sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Algumas reflexões sobre a bissexualidade da (nova) Mulher Maravilha


Um amigo perguntou se eu havia visto esta notícia.  Sim, eu vi.  Estava me questionando se escrevia, ou não.  Primeiro, não me empolga muito essa reinvenção frequente das personagens dos comics. Aliás, é possível que tenhamos várias revistas da mesma personagem ao mesmo tempo e, às vezes, até com intérpretes diferentes.  Pois bem, a noticia bombástica, comemorada por uns, deplorada por outros, é que a Mulher Maravilha seria bissexual.  Vejam bem, não lésbica, mas bissexual.

Quem fez o anúncio?  O próprio responsável pela reestruturação da revista para a comemoração dos 75 anos da personagem, Greg Rucka.  Comunicação oficial e, portanto, cânon, pelo menos, nesta encarnação da personagem.  Resumindo algumas falas de Rucka, o fato de Diana e outras amazonas terem se relacionado com mulheres parece óbvio, porque Themyscira é uma sociedade só de mulheres.  Ele alerta, também, que o desejo de representatividade não pode sacrificar o que é o mais importante, uma boa história.  Para mim, sabe o que isso significa?  Não esperem muita coisa mesmo.

Bissexualidade nas histórias da Mulher Maravilha
não é novidade, a novidade é virar cânon.
Eu fico com o pé atrás para certas medidas (supostamente) progressistas, porque dizer que Themyscira é um paraíso e logo, um lugar diversidade, é muito complicado.  Afinal, em uma sociedade pequena e fechada em si mesma, as regras podem, e muitas vezes são, muito rígidas e reforça-las é bem mais fácil do que em sociedades mais complexas e com uma população muito grandes.  De resto, a não diversidade da ilha já se mostra pelo fato de nela só existirem mulheres e, durante muito tempo, havia uma homogeneidade étnica, também.  Todas eram brancas e dentro dos padrões de beleza vigentes em cada época desses 75 anos.

De resto, entendo a questão da visibilidade dos bissexuais e sou solidária.  Muita gente não acredita que seja possível ser bi. Assim, mulheres bi são heterossexuais confusas; já homens bi são gays que não se decidiram ainda.   Há quem veja a bissexualidade como uma ameaça mesmo em meios progressistas, lésbicas e gays que não vêem com bons olhos essa orientação sexual.  Assim, é importante mostrar que existem outras possibilidades.  Inclusive a assexualidade.  


Lynda Carter, uma das mais famosas encarnações
Mulher Maravilha, desenhada.
Aliás, se pensarmos em uma sociedade de um sexo só, caso de Themyscira, o correto seria pensar em lesbiandade (compulsória) ou assexualidade.  Só que ser lésbica é fechar a porta para o acesso dos homens ao corpo das mulheres, algo inaceitável em um mundo machista.  Lésbicas (de verdade) são uma ameaça à ordem patriarcal e heteronormativa.  Já ser assexual, para muita gente, é algo “contra a natureza”.  Resumindo, essa história de bissexualidade da Mulher Maravilha ou das amazonas me cheira a outra coisa...

Bissexualidade feminina na mídia – e não espero nada mais que sugestões lesbianas leves – tende a ser algo oferecido para o deleite do fetiche masculino.  O homem assiste duas mulheres muito dentro dos padrões de beleza hegemônicos flertando, ou mesmo transando, e se imagina como o terceiro elemento ali.  Seja como voyeur, seja como parceiro.  Há quem nem veja o relacionamento entre duas mulheres como "sexo de verdade", afinal, só é sexo quando há um falo envolvido.  Enfim, eu realmente não confio muito nesse papo de bissexualidade feminina como algo progressista na TV, comics, cinema etc. quando é um homem fala sobre isso.  

E, ano que vem, teremos o filme.
Alguém já viu homem hetero sugerindo que um grande super-herói ou personagem masculina vista como super viril seja colocada como bissexual?  Eu nunca vi.  Sabe por qual motivo?  Porque, como coloquei lá em cima, homem bi é gay que não tomou posição.  E, bem, ser gay é – na cabeça de muita gente – abraçar um lado feminino.  Nada mais degradante do que um homem sair do seu lugar de destaque para se tornar algo inferior.  Para o homofóbico, um homem gay é um ser perigoso e abjeto, alguém que atenta contra a identidade de todos os homens.

