quarta-feira, 25 de junho de 2025

Última Semana de Garota do Momento: o Fim "Heroico" de Zélia ou a Purificação da Mulher que Gosta Demais de Sexo

Ontem, a personagem Zélia, interpretada pela brilhante Letícia Colin, morreu.  Garota do Momento está em sua semana final e ela foi escolhida como a vilã que precisava morrer.  Como essa escolha da autora me incomodou muito, preciso escrever algumas palavrinhas sobre sua morte.  Zélia, ou melhor dizendo, Branca Rangel, pois este era seu nome verdadeiro, é junto com a Lígia (Paloma Duarte), uma das personagens mais complexas da novela, porque  elas não eram doces, nem submissas e algumas de suas escolhas confrontavam a moral vigente.  Escrevi um texto sobre Lígia e a considero uma das personagens mais feministas que eu já vi retratadas em uma telenovela, mas ela não era uma mulher  livre sexualmente, mesmo separada se manteve fiel ao marido que a maltratou e separou dos filhos, já Zélia, bem, ela parecia gostar de sexo de verdade e não via problema em variar seus parceiros, além de manipular todos eles.  Antes, porém, precisamos dizer quem é Zélia.

Zélia começa, ainda na primeira fase, como uma personagem mal vestida e meio roceira que é pega por Maristela (Lilia Cabral) roubando sua empresa.  Para não ser denunciada à polícia, Maristela lhe propõe que finja ser irmã de sua nora desmemoriada (*veja meu primeiro texto sobre a novela*), Clarice (Carol Castro), em troca do perdão.  Zélia aceita.  Há um salto no tempo e Zélia tornou-se uma mulher sofisticada, mas um tanto vulgar, exagerada em seus maneirismos de mulher que quer ser fina e, ao mesmo tempo, sensual.  Casada com o Químico chefe da Perfumaria Carioca, ela mantém um romance secreto com Juliano (Fábio Assunção), o marido de Clarice.

Zélia parece gostar de Clarice e da "sobrinha", Bia (Maísa), mas não tem problema em manipular e trair.  Desconfiamos que ela esconde algo, ela fala ao telefone com alguém desconhecido e conta coisas que estão acontecendo no Rio de Janeiro, mas não sabemos quem é.  Ela também é cleptomaníaca e coleciona particularmente sabonetes.  Além disso, ela é elitista e manifesta um racismo que é bem mais crível do que a aceitação da diversidade ostentada pelos bonzinhos da trama.  Mais tarde, descobrimos que seu marido foi o inventor do sabonete que é o carro chefe da Perfumaria Carioca e que Maristela o matou para ficar com a fórmula.  O carro do marido de Zélia foi sabotado, ela estava junto no veículo e quase  morre.  Como estava grávida, ela termina perdendo o bebê e ficando estéril.  Ressalto que Juliano não participou desse crime, ainda que tenha vários outros nas costas, e Zélia chegou a usá-lo contra a própria  mãe, o que, a meu ver, era seu interesse desde o início.  Tê-lo como amante fazia parte desse cálculo, o problema de Zélia é que ela gostava muito de sexo.

A personagem jura vingança, vem para o Rio de Janeiro e decide que, independentemente do tempo que precisar investir e do que tiver que fazer, irá se vingar dos Alencar.  Isso implicou, ao longo da trama, em prejudicar Clarice e Beatriz (Duda Santos), além de outras ações horríveis.  Depois que Clarice retoma sua memória, ela lhe conta sua  história e se compromete em ajudá-la e levar até o fim sua vingança.  Quando Clarice descobre o caso de Zélia com Juliano, porém, mesmo odiando o marido que a manteve drogada por dezesseis anos, ela rompe com falsa irmã, porque essa seria uma traição imperdoável.  Zélia decide, então, fazer todo o possível para mostrar que mudou, que sabe que cometeu atos abomináveis, mas quer se redimir ajudando os bonzinhos contra Juliano e Maristela.  E, quando Zélia parecia estar no auge, deliciando-se com sua vingança, ela é morta. 

No fim das contas, a maioria do público parece não ter gostado da escolha da autora, nem mesmo Letícia Colin.  A autora, Alessandra Poggi, terminou escrevendo um textão para justificar a escolha, Zélia foi má, mas morreu heroicamente.  E ainda diz que as pessoas só gostavam de Zélia por causa do talento de Letícia Colin.  Ora, ela já estava arrependida e consciente do mal que havia feito, ela já estava ajudando os mocinhos a vencerem os vilões inequívocos da trama, Maristela e Juliano, por qual motivo matar a personagem?

