quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Sobre a questão do consentimento e meio que nadando contra a maré



Escrevi um post para o Facebook, reformei e estou trazendo para cá.  Ele irá, de certa forma, contra boa parte do que os sites feministas estão publicando.  Assumo integralmente aquilo que escrevo.  Apesar do assunto estar em evidência nesse momento, já refletia sobre ele antes, escrevi aqui no blog sobre temas próximos e, bem, não resisti em me posicionar sobre o quiproquó gerado pelo sujeito eliminado do Big  Brother 16 na última semana.

Esse sujeito lamentável do BBB16 – e você não precisa assistir ao programa para conhece-lo, eu mesma não assisto BBB – fez a discussão sobre idade de consentimento vir com toda a força para a internet. A Lola fez um ótimo resumo da coisa aqui: sujeito assumiu publicamente gostar de adolescentes, oferecer-lhes bebida para ficarem “soltinhas”, manter um relacionamento poligâmico com menores de idade.  Apesar de todas estarem acima da idade de consentimento, ele foi acusado de pedófilo e temendo alguma acusação, a própria Globo tratou de chamar uma advogada para deixar claro que pedofilia não é crime (*os crimes decorrem de passar do desejo, algo que clama por tratamento a meu ver, para a ação*) e dar ao sujeito todo o espaço para justificar suas "preferências por novinhas".  Ele tem 53 anos e se interessar por meninas, embriagá-las e tudo mais, é somente uma de suas práticas "problemáticas", veja mais aqui.

Enfim, deixando o cara de lado, ele é só o ponto de partida do texto, vamos ao ponto, a discussão sobre a idade de consentimento.  Sempre que isso acontece, fico com os dois pés atrás, porque, não raro, as vozes conservadoras cristãs e as progressistas (*inclua aí muitas e muitas das minhas colegas feministas*) se encontram no mesmo terreno: adolescentes, para além da idade de consentimento no Brasil (14 anos), seriam inaptos para consentir no ato sexual. Eu, de minha parte, acredito que adolescentes – meninos e meninas – são capazes de fazer escolhas, inclusive no campo sexual, e deveriam, claro, ter orientação de adultos (*os responsáveis em primeiro lugar*), disciplina (*sim, olha a palavrinha feia para muita gente*) e sempre serem protegidos/as da ação de adultos irresponsáveis e criminosos.

Oferecer bebida para um menor de idade é crime, colocá-lo/a em situação de risco é crime. Estupro sempre é crime, com agravantes quando a vítima é menor. Namorar e eventualmente vir a fazer sexo com um/a menor de idade acima da idade de consentimento não é. O que não quer dizer que eu concordo com a precocidade sexual de muitos e muitas, mas não vou negar o direito de escolha e autonomia de um/a adolescente, porque, sim, há gente muito ruim solta por aí.  Seria a mesma coisa que usar do argumento de que o aborto não pode ser descriminalizado, porque algumas pessoas irão utilizá-lo como método anticoncepcional.  Percebam que não nego os perigos, mas reafirmo que adolescentes precisam ter a sua autonomia minimamente respeitada até para que amadureçam.  


Dito isso, eu sou contra qualquer alteração na idade de consentimento, sou contra esse nivelamento do adolescente com a criança. Pedófilo é quem deseja a criança exatamente por ser criança, incluso aí o corpo que uma criança normalmente tem, sem as marcas sexuais secundárias. Um adulto desejar adolescentes pode me parecer inapropriado, pode trazer, sim, abuso embutido, mas não é a mesma coisa que assediar uma criança e não é crime. Relações afetivas entre pessoas de idades muito díspares, especialmente envolvendo menores, precisam ser acompanhadas e cabe os responsáveis (*e autoridades, se necessário*) acompanhar e mesmo intervir.

