domingo, 13 de setembro de 2015

Comentando Que Horas Ela Volta?, o candidato do Brasil no Oscar


Quinta-feira, assisti ao filme que é o candidato do Brasil ao Oscar deste ano, “Que Horas Ela Volta?”.   O filme vinha chamando a atenção pelo bom desempenho em festivais de cinema nos últimos meses.  Regina Casé e Camila Márdila, sua filha no filme, dividiram o prêmio de melhor atriz no Festival de Sundance 2015 e o prêmio Panorama Audience no 65º Festival de Berlim.  Tudo isso já atraiu a atenção para o filme que, no geral, é muito bom, mas que, pelo menos para mim (*e meu marido que assistiu junto*) deixou um pouco a desejar.  Indicado pelo Brasil para concorrer ao Oscar, muita gente está apostando alto no potencial desta película.  Vou dividir a resenha em duas partes, a primeira, a convencional, evitando spoilers; a segunda, depois do trailer do filme, com algumas considerações que podem incomodar quem não assistiu ao filme, mas que são importantes.  Vamos lá!

A história do filme é a seguinte: Val (Regina Casé) veio de Pernambuco para São Paulo, deixando para trás sua filha, Jéssica (Camila Márdila), com uma mulher de nome Sandra. Os problemas com o pai da menina a fizeram evitar ao máximo as visitas à terra natal, as ligações são raras e a menina muitas vezes não quer falar com a mãe.  Em São Paulo, Val trabalha como babá e empregada faz tudo de um casal de classe alta, tornando-se a mãe afetiva do filho dos patrões, Fabinho (Michel Joelsas).  O abismo entre Val e a filha é compensado pela ligação entre a babá e o menino.  


Mais de dez anos se passam e Jéssica avisa a mãe que está vindo para São Paulo prestar o vestibular para Arquitetura, na USP.  Mesmo curso e faculdade almejada por Fabinho.  Só que Val não tem casa própria, mora com os patrões.  A empregada pede e recebe permissão para abrigar a menina temporariamente, final, ela é “da família”, mas as relações se tornam tensas, porque Jéssica não se sujeita às barreiras de classe que para sua mãe e Bárbara (Karine Teles), a patroa, são naturais e incontornáveis.

“Que Horas Ela Volta?”  mostra um recorte das relações sociais no Brasil, sim, o maior acerto do filme é jogar na cara dos espectadores a opressão e as desigualdades sociais que remonta nossas raízes escravistas.  Chocante, ou não, todos nós, brasileiros e brasileiras, conhecemos essa realidade, já vimos a mãe socialmente branca passeando no shopping e a babá (*ou babás*) de branco seguindo atrás com a criança.  Todos nós conhecemos uma ou outra família que tem – ou tinha – uma empregada que dormia no trabalho, ou alguma pessoa que mora em um apartamento com quartinho para abriga-la.  Nos últimos tempos, temos ouvido o clamor das classes médias para cima de que essa realidade tão feliz e ordeira, está acabando, porque, bem, alguém cismou de dar direitos trabalhistas para as empregadas domésticas... Sim, no feminino, porque somos maioria nessa área.


No filme, Val, interpretada magistralmente por Regina Casé, é a empregada que não tem vida própria, que coloca seus filhos e filhas em segundo plano em prol do bem-estar dos patrões.  Ela não tem hora para começar a trabalhar ou terminar o expediente.  Como paga, ela é tratada com paternalismo e sorrisos complacentes, recebendo volta e meia aquela frase apaziguadora de “você é da família”.  Obviamente, não é, a própria empregada sabe disso e diz para a filha que quando os patrões oferecem alguma coisa é por educação e seu dever é recusar e agradecer.  Ela conhece o seu lugar, ela evita invadir o espaço dos patrões, ainda que mantenha um vínculo afetivo forte com o filho deles.

Trazendo para a minha realidade, estou hoje mais perto da família de classe alta, do que da Val.  Daí, pensando na questão das babás, elas são em muitos casos as pessoas mais significativas na vida das crianças de classe média para cima.  Baratas ou mal pagas, como todos os empregados domésticos no Brasil, elas circulam em alguns espaços vestidas de branco para marcar a diferença, marcar que não são mães "de verdade" ou patroas como as outras que podem estar levando os filhos ao parquinho, clube e academia.  


