Estamos nos 14 dias da campanha pela erradicação da violência contra as mulheres. Ela começa no dia 25 de novembro (*post aqui*) e segue até o dia 10 de dezembro, que é o Dia dos Direitos Humanos. Normalmente, faço um post no início da campanha e um no fim. E isso por mais de dez anos, afinal, o blog é velho. Ano passado, não fiz a postagem, mas acredito que não falhei na maioria dos anos.
Muito bem, hoje, terça-feira, foi aprovado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados, uma PEC (Projeto de Emenda Constitucional) que reforma altera o artigo 5º da Constituição Federal para incluir a inviolabilidade do direito à vida “desde a concepção”. Houve protestos, mas os manifestantes foram expulsos. Esta PEC estava parada fazia mais de uma década, a proposta é de 2012, e é de autoria do infame Eduardo Cunha. Passar na CCJ significa que os deputados viram a proposta como admissível, agora, ela vai rodar por outras comissões até ir à plenário. Foram 35 votos a favor, todos de partidos de direita e de centro-direita, contra 15 contra. Quem puxou a discussão para a CCJ foram duas deputadas Chris Tonietto (PL-RJ), a redatora, e Caroline de Toni (PL-SC), a presidente da CCJ.
Pela legislação atual, é admissível o aborto em três casos: estupro, risco de vida da mãe e inviabilidade extrema do feto (*caso da anencefalia*). Somente esses três. Se a PEC avançar, se ela não for considerada inconstitucional pelo STF, o aborto não será permitido em nenhum caso. Você está grávida e pode morrer? Problema seu, morra você e o feto. Foi estuprada? Ah, a vítima de estupro é sua irmã ou filha de 12 anos? Lamentamos muito, mas ela será obrigada a levar a gravidez fruto da violência até o fim. Tanta gente querendo adotar um bebê? É só aguentar mais um pouquinho. Perdeu o bebê que esperava? Que coitadinha que nada! Fazer curetagem? Quem me garante que você não abortou? Vai primeiro se explicar com a Justiça e depois a gente conversa. Gravidez ectópica? Desculpe, temos que esperar um aborto espontâneo. Você está com medo de ter hemorragia e morrer ou perder seu útero? Torça para isso não acontecer, afinal, temos que pensar na criancinha que está dentro de você. Pesquisas com células tronco? Não pode. Inseminação artificial? E o direito dos embriões? Não pode, também. TUDO É ABORTO, TUDO É ASSASSINATO.
Essas situações trágicas já estão sendo vivenciadas em vários países. Mulheres que sofrem perda gestacional podem pegar trinta anos de cadeia em El Salvador. Todos os outros casos descritos já viraram lugar comum em alguns estados norte-americanos desde o fim da Roe vs. Wade. Não fiz nenhum post aqui no blog, mas tenho vários no Instagram e Facebook, mas essa PEC é uma nova investida da extrema-direita contra os direitos das mulheres, meninas e pessoas que gestam. Os deputados recuaram e o PL do Estupro foi arquivado depois de pressão das mulheres nas ruas e em outras instâncias, mas eles iam tentar de novo. As mulheres terão que tomar as ruas novamente.
Eu decidi marcar essa data macabra, porque só desse troço chegar até a CCJ e avançar a gente já tem que lamentar e acender todas as luzes vermelhas. Só que, para piorar, recebi um comentário de uma feminista radical trans-excludente (TERF), que me deixou tão furiosa, então, se eu não escrevesse, ou gravasse um vídeo, eu iria explodir.
Uma cambada de misóginos fazendo avançar uma pauta tenebrosa dessas contra as mulheres e meninas e vem uma criatura, neste mesmo dia, deixar comentário no meu post do dia 25 de novembro, no qual eu comentava violências REAIS contra as mulheres e meninas, cobrando que eu desse destaque ao SUPOSTO ataque aos espaços exclusivos para mulheres, o que significa me posicionar contra as mulheres trans (*ela usou uma sigla que eu nunca tinha visto, deve ser jargão desses grupos de fanáticas*). Querer que eu fale de banheiro trans e do fantasma das mulheres trans nos esportes femininos em um momento como esse é muita insensibilidade, muita falta do que fazer, muita alucinação ideológica.
Vejam só, quem está liderando essa violência contra as mulheres e meninas no Congresso não são Erika Hilton e Duda Salabert, mas duas deputadas mulheres cis. E elas sabem o que estão fazendo, elas têm prazer no que estão fazendo, isto é, semear mentiras, pânico moral e abrir caminho para que mulheres e meninas cis sejam ainda mais discriminadas e sofram cada vez mais violência. E vem aqui me cobrar que eu fale de BANHEIRO?! Em que mundo essas feministas, porque não lhes tirarei a carteirinha, vivem?
E ainda me sugere leitura de um livro, A Criação do Patriarcado da Gerda Lerner (1920-2013), que é bibliografia básica para qualquer feminista e que, muito provavelmente, eu já tinha lido em inglês quando essa pessoa ainda estava no jardim de infância. E duvido que a Lerner fosse abraçar esses discursos de ódio travestidos de preocupação com mulheres e meninas (cis). E, junto no comentário, ainda me deixa o endereço de um perfil desses que destila ódio e desinformação. Se eu publico o comentário, estou ajudando na divulgação desse pessoal. E só de olhar a página, porque eu fui até lá, eu imagino que é a nova casa, com outro nome, provavelmente para fugir de processos, de um conhecidíssimo perfil TERF que chegava ao nível de falar em "ideologia de gênero" como se isso existisse.
Essas feministas que consideram as mulheres trans e pessoas não-binárias como suas maiores inimigas (*vejam bem, não o patriarcado, mas pessoas trans*), terminam se juntando com a extrema-direita para passar pautas desumanas, e, no fim das contas, estão semeando a sua destruição, ou a nossa, porque começam com as trans e chegarão nas mulheres cis, porque nos odeiam a TODAS, E é isso, aqui, no Shoujo Café, eu gasto meu tempo discutindo coisas sérias, ou que me deem prazer. A escolha é minha, inclusive de publicar, ou não comentários.
ATUALIZAÇÃO - 28/11: A pessoa voltou e deixou isso aqui. Nenhuma palavra sobre a PEC, só ódio contra as mulheres trans e, claro, a audácia de dizer que eu não entendi Gerda Lerner. 😉 Me lembrou a J.K.Rowling e seu silêncio sobre a derrubada da Roe vs. Wade. Há coisas mais importantes para as mulheres, não é mesmo? A raiz da opressão feminina não é o patriarcado, mas as mulheres trans, banheiros inclusivos e coisas do tipo.
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