quarta-feira, 6 de julho de 2016

Coisas que preciso compartilhar

Pilotos de guerra soviéticas (Night Witches).
Ontem, me aconteceu uma coisa muito legal no colégio onde trabalho. Passava pelo corredor do 3º ANO (*dou aula para esta série*) e fui abordada por uma aluna que não era de nenhuma das minhas turmas. Ela perguntou se eu era a professora Valéria que prepara as aulas do multimídia e me agradeceu por ter colocado o papel das mulheres na 2ª Guerra Mundial que é algo importante e que as pessoas nem comentam. Eu falei que eu nunca esqueceria, que é algo que precisa ser lembrado,  porque elas estavam lá. 

Pilotos norte-americanas (WASP)
A nossa prática em sala de aula reflete em maior ou menor grau, aquilo que pensamos e o que somos. Como mulher, que tem pelo menos metade das suas alunas mulheres, eu preciso mostrar que as mulheres estavam lá, em qualquer época, lugar, momento da História. Mulheres e homens de todos os tipos, aliás, estavam lá. Representatividade e diversidade é fundamental. As alunas precisam se ver na História, os alunos se vêem sempre, mas nem sempre vêem homens parecidos com eles e precisam vê-los, também. Sempre que possível e pertinente, mas de silêncios, informações equivocadas e piadas depreciativas estão todos cheios, aliás, chegam ao terceiro ano transbordando de tudo isso.

Mais soviéticas.
E eu acredito que é importante falar de ensino, da prática em sala de aula, em um momento tão triste marcado pelos extremismos (*de direita e de esquerda*), pelas manifestações fascistas (*vide a invasão sofrida pela UnB e o provável crime de ódio contra um aluno da UFRJ*) e às ações com o intuito de impedir qualquer discussão progressista em sala de aula.  Aqui, vale o famigerado Escola Sem Partido e as tentativas de barrar discussões sobre gênero e diversidade (*porque "ideologia de gênero" não existe, é coisa de gente ignorante ou mal intencionada mesmo*) nas escolas.  Enfim, mas eu estou feliz esta semana (*apesar de estar passando por uma turbulência séria na vida pessoal*), são as pequenas coisas que me confirmam que vale a pena estar em sala de aula falando para adolescentes, que tudo que meu saldo final é sempre positivo. Estou alimentada pelo resto da semana e "continuo a nadar".   

2 pessoas comentaram:

Esse tipo de coisa me toca muito, sabe? Estava na aula de Literatura Portuguesa da FFLCH o ano passado e não lembro o porquê, mas o professor começou a falar sobre literaturas fora do cânone e como esse mesmo cânone é construído para refletir uma visão de mundo ainda bem particular.
Conversa vai, conversa vem, ele, homem gay, comentou que ficou chocado ao descobrir só quando foi fazer doutorado nos Estados Unidos que existia um romance sobre homossexualidade masculina no Naturalismo brasileiro. Eu era o único aluno em uma sala cheia de gente interessada em assuntos LGBTs que conhecia e já tinha lido o livro.
No meu caso, não sabia que Mário de Andrade era gay e que tinha escrito um conto sobre o amor entre dois meninos adolescentes. E é um conto belíssimo, na melhor fase dele a meu ver. O povo só fala de Macunaíma...
Eu fico pensando, quantas pessoas sabem sobre essas coisas? Quantas pessoas sabem, por exemplo, que existia uma forma de relação entre homens adultos e adolescentes no Japão seiscentista calcada em valores samurais parecida com o modelo grego antigo? E que isso era uma realidade tão presente no cotidiano que o segundo autor mais importante da Literatura Japonesa, atrás apenas da Murasaki Shikibu de Genji Monogatari, não apenas colocava nos seus romances relações assim como também dedicou um livro de contos para tratar dessas relações samurais? Aliás, os mercadores endinheirados japoneses, como em vários lugares e em várias épocas, querendo imitar os valores e estilos de vida das classes dominantes, inclusive simulavam essas relações envolvendo-se com atores do teatro kabuki.
Eu fico muito incomodado com essa tentativa de apagamento. Os samurais são vendidos como símbolo de virilidade, honra e lealdade, mas esquecem de colocar esses detalhes. Isso mancharia a imagem deles por acaso?
E eu incluo a Fumi Yoshinaga nisso. Por mais que eu goste muito de Ōoku, não entendo por que ela, que é uma autora de BL inclusive, resolveu falar do período e ainda mais da classe samurai, mas não colocar essas relações. O máximo que ela comenta é sobre as relações homossexuais entre monges, mas é uma única fala que é pejorativa e aparece quando um dos personagens está sendo estuprado por outros.
Outro exemplo? Eu pego as imagens do mangá Nobunaga Concerto e vejo um modelo de família tradicional monogâmica típica do nosso tempo. O problema é que Oda Nobunaga era conhecidamente bissexual, tinha amantes homens. E isso eu li escrito por japoneses, que não costumam ser muito antenados com essas coisas.
Enfim, esses são só alguns exemplos que envolvem literatura, imagina o resto? Tenho muita vontade de traduzir esse autor japonês para mostrar um aspecto tão escondido da história deles. É preciso mostrar que o mundo não funciona preto no branco, que homens e mulheres, heterossexuais e homossexuais, sempre existiram e fizeram parte da História e sempre vão fazer.

Lembrei de ontem, uma discussão que tive por que um jogo de Tiro em Primeira Pessoa de uma franquia famosa dos videogames Battlefiled, não vai incluir no jogo mulheres soldado por que isso seria irrealista num jogo que se passa na primeira guerra mundial. E que apesar de ter tido um esquadrão russo de mulheres combatentes na primeira guerra, de que o jogo provavelmente incluirá elementos fantásticos que não existiram na 1ª GM, ouvi que a inclusão de mulheres seria uma forçação de barra para a inclusão e um desrespeito as intenções originais dos criadores que querem criar um jogo que seja o mais realista possível. Ah tem o fato de que nunca na franquia foi possível ser mulher no modo multiplayer, que é o grosso do jogo. Mero detalhe.

Mulheres ainda são muito subestimadas, e a falta de narrativas delas na história durante a escola ajuda a perpetuar a ideia de que elas ficaram presas a papéis estereotipados de gênero e não participaram da história e no fim temos por exemplo essa bizarrice de que um alienígena interdimensional é mais plausível que uma mulher soldado num videogame que é ambientado num período histórico e não há compromisso algum com fidelidade absoluta.

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