Eu tenho uma filha pequena, ela não tem babá, está na creche, e ouço repetidamente aqui em Brasília a pergunta "Por que você não tem babá?".  Já me abordaram dizendo "Conheço uma senhora que é ótima.  Ela criou os filhos de uma amiga!".  Enfim, seria uma coisa ou outra, mas algo que me aterroriza, confesso, é ter alguém na vida de minha menina que possa ser mais mãe que eu.  Eu não conseguiria conviver com isso.  Mas vamos voltar ao assunto antes que eu me perca.

O ritmo do filme é lento, quase arrastado em alguns momentos.  Tal qual em O Som ao Redor, outro representante do chamado Novo Cinema Pernambucano candidato ao Oscar pelo Brasil.  Sinceramente?  Não consigo gostar desse recurso, mas entendo que se trata de uma estratégia da diretora para marcar a monotonia, a repetitividade, das funções desempenhadas por Val.  A empregada faz tudo, desde larvar roupa, preparar e servir refeições, controlar o horário dos remédios do patrão, levar a cachorra da família para passear, até dar afeto ao filho dos patrões.  Na casa, ninguém é capaz de pegar um copo, lavar um talher sequer, servir-se de sorvete, tudo é com a Val.  E, marcando esse assujeitamento do feminino, mesmo os empregados homens, o jardineiro e o motorista, exigem que ela os sirva.  Pior, Val os serve, está acostumada a isso.  É algo “natural”.


O mundo perfeito se abala quando a filha de Val, Jéssica chega a São Paulo.  Ela e Val são duas estranhas.  A família da empregada acredita que vai receber uma nova Val, submissa, ciente do seu lugar, e recebe uma menina segura de si, que graças ao professor (subversivo) de História, acredita que pode, sim, passar na USP.  Essa moça rompe de forma incômoda os estereótipos que alguns paulistanos e sulistas – vide os absurdos que explodiram no Twitter na época das eleições e outras – têm dos nordestinos.  Como essa menina ousa sonhar em frequentar a USP, a mesma universidade que o filho dos patrões deseja?  Pobrezinha!  No entanto, quando percebem que a menina é inteligente e articulada, a coisa se torna ofensiva, ameaçadora. Jéssica incomoda a própria mãe, a quem não reconhece como tal, afinal, ela não sabe qual o seu lugar.  

Jéssica passa uma imagem de revolta, afinal, muitas vezes esquece aquelas palavras mágicas como “por favor” e “obrigada”.  Se Val é como da família, como pode dormir em um quartinho abafado no subterrâneo da casa?  Ela questiona?  Jéssica não vê como problema aceitar o quarto de hóspedes, sentar à mesa com os patrões de Val, pular na piscina com Fabinho e seu amigo.  Val se desespera, é uma quebra de confiança, uma transgressão da ordem, já e a mãe do rapaz manda esvaziar a piscina, porque “viu um rato” lá dentro.  O rato, claro, é Jéssica.  Segundo a diretora, o filme foi gravado na época dos rolezinhos em São Paulo e a ela pensou Jéssica na piscina sob esse prisma.  E, sim, foi como um rolezinho.


Li uma resenha na qual estava escrito que Jéssica fascina pai e filho.  Sim, há uma subtrama envolvendo o pai da família (Lourenço Mutarelli) e Jéssica, mas nada em relação ao filho, por assim dizer.  Carlos, o pai, é um artista frustrado, ignorado pela esposa e pelo filho.  Isolado, ele conhece a menina que, ao contrário de seu filho, se interessa pelas coisas que ele gostava, e, claro, há essa certeza masculina oriunda da ordem patriarcal de que toda mulher está disponível, ainda mais a filha da empregada.  Só que morre aí.  Se cortassem do filme as investidas do homem, talvez nem sentíssemos falta, porque, na verdade, Val é o único personagem realmente profundo e multifacetado da história. 

Jéssica recebe alguma atenção, só que muitas das questões relativas à vida da menina em Pernambuco ficam sem resposta.  Quanto as outras personagens, elas recebem rápidas pinceladas,  são personagens tipo: a patroa elegante, fútil, mais interessada na carreira e na boa forma do que no filho e na família; o marido refinado, que não tem com quem trocar, e que vive de renda; e o adolescente riquinho que estuda nos melhores colégios, mas não se esforça, que está mais interessado em se divertir e fumar maconha; a diarista que sofre por ter que deixar o filho para trás, mas segue a mesma cartilha de Val, etc.  


