de 12 episódios. E, claro, você pode ir atrás do manhwa.  Imagino, no entanto, que a mocinha não termine com o jovem capitão no final, a não ser que eles fujam juntos para um lugar distante.   Para quem quiser uma resenha melhor que a minha, há uma aqui.

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