O último filme que assisti antes da cerimônia do Oscar (*que eu ainda pretendo comentar*) foi Vidas Passadas (Past Lives), da diretora Celine Song. O filme foi indicado em duas categorias de muito prestígio, Melhor Filme e Roteiro Original. Escolhi assistir esta película, deixando para depois Os Rejeitados, por ter visto muita gente comentando o quanto o filme era bem executado e comovente. Sim, ele é muito bem feito, tem algumas locações de Nova York que são das mais simples, comuns e bonitas que já vi no cinema, de encher os olhos mesmo, mas o filme não me tocou em momento algum, na verdade, ele me causou um sentimento de irritação e rejeição mesmo. Sou insensível? Talvez seja o ponto, mas não consegui comprar a tal história de amor atravessando 8 mil vidas passadas, não. Enfim, segue o resumo, retomo depois.
No ano 2000, Na Young (Moon Seung-ah) e Hae Sung (Leem Seung-min), duas crianças de 12 anos, são colegas de escola e amigos muito próximos, na verdade, eles estão vivendo o seu primeiro amor. Só que a família de Na Young está migrando para o Canadá. Antes de partir, a mãe da menina e a do menino organizam um encontro entre os dois para que eles tenham uma recordação da sua amizade (*e primeiro amor*) para guardar para o resto da vida. Dias depois, Na Young parte sem conseguir se despedir adequadamente e Hae Sung fica com o coração partido.
Doze anos se passam, Na Young (Greta Lee) mudou seu nome para Nora e está estudando em Nova York, desde a infância ela que ser escritora e sonha com um futuro brilhante. Hae Sung (Teo Yoo) terminou seu serviço militar, está estudando engenharia, e ainda pensa nela. Sem saber qual nome a moça adotou, ele deixa um recado na página de Facebook do pai de Na Young, que é um cineasta. Os dois terminam reatando a amizade. Na verdade, a amizade é mais que isso e diante dos sentimentos conflitantes, Nora (*é o nome que ela adotou*) decide cortar laços com o rapaz, ou, pelo menos, se afastar dele. Afinal, ela começou a ter vontade de ir para Seul e lá ela não realizará seus sonhos.
Pouco depois de romper com Hae Sung, Nora conhece Arthur (John Magaro), um jovem norte-americano, que também aspira ser escritor e termina por se tornar seu marido. O casamento é rápido, pois é uma forma de Nora obter o green card. Enquanto isso, Hae Sung parte para um estágio na China. Outros doze anos se passam, Nora está ainda casada com Arthur, ele se tornou um escritor bem sucedido, ambos moram em Nova York. Hae Sung se comunica com ela, depois de muito tempo, dizendo que irá passar férias na cidade e eles finalmente se reencontrarão vinte e quatro anos depois.
Vidas Passadas, que é um filme norte-americano, começa com uma cena do final do filme, o trio (Nora - Hae Sung - Arthur) em um bar. Vozes tentam analisar o que eles são. Se um casal, seja hetero ou gay, se amigos, se os coreanos são um casal e Arthur é um guia etc. O fato é que essa cena inicial marca uma ideia defendida no filme, a de que as vidas dos três, não somente de Hae Sung e Nora, estão entrelaçadas desde muitas vidas passadas. O filme gira em torno do conceito de In-Yun, reencarnação em coreano (?), que aponta que a vida dos amantes está entrelaçada por muita e muitas vidas passadas.
É um conceito parecido com o que vi pela primeira vez em um episódio de Arquivo X (The Field Where I Died) e, mais tarde, na novela Além do Tempo, a de que as almas reencarnam em bloco, mesmo que as relações entre elas possam ser mudadas. Amantes em uma vida, amigos em outra, pai-mãe-filho/a em outra. Uma vez conversei com um colega kardecista e ele me explicou mais ou menos como funcionaria esse mecanismo, espero ter descrito corretamente, estou longe de ser conhecedora das teses de reencarnação de qualquer fé.
De qualquer forma, o conceito de In-Yun, que Nora explica em certo momento para Arthur, que ela diz de forma bem displicente que acha que é budista, mas que, para ela é desculpa para paquerar alguém, você poderia ter sido até um pássaro e o amado o galho onde ele pousa em uma vida passada, ou algo assim. Dentro da ideia do filme, é como se o destino dessas almas estivesse entrelaçado em até 8 mil vidas passadas, eles estão destinados a se encontrar em todas as suas vidas.
