quinta-feira, 3 de março de 2011

Comentando South Riding (BBC/2011) – Episódio 1



Ontem assisti ao primeiro episódio de South Riding, a série da BBC que começou no dia 20 de fevereiro. O roteirista é Andrew Davies, que foi o responsável por Orgulho & Preconceito (1995) e um dos mais conceituados roteiristas de BBC. É uma série de época, se passa na década de 1930, e derivada de um livro do mesmo nome, de autoria de Winifred Holtby (1898-1935), uma brilhante escritora que morreu precocemente por causa de uma doença nos rins. Eu não conhecia a obra, ou a autora, mas o livro já tinha sido adaptado pela BBC antes nos anos 1970 e com muito mais capítulos. A série atual terá somente 3, a de 1974 teve 13 e uma nota 9,3 no IMDB. Enfim, imagino que muita coisa vá ficar de fora dessa série atual. Mas vamos ao resumo geral da história.

Inglaterra, Grande Depressão, Sarah Burton (Anna Maxwell Martin) é uma professora feminista e idealista que decide voltar para a sua cidadezinha natal, South Riding, para se candidatar ao cargo de diretora de uma escola feminina. Entrevistada pelo conselho municipal – que conta com uma mulher, Mrs. Beddows (Penelope Wilton), uma das primeiras na Inglaterra a ocuparem esta posição – ela consegue ser admitida depois de alguma resistência. Seu maior adversário parece ser Robert Cane (David Morrissey), o aristocrata (quase falido) local, que a acha inadequada para educar meninas e a vê como comunista. Cane tem uma filha Midge, que nunca foi à escola e é educada em casa. A menina é muito inteligente e sensível, mas se sente culpada pela morte da mãe e tem crises nervosas constantes. Mrs. Beddows convence Carne a enviá-la para a escola, mas a adaptação será difícil. A outra pupila de Sarah é Lydia Holly, uma menina brilhante, mas que vive em situação de extrema pobreza, com os pais e um monte de irmãos. A morte da mãe, porém, coloca sua educação em risco e a diretora a toma sob sua proteção.

Eu realmente gostei muito do primeiro episódio de South Riding. Ele apresenta bem as personagens e não somente a combativa Sarah e seu antagonista (*e futuro amante?*) Robert Cane. Sarah deseja transformar a escola de South Riding em um lugar de formação de verdade onde as meninas possam ser educadas para tomar o futuro sem suas mãos, seja escolhendo papéis convencionais – como esposa e mãe – ou profissões em um mundo que está mudando. Ela ressalta que uma escola caindo aos pedaços é um péssimo incentivo para as meninas, pois passa a idéia de que elas valem tão pouco que não merecem nem um colégio de verdade. Sarah Burton era muito pobre, com um pai alcóolatra, e foi a educação que lhe deu possibilidades de escolha. Ela quer o mesmo para todas as meninas.

No projeto educacional de Sarah, a palavra chave, aliás, é escolha. No entanto, como escolher quando se vive de forma tão miserável quando Lydia? As várias cenas da menina, se escondendo da mãe para poder ler e, conseqüentemente, fugindo dos trabalhos domésticos, reagindo ao bullying das colegas que a desprezam por ser uma “favelada” ou escrevendo e lendo uma bela poesia como punição, são excelentes. Aliás, gostei muito das duas meninas. Lydia é cheia de vivacidade e a atriz, Charlie Clark, é excelente. Já Midge é uma menina cheia de problemas, pois é mantida em uma estufa pelo pai e não sabe como se relacionar com outras pessoas. E não pensem em nenhum momento que o pai, Robert Cane, não a ame, mas o sujeito tem muitos esqueletos no armário, por assim dizer. É interessante que, em um único capítulo, ele consegue passar de figura absolutamente antipática a um sujeito humano e cheio de contradições. E, claro, a esposa não morreu... ele é um falso viúvo... Mas a coisa só vai ser mostrada em detalhes no capítulo 2.

