segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Comentando Orgulho e Preconceito e Zumbis (Pride and Prejudice and Zombies, 2016)


Entre sábado e domingo, assisti Orgulho e Preconceito e Zumbis (Pride and Prejudice and Zombies).  Tinha prometido que não iria ver, comprei o livro e o quadrinho, tomei repulsa, e doei ambos em 2013.  No entanto, se alguém jogar “zombies” ou “zumbis” no Shoujo Café vai encontrar vários posts comentando sobre a acidentada produção do filme.  No fim das contas, eu apostava que o filme não iria vingar, mas ele acabou sendo lançado.  OK.  Eu disse que não assistiria, mas eis que vi que o Mr. Collins seria o Matt Smith (Dr. Who/The Ruby in the Smoke) começou a me dar um comichão.  No cinema, em Brasília, cópias legendadas eram poucas, então, acabei tendo que esperar que um bom arquivo aparecesse na internet.  E, bem, o filme foi mais divertido do que eu poderia imaginar.  

Depois dessa longa introdução, vamos ao resumo do filme: Inglaterra, início do século XIX, uma infestação de zumbis coloca em risco o futuro dos humanos na ilha.  Iniciada no século XVIII, ninguém sabe de onde surgiu a praga, alguns suspeitam dos franceses, só que ela levou um rei à loucura (George III), Londres se encontra sitiada e várias regiões dominadas pelos mortos-vivos.  Outro fato é que a praga mudou os hábitos da sociedade.  Muitos homens e mulheres passaram a aprender artes marciais para se defender; os ricos vão para o Japão, os sábios para a China.  O fato é que mesmo com os riscos, ainda é considerado pouco recomendável para uma dama, especialmente, se ela deseja se casar, andar por aí portando armas.  

As irmãs Bennet são boas trabalhando em conjunto.
Nesse contexto, somo apresentados às personagens mais que conhecidas do romance mais famoso de Jane Austen.  Mr. Darcy, agora Coronel Darcy, famoso caçador de zumbis; as irmãs Bennet ((Jane, Lizzie, Mary, Kitty e Lydia) treinadas na China e exímias guerreiras, mas pressionadas pela mãe a arranjar um marido rico; Bingley e suas irmãs, também caçadores de zumbis; Mr. Collins, que herdará as terras dos Bennet e quer casar com uma das primas; o golpista Wickham; Lady Catherine deBourgh... Bem, apesar das modificações, o destino das personagens e muitas de suas falas são as mesmas do livro  e, bem, no final terminamos com Elizabeth lamentando seu preconceito e Darcy seu orgulho.

Para quem não sabe, Orgulho e Preconceito e Zumbis é um mash-up, isto é, uma combinação de um clássico (*normalmente*), neste caso Orgulho e Preconceito de Jane Austen, e uma história de outro gênero, normalmente terror/horror, produzida por um autor/a contemporâneo.  O livro de Seth Grahame-Smith, lançado em 2009, tornou-se febre, os mash-ups começaram a se reproduzir feito piolhos, e  foi transposto para outras mídias, como os quadrinhos, lançado em vários formatos, e logo começou o boato de um filme.  De boato até o filme pronto foram vários tropeços.  Lançado, ele acabou sendo um fracasso de bilheteria, apesar de, como pontuei lá em cima, ser até divertido.

Elizabeth e Jane são as mais competentes.
Enfim, o filme não é um primor, mas me manteve entretida por quase duas horas.  Apesar de haver apagado muita coisa da minha memória em relação ao livro, consegui perceber mudanças significativas e algumas possibilidades de roteiro desperdiçadas.  Por exemplo, eu sabia que a Charlotte Lucas (Aisling Loftus), melhor amiga da Lizzie, virava zumbi.  No filme, ela desaparece depois de casar com Mr. Collins.  Já a Anne de Bourgh (Bessie Cursons) poderia render alguma coisa (*a personagem serve para nada*) se ela fosse alguém contaminado pela praga e estivesse sendo protegida pela mãe, uma notória caçadora de zumbis.  Até imaginei Lady Catherine (Lena Headey) deixando que a jovem se alimentasse de criados, ou lhe fornecendo cérebros de animais para que ela se mantivesse viva e minimamente racional.

