Nos últimos anos, estamos presenciando no Brasil a retirada de direitos sociais que imaginávamos, pelo menos, a minha geração assim pensava, que eram intocáveis. A reforma da previdência roubou não somente o direito de aposentadoria de muitas pessoas, mas prejudicou e muito as viúvas, porque elas são maioria, no recebimento de suas pensões. Mulheres que foram empurradas para a vida doméstica, ou que a abraçaram por vontade, trabalham muito, mas não têm renda formal. Ao perderem seus maridos passaram a receber pensões ainda mais diminutas. E não pensem que o governo atual vá mexer nisso, mesmo se quisesse, não teria força.[1]
Agora, está a caminho a reforma do Código Civil. Os links que coloquei até agora são todos de páginas de sindicatos, mas a matéria que me chamou a atenção para o tema veio do Correio Braziliense e tem o seguinte título Mudança no Código Civil prevê que viúvas e viúvos não tenham direito à herança. Segundo a matéria:
"O projeto do novo Código Civil, apresentado no Senado em abril, prevê que viúvas e viúvos não sejam mais herdeiros diretos de seus cônjuges. Em outras palavras, eles deixam de ter direito à herança caso a pessoa falecida tenha pais ou filhos vivos. Viúvas e viúvos só terão direito aos recursos se não existirem herdeiros necessários — descendentes (filhos e netos) ou ascendentes (pais e avós) — ou se o cônjuge falecido deixar testamento. Em termos jurídicos, a mudança proporciona maior flexibilidade para os cônjuges regularem suas questões patrimoniais livremente. No entanto, a questão despertou polêmica devido à invisibilização do papel das mulheres como responsáveis pelo trabalho doméstico — e que a partir de agora não teriam mais direito à herança."
A cultura dominante nos empurra para esse papel. Pense em casais homoafetivos, gente que foi escorraçada pela família, mas conseguiu dar a volta por cima e juntou um patrimônio. Morreu o parceiro, a parceira, o marido, você não é mais herdeiro do seu cônjuge. Conheço gente que colocaria a madrasta, o padrasto, fora de casa antes de terminar o velório. A quem beneficia essa mudança?
Para quem disser que basta fazer um testamento ou casar em comunhão parcial ou total de bens. Pesquisando, descobri que o valor médio HOJE para fazer um testamento, que envolva bens, deve ficar perto dos 2 mil reais. Gente pobre não costuma fazer testamento, quem faz testamento é quem tem bens de verdade e, às vezes, nem nessa situação. Há quem se acredite eterno. Há quem more junto e pronto, até provar que tem algum direito, talvez nem tenha mais, já foi para rua. Quem mais vai perder com uma reforma no Código Civil nesses termos são mulheres cis, pobres, negras, quem está na sigla LGBTQIA+. Se você ainda achar OK, que basta se precaver, deixo as palavras do senador Fabiano Contarato. Ele é da área de Direito, eu não sou, e fez um vídeo comentando a proposta.
Sou contra qualquer retrocesso nos direitos das mulheres!
— Fabiano Contarato (@ContaratoSenado) May 2, 2024
Imagine a situação em que um casal construiu por anos um patrimônio e a sua companheira não terá direito a herança, porque há outros familiares em sua frente na ordem sucessória? pic.twitter.com/ik553ieVE2
Fiquem de olho, porque de direito em direito ficamos sem nada, e quem perde direitos mais rápido somos nós, as mulheres, as pobres em particular. É muito, muito, muito sério o que está em andamento. Para quem quiser, recomendo o artigo do site AzMinas sobre a proposta do novo Código como um todo. A parte que comento aqui está no tópico Zona Cinza.
[1] A reforma também definiu que viúvas e viúvos com filhos menores de 21 anos, não emancipados, recebem um adicional de 10% por dependente. O valor é limitado a 100% do benefício ou quatro filhos menores. O filho ou a filha que atingir a maioridade deixa de receber os 10%. A viúva ou viúvo receberão apenas os 60% a que têm direito. Se o trabalhador que faleceu não era aposentado, a viúva ou viúvo terá direito a 60% da média de todos os salários do falecido, a partir de 1994, e não sobre os 80% maiores salários, como era antes quando o valor do benefício equivalia a 100% da aposentadoria recebida pelo segurado ou ao valor a que teria direito se fosse aposentado por invalidez. Se houvesse mais de um dependente, a pensão era dividida entre eles. Fonte.
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