No primeiro episódio só temos alguns flashbacks de Muriel, a suposta morta, e de como ela deveria ser mimada e inconseqüente. Carne nunca se recuperou da “perda” da esposa, supostamente morta no parto (*eu presumo*), e é viciado em morfina ou outra droga... O vício o faz esquecer das besteiras que fez, da culpa em relação à Muriel e do fato de estar quase falido. Já no finalzinho do primeiro episódio, o gelo entre ele e Sarah começa a ser quebrado. Aliás, acho que o ator, David Morrissey, é o galã inglês maduro do momento (*deposi do Colin Firth, claro*). E eu o tenho visto recentemente em muitos papéis, primeiro foi o Coronel Brandon de Razão & Sensibilidade, depois ele estava em O Centurião e, também, em O Garoto de Liverpool. Ele é um bom ator e a personagem em South Riding é bem instigante.

Outra personagem que gostei muito é Mrs. Beddows, a mulher que conseguiu entrar para o clube fechado dos homens. Ela é o ponto de equilíbrio entre Carne e Joe Astell, o outro conselheiro que tem posturas socialistas. Beddows também recomenda cautela para Sarah, especialmente quando a jovem mulher começa a exigir reformas radicais na escola. Beddows teve papel fundamental em sua admissão e a apóia, mas sempre com cautela e tato, sem se assumir como feminista, e usando de sua imagem inatacável para fazer valer suas opiniões, ela talvez seja a personagem feminina mais forte e interessante da trama. Segundo li, ela foi inspirada diretamente na mãe da autora, que foi a primeira mulher a ser eleita “alderman” (*hoje seria “alderwoman”*) na Inglaterra. Aliás, tudo em South Riding é meio semi-autobiográfico segundo o que pesquisei.

Para fechar o elenco de personagens ainda temos o pastor metodista hipócrita, o Conselheiro Huggins, que faz pregações moralistas, e depois sai para fornicar com uma amante mais jovem, enquanto sua esposa só aparece sentada costurando. O sujeito é um tarado e a cena dele quase delirando quando Sarah o leva para mostrar o terrível estado dos banheiros da escola é hilária. Ela quer uma reforma geral e chuveiros coletivos... ele fica imaginando as meninas no banho... Assim, é um sujeitinho nojento, mas o ator torna a coisa muito engraçada. E já no primeiro episódio ele é chantageado pela amante (*e pelo amante dela*) que, supostamente, está grávida dele... E há no conselho os chacais que querem ganhar dinheiro com a miséria alheia. A missérie é historicamente bem interessante, também, por mostrar um quadro bem realista dos efeitos da Grande Depressão na Inglaterra. Eu não sei qual armação será feita com as terras dos favelados, mas parece que há algo muito sujo em andamento. Curiosamente, os grandes adversários desses sujeitos são os dois antagonistas, o conservador Cane, e o progressista Joe Astell, que se torna grande amigo de Sarah porque compartilham posturas anti-guerra e sonhos de um mundo mais justo e igualitário.

Enfim, a minissérie será curta, só falta mais um capítulo e já há legendas em português (*não sei com qual qualidade*), italiano e inglês para o capítulo 1. Eu recomendo muito. Ainda é meio difícil, para alguém do século passado como eu, pensar que a década de 1930 pode ser palco para uma minissérie de época, mas, na verdade, pode ser, sim, e com muita qualidade. Só para completar, South Riding é a grande obra de Winifred Holtby e ela escreveu o livro nos últimos dois anos de sua vida, depois de ter um diagnóstico do tipo “sentença de morte”. Eu acho que ela é um pouco a própria Sarah, assim como Mrs. Beddows é sua mãe. E, sim, pelo que assuntei, não teremos um final feliz clássico. Eu realmente acho – e é achismo mesmo – que o Carne vai acabar se matando no último capítulo. Quando saírem as legendas do episódio 2, eu assistirei com cuidado e volto para comentar mais um pouquinho.

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