O fato é que li, na época do lançamento do filme, críticas violentas ao fato de Orgulho e Preconceito e Zumbis separar os zumbis em duas castas, aqueles que contaminados mantinham sua racionalidade e os que, por terem provado de cérebros humanos, tinham se tornado zumbis no stricto sensu da palavra.  Olha, quem lê o blog sabe que eu entendo nada de filmes e outras mídias que trabalham com zumbis, que eu não gosto de histórias com zumbis.  Gosto é de vampiros e ponto final.  Dito isso, sei que essa idéia de segmentar zumbis foi chupada de algumas histórias de vampiros.  Aliás, eu vi essa coisa de uns mantém a racionalidade e outros, não, no excelente quadrinho Drácula de Ataíde Braz e Neide Harue.

Wickham realmente parecia interessado em Lizzie.
O fato é que eu particularmente achei interessante a forma como o filme trabalhou a questão.  Fora, claro, que apesar da correria e do pobre desenvolvimento de algumas tramas, o filme deu alguma dignidade ao vilão, Wickham.  Sim, não o redimiram, nem lhe deram um castigo infame.  Ele é um canalha elegante e vai assim até o fim, quando se confronta com Darcy.  A divisão dos zumbis em castas deu para a infestação um certo grau de planejamento que tornou difícil a vida dos heróis.  E, bem, a forma como Darcy resolve a questão no final, foi engenhosa.  Eu gostei de alguns desenvolvimentos que dependeram exatamente dessa estratificação.  Fossem vampiros, seria mais legal, mas zumbis estão na moda.  Fazer o quê?

Uma coisa curiosa do filme, e que difere do livro, ao que parece, é o confronto entre Lizzie e Lady Catherine.  Ficou parecendo que, ao invés de tentar demover a moça de qualquer interesse por Darcy, algo que vem do original, ela estava testando a moça para ver se ela era digna de seu sobrinho.  Lembrou-me direto o filme de 1940, uma dramédia quase tão traidora do original de 1813 quanto essa lambança com zumbis, no qual Lady Catherine procura Elizabeth à pedido do sobrinho para testar as intenções da moça.  O problema em ambos os casos é a pobre Anne.  No original, Lady Catherine quer garantir o casamento da filha com o primo, algo que, na cabeça da dominadora senhora, era algo decidido desde sempre.  Enfim, gostei da Lady Catherine de Bourgh do filme, mas faltou desenvolvimento da personagem.

O baile com Mr. Collins é um dos pontos altos do filme.
Notável no filme, e um grande desperdício, é que o melhor Mr. Collins que eu já vi em tela está neste Orgulho e Preconceito e Zumbis.  Acreditem, Matt Smith está perfeito no papel nessa paródia com zumbis.  Vejam só, em todas as adaptações que assisti (1940, 1980, 1995, 2005 etc.), sempre escalam mal Mr. Collins.  Não que os atores sejam ruins, longe disso, mas eles nunca correspondem à aparência e idade da personagem no livro.  Smith deu uma vivacidade e humor ao Mr. Collins que está muito mais próxima do original do que nenhuma outra.  

O pedido de noivado, por exemplo, vem coroado com a exigência de que Lizzie abandonasse o uso das armas para se ajustar à submissão conjugal, afinal, imagina um marido incompetente no uso de qualquer arma e um verdadeiro imbecil convivendo com uma mulher armada e perigosa.  Daí, ele ter tão poucas cenas, já que literalmente evapora no meio do filme e reaparece na seqüência final, tenha sido lamentável.

"function or fashion"
Gostei da Elizabeth de Lily James, continuo com a sua imagem muito associada à Rose de Downton Abbey, mas sei que vou superar.  Ela poderia ser uma boa Lizzie em uma adaptação normal.  Bella Heathcote é uma excelente Jane, muito boa mesmo, e Douglas Booth é o Bingley mais fofo que eu já vi.  Ambos estariam bem nos papéis em condições normais.  Agora, o resto das irmãs Bennet são mera figuração de luxo, assim como Caroline Bingley (Emma Greenwell) soltando suas frases em japonês.  A passagem de Jane e Elizabeth por Netherfield é de uma pobreza só.  No baile, Elizabeth sequer dança com Darcy... Já a irmã do herói, Georgiana (Morfydd Clark), que estava em Amor & Amizade, só é nomeada e mal é vista.  