É bonito? É poético? No entanto, eu só consegui ver uma personagem feminina adulta que não consegue deixar claro que seu objetivo é sua carreira, algo que a move desde a infância (*e que eu acho muito justo*), e dois homens que, mal ou bem, orbitam em torno dela. Hae Sung, em particular, está com sua vida em suspenso desde a infância. Eu compreenderia se Nora o recusasse baseada em questões culturais, afinal, ele é filho único, tem responsabilidades com os pais e ela não quer viver na Coreia. Fim. Mas o filme tem que tentar empurrar esse conceito de vidas entrelaçadas para justificar essa relação que, para mim, não é bonita, mas doentia. Hae Sung vive congelado no passado, ele continua sendo o menininho de 12 anos.
E Arthur? Olha, a sequência mais irritante do filme para mim, foi quando Nora e Hae Sung conversam longamente em coreano, se emocionam, olhinhos brilham, e Arthur ali do lado sem entender nada. É grosseiro, é mal educado, eu teria levantado e ido embora. Fiquei pensando que se Arthur fosse um marido latino, aquilo não iria prestar. O fato é que Arthur fala pouco coreano, em uma conversa com Nora, fica claro que ele queria aprender e ela meio que o bloqueou. Ele diz que ela sonha em coreano e que como não sabe a língua, ele sabe que há uma parte dela que ele não conhece.
Arthur também se questiona se ele é somente um green card na vida da esposa. Parece que não, mas é desconfortável ver Nora elogiando Hae Sung, inclusive a virilidade do homem, e Arthur lá ouvindo, meio que sem graça, entre curioso e tentando segurar o ciúme. E eu leio resenhas louvando a gentileza dele, como ele é compreensivo. Fosse um casamento aberto, eu entenderia, mas parece que não é. E mais, desde a infância, Nora diz que é o fato de Hae Sung "parecer homem" que a atrai nele. O que Arthur parece para ela, eu não sei.
E, no fim das contas, é isso o filme. Nora, Hae Sung e Arthur, que está lá o tempo inteiro esperando que a esposa caia em seus braços aos prantos, continuarão se encontrando em futuras vidas. Provavelmente, Hae Sung ou entrará em um casamento de conveniência, afinal, precisa ter descendência e tudo mais, ou vai ficar solteirão, esperando rever Nora em algum momento futuro, seja em Nova York, seja em Seul. E o casamento de Nora e Arthur, bem, nada me sugere que irá durar. Se Nora acreditar que seu futuro depende de um afastamento, talvez faça com Arthur o que fez com Hae Sung, no primeiro salto de tempo.
É uma história de amor isso? Pode ser, mas não do tipo que me conquista. Eu detesto assistir um filme e ter empatia pelas personagens masculinas e nenhuma pela feminina que é o centro da história. Essa sensação me incomoda muito. Fiquei pensando que deveria ter pego outro filme para assistir. Não entendi o reconhecimento de Vidas Passadas como uma grande obra, mas, de novo, talvez, eu seja insensível. Cheguei a torcer, afinal, as três vidas estavam entrelaçadas, por um triângulo amoroso em que todos se descobrissem apaixonados. E não estou defendendo que o filme tivesse sexo, ou qualquer coisa nesse sentido, mas que o sentimento fosse dos três. O que temos é dois homens apaixonados por uma mulher que não sabe o que fazer, ou não tem coragem para fazer o que deve, sei lá.
De resto, o filme tem um elenco muito pequeno. Eu esperava saber alguma coisa sobre a irmã caçula de Nora. O que ela se tornou? Que nome adotou? E a mãe de Nora? E o pai? Estão ainda no Canadá? Estão vivos? Nora chega a falar com a mãe ao telefone no primeiro salto de tempo, mas é só isso, não vemos mais ninguém. Nora parece não ter família para além, se eu considero família, de Arthur. É isso. É um filme muito bem executado, mas não me conquistou mesmo. Se você chegou até aqui, recomendo que leia outras resenhas de Vidas Passadas, porque, talvez, eu não tenha sido capaz de entender a grandeza desse filme.
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