São poucas personagens no filme e tudo converge para a personagem de Regina Casé, seus sentimentos, a forma como vê o mundo, a mudança que a atitude de Jéssica, que, segundo a própria, não se vê como superior a ninguém, mas como igual, faz na sua vida.  O filme faz um retrato das relações sociais que, pelo discurso da própria diretora, são os de gente da sua classe social (*ouça este pedacinho da entrevista para a BandNews FM*), com os empregados que os cercam.  O forte do filme é o conflito de classes, ainda que aqui e ali, se discuta conflito geracional, questões de gênero.

Jéssica é fruto do empoderamento dos nordestinos e, especialmente, das mulheres da região.  Algo que só foi possível com o Plano Real, que trouxe estabilidade econômica, e as políticas sociais do Governo do PT.  Jéssica é o tipo de nordestino que incomoda, porque rompe com a subordinação, não reconhece a herança escravista e, claro, ajuda a libertar gente como Val, que pertence a uma geração anterior, que comeu o pão que o diabo amassou no Sul Maravilha.  Daí, o conflito é geracional, porque opõe uma geração que teve que aceitar as relações de exploração para que seus filhos e filhas pudessem viver melhor, que sacrificaram, inclusive, o convívio com suas crianças.  E, sim, muita gente faz isso até hoje.  O problema maior do filme, a meu ver reside na questão da maternidade.  A vilã do filme é Bárbara, afinal.


O filme é naturalista.  Não discute, mostra.  As conclusões são da audiência, no entanto, Bárbara a mulher que coloca a profissão em primeiro lugar, que cuida da aparência, que trabalha mesmo em licença médica depois de um acidente, é quem determina que o lugar de Jéssica é da porta da cozinha para lá.  Ela parece sustentar a casa, é isso que Jéssica pensa, pois o marido está sempre em casa.  Ele, entretanto, esclarece que vive de renda e é seu dinheiro que sustenta as regalias.  Por que então Bárbara abandona o filho?  Por que trabalha tanto?  

A diretora – que pertence a mesma classe social – disse na Band News que abandonou a carreira por dois anos para ficar com o filho.  Orgulha-se de não ter tido babá.  Só que ela pinta sua escolha como “a escolha”, logo, Bárbara está errada.  Mesmo Val parece estar sob o olhar crítico da diretora.  Afinal, a maternidade em primeiro lugar.  A diretora diz em entrevista que o filme é sobre isso.  


Enfim, como feminista, vejo vários problema que começam com o direito de escolha e autonomia das mulheres, as necessidades econômicas que pressionam muitas a deixarem seus filhos e filhas para trás, e termina com “E o pai nessa história?”.  Afinal, Carlos, o marido de Bárbara, estava em casa o tempo inteiro e sua relação com o filho é tão distante quanto a dela.  Nem afeto, nem autoridade.  Ora, maternar – cuidar de uma criança, educar – não é “coisa de mulher”, mas o filme passa essa idéia.  Val, pelo menos, foi mãe de Fabinho e, com a vinda de Jéssica, tentará ser mãe para a própria filha, também.  Já Bárbara, bem, ela compra afeto fingido do filho com presentes, respeito com ameaças.  E, claro, ela se sente ameaçada por Val, já que ela é a pessoa mais significativa na vida do rapaz.

A diretora compreende que o machismo é estrutural, mas repetiu duas vezes na entrevista que ele vem na mamadeira.  Sim, e largar tudo para maternar, porque se quer, ou se pode, não torna uma mulher melhor que outra.  Largar tudo para paternar, deveria ser, também, uma escolha masculina.  Em países como a Suécia, é, aqui, nem pensar.  Falando em machismo, no lançamento do filme em Recife, a diretora e a própria Regina Casé foram desacatadas por dois famosos diretores locais.  Bêbados, eles tentaram confiscar o espaço e o protagonismo das mulheres.  A diretora acertou ao definir que os homens não estão acostumados a ver uma mulher no centro das atenções, mais ainda, ver uma mulher produzindo um filme que atrai prêmios e, o mais relevante, faz dinheiro.  