Escrevi demais, enfim, mas é como eu tentei pontuar.  Tornar a Mulher Maravilha bissexual é importante para a diversidade e representatividade dentro dos comics.  Sim, sem dúvida, mas é, ao mesmo tempo, uma jogada de marketing e não representa, pelo fato dela ser mulher “bonita”, que deve se envolver com outras mulheres “bonitas”, nada de muito subversivo.  De novo, o Paraíso da bissexualidade feminina é um paraíso aos olhos de quem?  Enfim, vamos ver qual será o resultado.  A depender do que ler por aí, talvez, acabe dando uma olhada no quadrinho.

Uma das encarnações
mais famosas da Mulher Maravilha.
P.S.: Um moço deixou um comentário me acusando de falar "várias bobagens", porque a Mulher Maravilha não poderia ser lésbica (*claro, lésbica, jamais!*), porque ninguém vira gay de repente e ela teve vários parceiros importantes ao longo da sua história.  Mas não é reboot?  E não é o que os americanos mais fazem, mudar as origens, a história, a personalidade e tudo mais das personagens ao sabor dos interesses do momento?  Ora, ora, o Sulu da nova série de filmes de Jornada não "virou" gay, quando canonicamente ele era um galinha como o Kirk?  O George Perez quando redesenhou as origens da MM (*um reboot, portanto*), não eliminou o motivo principal da sua saída da Ilha Paraíso que era ir atrás de um homem?  Enfim, mas como pontuei no meu texto, bissexualidade feminina na cultura pop não raro é isca para macho.  Até que se prove o contrário, não vejo nada a celebrar nessa história de Mulher Maravilha Bissexual.

8 pessoas comentaram:

Nossa você falou várias bobagens não é??

Não esperava isso de você, mas ela não poderia ser lésbica por que isso descaracterizaria a personagem, digo ela tem vários pares românticos masculinos importantes na sua história, você não pode simplesmente transformar um personagem em gay sem motivo simplesmente, fingir que seu passado não existe, digo já tem a anos dicas de que ela é bissexual. Isto serve para expandir e fazer mais sentido a história da personagem, claro que ela crescer numa ilha só de mulheres faz com que ela não seja hetera, mas isto não a torna lésbica, a não ser que você quiser mudar a personagem, quem ela é.

Lucas, só publiquei seu comentário grosseiro, afinal, você não discorda de mim, me acusa de falar "várias bobagens", não é mesmo, porque gostaria de responder. Olha, se você dá reboot, você pode, sim, mudar toda a personagem. O novo Sulu de Star Trek é gay, o original, era um galinha. Morreu o cânone, é outra obra. Mais ainda, quando o Perez redesenhou as origens da MM, ele eliminou o principal motivo da saída da personagem da Ilha Paraíso que era ir atrás de um homem pelo qual se apaixonara. Poderia citar outros casos, mas vamos parar aqui. Não lhe agrada e, portanto, é bobagem? OK, como eu disse, para um homem - e pode nem ser um homem hetero - mulher lésbica é uma ameaça, bissexual é só mais um bônus.

Passar bem.

Além da mulher maravilha, outras mulheres bisexuais da DC são a mulher-gato, a Harley Quinn, e, ao que tudo indica, a poison ivy e a black canary também. Tem bem mais bisexuais do que héteros ou lésbicas entre as personagens mais famosas. E isso só ocorre com as mulheres. Fica difícil alguem argumentar que é só por 'diversidade', e não para apelar para o fetiche masculino.

Pois é, Jéssica. A única lésbica mesmo é a Batwoman, ou nem ela?

Sinceramente, não acho muito legal ver bissexualidade feminina quase que automaticamente como fetiche por parte de homem :/ Não estou dizendo que não é um ponto relevante numa discussão de representatividade na mídia - é - e concordo quanto aos motivos da ausência de homens bissexuais, etc, mas, sei lá, algo no tom do post não me agradou.

Ver o comentário aí em cima sobre como tem mais personagem mulher bi que hetero na DC me deixou me perguntando se estou tendo alucinações ou algo do tipo. Não só é objetivamente errado, mas o fato de ignorar que a confirmação da bissexualidade da Catwoman aconteceu num período em que a série estava sendo escrita por uma MULHER (portanto, inocente da acusação de "é só escrito pensando no apelo masculino", espero?)... é meio demais pra minha cabeça.

Enfim, algumasoutras personagems lésbicas da DC (e sim, são poucas): Renee Montoya, Maggie Sawyer, Holly Robinson e Scandal Savage.