Sally Phillips é uma Mrs. Bennet esquecível, afinal, mal teve oportunidade de dar os escândalos característicos da personagem original; já Charles Dance deveria ter mais cenas como o pai das moças.  Na verdade, houve uma cena engraçada dessa limitada Mrs. Bennet, quando ela pergunta se o tapa olho de Lady Catherine "is function or fashion" (tem uma função ou é moda).  Funciona melhor em inglês, mas funciona de qualquer forma.  E demorei a reconhecer que a atriz que faz a Lady Catherine é a Cersei de Game of Thrones.  Ela fica linda, seja loura ou morena.

Darcy e Bingley.
Falando nos dois extremos, Jack Huston faz um Wickham satisfatório. Ele convence como o aparente golpista, sedutor, caça dotes que, no filme, era muito mais que isso.  O ator se sai bem no papel, poderia ser um ótimo Wickham em uma adaptação do livro original.  Já, Sam Riley, bem, ser Darcy não deve ser uma coisa simples para nenhum ator, especialmente, quando você vai ser comparado com Laurence Olivier, Collin Firth (*meu favorito*) e Matthew Macfadyen, fora Elliot Cowan, meu segundo favorito, entre outros.  

Darcy poderia ser melhor e eu esperava mais do ator, especialmente depois de vê-lo em Malévola.  Em Orgulho e Preconceito e Zumbis, ele parece falar sussurrando o tempo inteiro.  Não lembro da voz dele desse jeito em Malévola.  Daí, parece que ele fala para dentro.  Seu ar sombrio, marcado pelas batalhas está OK, a voz, nem tanto.  De qualquer forma, acredito que Bingley ficou mais no tom da personagem, mesmo dentro do que o filme requeria, do que o Darcy sussurrante.

Acho que é a zumbi mais sinistra do filme.
Entre tantas bobagens divertidas do filme, destaco a referência à cena da camisa molhada de Collin Firth (BBC, 1995).  Parece que virou cânone e acredito que muita gente deve até acreditar que está no livro.  A cena, no entanto, foi curta e sem Elizabeth como espectadora.  Qual a graça então?  Já o pedido de Darcy, outra cena chave no original, ficou surreal ao degenerar em uma batalha entre os protagonistas.  Ficou engraçado e constrangedor ao mesmo tempo.  A pouca sensualidade deliberada do filme está ali, só que, não sei se é má vontade, mas faltou química entre Riley e James.

Já caminhando para o final, acredito que um dos pontos altos do filme seja maquiagem, seja ela tradicional, ou fruto de efeitos digitais.  Os zumbis são convincentes.  Além disso, o figurino do filme é um dos pontos altos da produção, exatamente porque não era objetivo de um filme desse tipo se mostrar excelente neste quesito.  As adaptações da indumentária de época para atender às necessidades de uma sociedade militarizada e mobilizada na caçada aos zumbis é foi muito feliz, por assim dizer.  De resto, o filme cumpre a Bechdel Rule por pouco, já que há a cena de Jane e Lizzie conversando sobre Lydia.  Ainda assim, tal e qual no original, o filme é cheio de mulheres interessantes e ativas, mais ainda que no original, aliás, já que promovidas à caçadoras.

Destaque para maquiagem e figurino.
Concluindo, Orgulho e Preconceito e Zumbis é divertido.  Não é um grande filme, longe, muito longe disso, mas é muito melhor que várias coisas que aparecem em nossos cinemas.  Talvez as mudanças feitas, a maioria delas, na verdade, tenham cooperado para tornar o filme mais palatável para pessoas como eu.  Só que eu não sou tão purista assim, afinal, uma das minhas versões de Orgulho e Preconceito favoritas é Lost in Austen.  De qualquer forma, senti falta de melhor desenvolvimento das tramas e um excesso de correria que comprometeu o resultado final.  De 5 estrelinhas, daria 2 e meia, em algumas passagens 3.  E isso é muito além do que eu poderia sonhar dizer sobre esse filme.  

2 pessoas comentaram:

Eu adoro o livro e assisti ao seriado e ao filme... mas esse aqui não rola kkkk
Como vc eu prefiro vampiros. Zumbis não são muito interessantes, na minha opinião.
Tenho amigas que não entendem como eu não curto the walking dead, mas é questão de gosto, né.
Vc vai assistir Star Trek? Estou curiosa pela sua opinião sobre o filme.

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