Para fechar, digo que gostei do filme, mas que acredito que faltou alguma coisa nele.  Cumpre a Bechdel Rule, claro, é um filme de mulheres sobre mulheres, ainda que a autora tenha enfatizado que ele é “para toda a família”.  Fico feliz pela sua visibilidade, mas não consegui ver nele a força de outros que o cinema nacional produziu nas últimas duas décadas.  Talvez, eu não seja sensível ao Novo Cinema Pernambucano, ainda que esse filme, por tratar de questões de classe e ter mulheres protagonistas, tenha me tocado mais que O Som ao Redor.   

É importante, também, ressaltar que o filme, ainda que eu aponte problemas, dá visibilidade às mulheres.  A diretora é muito consciente desse papel, assim como do fato de que essa visibilidade tornou-se maior, porque ela adentrou no universo masculino, isto é, o filme está fazendo dinheiro.  E isso incomoda, tanto a visibilidade, quanto o lucro.  Vide o papelão que dois diretores homens armaram em uma sessão seguida de debate em Recife. quiseram calar a diretora e desqualificar sua obra e o excepcional trabalho de Regina Casé.  Bem, eles não receberam palmas e estão reclamando de censura... Enfim, é um bom filme, é repetir isso frisar.  


Fora isso, trinta anos depois temos um filme de uma mulher e sobre mulheres indicado pelo Brasil ao Oscar.  Será que nenhuma mulher mereceu antes, ou os fatores que a autora apontou, a visibilidade internacional e o dinheiro, pesaram? Quantos filmes medíocres apareceram na seleção e quantos filmes muito bons de homens ou mulheres foram ignorados por questões diversas?  Pensem no primeiro Tropa de Elite, por exemplo.  Se "Que Horas Ela Volta?" vai passar, ou não n seleção dos americanos, é irrelevante, o sucesso do filme está consolidado e seu lugar como drama sobre as relações sociais desiguais no Brasil e as mudanças dos últimos anos está dado.

Fechando, o que faltou no filme em termos de cena, foi a nova empregada chegando na casa da família rica e sendo a anti-Val.  Exigindo seus direitos, folga, e tudo mais, mostrando que o Brasil está mudando... Infelizmente, não há esta cena, ainda assim, a luta de classes é o que melhor se estrutura no filme, mas seu assunto principal é a maternidade, seja ela afetiva, ou biológica, e o assujeitamento das mulheres ao seu destino.  Daí, o título internacional recorrente "Second Mother", segunda mãe, mãe substituta, mãe ausente. 


Sim, lágrimas me vieram aos olhos quando Fabinho criança pergunta para Val logo no início “Que Horas Ela Volta?”, mas eu sei que mostrar para a minha filha que mamãe ama o que faz e é uma pessoa, não um prolongamento dela, também é muito importante.  Mais ainda, maternar em tempo integral pode ser ótimo, mas a dependência em relação ao homens, isso quando há um homem, não ajuda  mudar nossa sociedade machista.  Só que isso não faz parte do mundo da diretora, nem de seu filme.



Continuando, e acho que se você está aqui nessa parte é por ter assistido ao filme, ou por ser muito curioso/a, eu demorei tanto a publicar a resenha, porque tive que repensar algumas partes depois de ouvir a entrevista da diretora.  Infelizmente, a não ser que algum site tenha publicá-lo, ela está perdida dentro do programa Band News em Alta Frequência que tem mais de duas horas.  Enfim, fiquei muito incomodada com a perspectiva da diretora em relação ao papel das mulheres, especialmente, em relação à maternidade e a maternagem.  

A película de Anna Muylaert critica as mulheres que colocam a carreira acima dos filhos.  E a crítica é tanto à patroa, quanto à empregada. A diretora parece, pela sua entrevista, dividir o mundo em virtudes femininas e masculinas; sucesso, poder, são desejos dos homens, as mulheres preferem cuidar, são amorosas... Essa parece ser a natureza.  Daí, tanto Bárbara, quanto o marido, são aberrações.  