Ser escrito por uma MULHER (*só para reproduzir a ênfase*), não anula a afirmativa de que a coisa possa ter sido aprovada não para dar representatividade, mas para garantir parte do público masculino, afinal, e isso é uma verdade quando se pensa na indústria até certo tempo atrás, os comics eram vistos como produto para homens. Leitoras mulheres são bônus. Será que seria mais aceito se ela fosse lésbica? Muitas mulheres se descobrem lésbicas depois de vários relacionamentos hetero, afinal, você é empurrada para a norma o tempo inteiro. Há quem não entenda isso e há quem não aceite, mas o testemunho de muitas mulheres lésbicas aponta para isso.

Quanto às lésbicas, pensemos no primeiro time de heroínas. Quantas são?

Comemorar representatividade - e isso é possível em contrar em 90% dos sites feministas nerds - é uma coisa, tapar o sol com a peneira, é outra. Me recuso a fazer isso.

Nat, nenhuma dessas mulheres é reconhecida fora das comics. Todas as que eu citei, das bisexuais, já apareceram em filmes, séries e/ou jogos da DC, de alto investimento (e, todas, erotizadas nesses filmes/séries/jogos). A única lésbica 'famosa' é a Batwoman, e coloco aspas nisso porque até onde eu sei a Batwoman nunca apareceu em nenhum produto de alto investimento da DC, só como side character em desenho animado e, até onde sei, sem mencionarem que ela é lésbica.

Então, eu concordo com o comentário da Nat. A Mulher Maravilha ser bissexual não é uma surpresa, é só uma afirmativa do que já se pintava faz anos nas HQS dela e é inclusive ligada a própria criação da personagem. O Greg Rucka é um dos autores mais respeitados, e em minha opinião, um dos que mais entende a personagem e seu contexto. Claro que ele não vai escapar da carga meio "masculinista" que possa carregar, mas não acho que seja o caso de um autor irresponsável ao ponto de afirmar isso para atrair um público masculino. E quanto a possibilidade da mulher maravilha lésbica, eu adoraria ver, mas em outras circunstâncias, já que nesse run ela teve um relacionamento afetivo com o Steve Trevor e por muito tempo, saudável. Essa é a mesma mulher maravilha que estava apaixonada pelo superman, também. O rebirth não foi exatamente um reboot como o caso dos Novos 52, mas uma reformulação. Uma outra grande autora da Mulher Maravilha, Gail Simone também confirmou o que foi dito pelo colega e comentou que isso é algo de consenso entre grande parte dos autores da mulher maravilha. A questão dela nunca ter sido retratada com uma mulher, ainda, volta realmente para a lesbofobia e o preconceito, como você mesma disse, muito presentes nos meios das HQs. Homens bissexuais realmente são raros, mas personagens como Deadpool, Wolverine que são bem famosas já foram declarados como pan e bissexuais. Quanto a questão das mulheres das HQs não serem reconhecidas fora desse núcleo, a mudança vem lenta, isso é verdade. Mas A Batwoman apareceu em uma animação esse ano, e foi mostrado claramente sua lesbianidade. Também foi recentemente anunciado que ela ganhará uma run solo. Apollo e Midnighter, dois homens gays que foram retratados na HQ solo do midnighter também ganharam uma HQ focando agora em ambos. A Harley e a Ivy estão cada vez caminhando mais para assumirem um relacionamento, inclusive já foi confirmado pela própria DC que ambas tem relação romântica, mas é um namoro que não funciona nos moldes "comuns". Na liga da Justica da América, o The Ray é um homem abertamente gay e o autor está trazendo ele de volta aos holofotes. Enfim, acho que fui bagunçando minhas ideias aqui, mas o que eu quero dizer é que uma Mulher Maravilha canonicamente bissexual, como você mesmo escreveu, nesse run é coerente. Se ela pode ser lésbica em outro, seria também maravilhoso, mas nessa história e em muitas outras ela é uma mulher bissexual. E o Rucka deixou claro que ela já tinha se relacionado com mulheres na ilha, porque muita gente ainda pensa que a Dianda saiu de lá para correr atrás de steve trevor e seu grande amor heterossexual, o que não é verdade.
Enfim, espero que não tenha soado desrespeitosa e se tiver, peço desculpas. Só levantando algumas ressalvas como leitora da Mulher Maravilha e particularmente, fã do trabalho que o Greg Rucka realiza com ela.

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