É verdade que Zélia agiu de forma vil, adiou sua vingança para garantir certos confortos, colaborou mais do que devia com as tramas dos Alencar, mas, na reta final da novela, inteligente como era, ela conseguiu salvar Clarice e encurralar os vilões. Havia necessidade de matá-la?  Juliano irá morrer, vilões como ele raramente são presos (*ainda que conste que será*), fora que ele está manifestando traços de desequilíbrio mental e está mais que óbvio que ele vai sequestrar Clarice.  Maristela deve terminar louca, é o tipo de castigo que vilãs como ela recebem, afinal, ela perderá tudo, a empresa, o status, o filho único e a neta adorada.  Bia saiu limpinha e sem grandes esforços.  Repito: matar a Zélia por qual motivo?

Só imagino uma coisa, foi uma punição pelo seu comportamento sexual.  E as opiniões que li aqui e ali, meio que comprovam que a  autora se alinha com esses moralismos, ela lê o que é escrito nas redes sociais.  Houve momentos em que eu tenho certeza que autora pratica rage bait, isto é, percebe o que não queremos ver, coloca na trama, e gera engajamento.  É um engajamento de ódio, verdade, mas está lá a novela, ou alguma das personagens nos trending topics do Twitter.  Por exemplo, um apelido que o pessoal deu para a Bia no Twitter, "coração de paçoca" por conta de seu problema cardíaco, apareceu pelo menos uma vez na boca de alguma personagem que odiava a vilãzinha.  Não foi coincidência, foi calculado.

O fato é que Zélia gostava de sexo, ela pegou vários homens ao longo da trama, mas o que irritou o público foi ter sido amante de Juliano.  Ela cometeu inúmeras maldades e até crimes, mas se deitar com a personagem de Fábio Assunção era imperdoável.  Clarice lhe perdoa tudo, menos isso.  Roubar macho seria o máximo da traição!  Qual a única forma de purificar Zélia desses "pecados", de ter cedido aos prazeres e se tornado amante de Juliano?  Matando-a.  No sacrifício se faz a redenção da messalina da vez.  E qual a função disso para a trama?  Criar um paralelo com a morte da Valéria?  Seria realmente necessário?

E, pior, para matá-la fizeram Beto (Pedro Novaes) e Beatriz se comportarem de forma covarde.  Basílio (Cauê Campos) não querer intervir, é uma coisa aceitável, Beto e Beatriz jamais ficariam assistindo, mesmo que a sua intervenção fosse a mais burra possível.  A ideia que a autora queria passar é a de que Zélia protegeu os três de Juliano, que estava armado e poderia feri-los ou matá-los.  O que vimos, porém, foram dois homens adultos e jovens deixando uma mulher ser morta pelo vilão sem que nada fizessem e uma protagonista aguerrida aceitando passivamente testemunhar tudo isso.  Repito que até entenderia o Basílio fazer isso, mas mesmo ele não me pareceria capaz de abandonar Zélia a sua própria sorte.

E a sequência foi boa, nada a criticar na atuação de ninguém e, no geral, gosto da novela.  O grande problema são as escolhas feitas pela autora e as mensagens que são passadas.  Mulher que gosta de sexo, que pega o homem que quer, tem que morrer para se purificar.  E vi gente aplaudindo esse final, o que implica dizer que a autora se comunicou bem com parte do público que acredita que o pior crime é ser uma mulher sexualmente livre.  Então, temos duas personagens que são insubmissas, modernas, questionadoras, mas uma terá um merecido final feliz, já a outra, bem, recebeu uma morte "heroica" quando estava no seu auge.  E que fique claro que Zélia não era feminista, a solidariedade dela era baseada em afetos e, não, em qualquer tipo de consciência de que mulheres precisam se unir.  Tampouco ela defendia qualquer tipo de liberdade para as mulheres como grupo, ela pensava em si mesma e seus interesses.  Qualquer discurso progressista só passava por seus lábios se instrumentalizado para seu próprio interesse e ela seria capaz de usar o moralismo da sociedade contra qualquer mulher se isso atendesse ao seu objetivo do momento, seja levar adiante a sua vingança, ou conseguir alguma vantagem.

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