Apesar de  Muylaert desconstruir o machismo em seu discurso – seja nesta entrevista ou em outras – e entender suas práticas, ela escorrega ao pensar a maternidade e o papel das mulheres na reprodução do sistema.  Na entrevista que ouvi, ela diz que abandonou a carreira por dois anos para cuidar do filho, que nada substituiria isso, trocar as próprias fraldas do filho, vê-lo andar.  Mais do que celebrar a escolha, que ela, mulher de classe alta pode fazer, ela critica as que não fazem esta opção e, ao mesmo tempo, denuncia a herança escravista que é a babá de branco.  Não há nada de natural em gostar de limpar cocô, mas respeito a escolha.   E é escolha de quem pode escolher.

Ora, eu sinto prazer enorme em estar com minha filha, mas não vou dizer para vocês que limpar cocô é algo que eu ame.  Simplesmente, faz parte do processo.  É parte do pacote.  Agora, eu digo que amo meu trabalho e que sete meses fora, mesmo com Júlia, me fizeram mal.  Eu adoro lecionar e não tenho prazer na vida doméstica, nem como responsável principal pela casa e filha, nem se fosse uma mulher que pudesse delegar a outras (*sempre no feminino*) minhas tarefas.  Fora, claro, que sem meu salário minha família teria suas condições de vida bem reduzidas, eu contribuo fortemente para o nosso bem estar.  


Muitas mulheres que abdicam do trabalho – raramente da profissão, mas de um trabalho remunerado – para ficarem integralmente cuidando da casa e dos filhos o fazem, porque, ao colocarem a ponta do lápis, pagariam mais por uma creche ou uma babá (*sub-remunerada*), então, melhor ficar e, de repente, tentar trabalhar em casa.  Para mulheres de classe média alta é diferente, mas para a maioria das brasileiras, é bem assim que acontece.   

Mulheres como Val, por outro lado, não puderam escolher e são mães substitutas, ainda assim, e acredito que o filme reforça isso sutilmente, elas deveriam sentir culpa, afinal, deixaram suas crias para trás. Por isso, parece libertador que Val largue o emprego no fim do filme, ela pode se virar trabalhando em casa e ficando mais perto da filha e do neto (*sim, surpresa!*). Já mulheres de classes sociais mais abastadas, são insensíveis e escravagistas, afinal, preferiram a carreira, deixam que outras sejam as mães de seus filhos.  Sim, sempre no feminino.  


Maternagem, porque é disso que estamos falando, não é destino das mulheres, é preciso repetir.  Fora que em nenhum momento o papel masculino entra na equação.  A mãe deve abrir mão pelos filhos, o pai, bem, a diretora nem pensa o seu papel.  Afinal, Fabinho tem duas mães e nenhum pai, já que seu pai, apesar de estar em casa o tempo inteiro, é um ausente.  Esse viés do filme é perverso, reacionário e joga sombra o direito de escolha das mulheres, a construção dos papéis de gênero, a desigualdade que temos entre homens e mulheres.  

E como mulheres escravagistas como Bárbara compensam sua ausência?  Presentes.  O filho não passou no vestibular e se consola com Val.  Para a mãe, ele diz que ela sempre o considerou burro.  Para piorar, a filha de Val passa na primeira fase da FUVEST com boa nota.  Desconcerto geral.  A patroa adverte a empregada, deposi do amarelo parabéns, que é só a primeira fase, e comenta com o filho “Ah, mas ela somente estuda!”.  Sim, gente como Jéssica não tem dinheiro para baladas, festinhas com maconha, esportes e diversões... só estuda e, talvez, trabalhe, né?


Mas como a mãe ausente compensa o filho reprovado?  Cursinho de inglês na Austrália.  O filho, feliz, mostra para Val a foto de uma bela praia.  Vai estudar?  Sabe a tal meritocracia?  O menino tem tudo para dar certo, ainda assim, alguns se atrasam.  Já gente como Jéssica, precisa lutar com unhas e dentes para chegar lá.  Às vezes, chegam, muitos ficam pelo caminho, mas gente como Bárbara será capaz de repetir que elas “só estudam”.  Mas o Brasil está mudando, ou estava, se este ano não for o apocalipse... 

É isso.  Escrevi demais.  Essa parte foi só para reforçar questões que me incomodaram.  Se não viu o filme, veja, porque vale a pena.  

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