Talvez a Valéria de 20 anos atrás até concordasse com muitas das vozes feministas que se posicionam argumentando que adolescentes não estão aptas (*a preocupação é com as meninas*) a consentir, mas a Valéria que fará 40 anos amanhã aprendeu a observar antes de julgar, compreender a diversidade humana e respeitar, ou pelo menos tentar, o direito de escolha das pessoas.  Vou citar um exemplo de história de amor entre um adulto e um adolescente que poderia sob o ponto de vista da negativa da capacidade de consentir representar um abuso.  Chiquinha Gonzaga, a grande musicista e maestrina brasileira, teve uma vida amorosa acidentada e que mais a feriu do que a fez feliz.  Aos 52 anos apaixonou-se por um aluno de música e ele por ela.  O rapaz tinha somente 16 anos.  Ela encontrou o amor, teve que mentir a condição dos dois para a sociedade e ele foi feliz com ela, ou pelo menos assim parece, até a morte de Chiquinha com 87 anos.  


Eu não posso em sã consciência condenar Chiquinha Gonzaga, mas não devo negar que existam muitos relacionamentos abusivos entre adultos – a maioria homens e, por isso, escolhi citar o caso de uma mulher – e adolescentes, a maioria meninas.  Também não estou defendendo o casamento precoce, mas o reconhecimento de que adolescentes têm condições de fazer escolhas, de amar e até escolher alguém mais velho (*mesmo que eu pessoalmente possa lamentar*) e que adultos podem amar jovens sem que sejam abusadores, exploradores, ladrões da juventude, machistas etc.  Meu coração se recusa a querer encaixar o amor em forminhas.  

O que me preocupa é que o discurso que tenta transformar adolescentes e crianças no mesmo pode ajudar a avançar legislação mais dura e norteada pelos interesses de legisladores religiosos. Para os progressistas é proteção contra os estupradores, contra a cultura do estupro normatizada em todo o mundo, contra o direito patriarcal de se apropriar de meninas etc., para os conservadores é uma forma de controlar a sexualidade dos jovens e criminalizar especialmente as relações homoafetivas ou que fujam ao controle estrito dos pais e líderes religiosos.

Fechando o texto, nunca esquecerei do caso do jovem negro de 17 anos condenado à prisão no estado da Georgia por estupro (child molestation), porque fez sexo com a namorada de 15 anos, branca. Os dois filmaram (*uma grande burrada, verdade*), os pais da moça descobriram, e o testemunho dela não foi aceito a favor do rapaz, pois ela não tinha idade de consentimento, já ele era considerado maior de idade pela lei do estado. Obama e Jimmy Carter apelaram e, mesmo assim, não houve, até onde eu sei, mudança na sentença. O caso foi parar na Suprema Corte do Estado e o rapaz foi solto, mas não depois de passar um tempo preso e de sofrer todo o constrangimento.  Alguém pode dizer que eram dois adolescentes e foi injusto, mas se o sujeito era considerado maior, tanto faz ele ter 17 ou 50, salvo se a lei admitir atenuantes. E sou mais enfática, mesmo com 50 a decisão caberia à adolescente.


Se as leis se tornarem mais duras em relação ao consentimento e, não, aos crimes em si (*constranger, intimidar, oferecer substâncias ilícitas, agredir fisicamente, estuprar etc.*), depois segurem o rojão quando vier com força o discurso usando a lei de que um adolescente entre 16 e 18 anos não pode, por exemplo, declarar a sua orientação sexual, porque é incapaz de decidir/saber essas coisas. Magno Malta agradece a ajuda. Eu deixaria a idade de consentimento como está, simples assim, e subiria as penas para toda a sorte de ato criminoso que colocasse em risco o bem estar de menores.

Enfim, o problema a meu ver é infantilizar e, ao mesmo tempo, querer ver os adolescentes como adultos. Não são crianças, não são adultos, muitas vezes estão sendo super pressionados e nós, que teoricamente temos experiência de vida, ainda tornamos as coisas muito piores.  Como professora vejo todos os anos dezenas de jovens nos mais diferentes níveis de amadurecimento, formatá-los mesmo que para a sua proteção não me parece possível e, muito menos, justo.

1 pessoas comentaram:

Questão complicada, que demanda cuidado e reflexão cuidadosa e isenta.
Mas quem faz isso no país do "carnaval político"? A dita "bancada evangélica" e demais grupos com interesses bem particulares (e não necessariamente voltados ao bem público) é que não parecem nem um pouco interessada nisso. Para esses, quanto mais "questões polêmicas" para formar "cortina de fumaça", melhor.
E o povão segue atrás do trio elétrico.

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