sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Comentando Lady Bird: A Hora de Voar (Lady Bird, 2017)



 Ontem, assisti ao filme Lady Bird, uma das sensações do último ano, um filme que, em determinado momento de 2017, teve 100% de críticas positivas no site Rotten Tomatoes.  Sua nota nesse site é muito elevada, 8.8.  Estreou estrondosamente nos Estados Unidos com excelente bilheteria e foi aclamado em alguns festivais.  Como desdobramento, recebeu indicações para vários prêmios.  Credenciais de público e crítica são importantes, mas temos ainda três detalhes importantíssimos trata-se de uma história de amadurecimento (coming of age) centrada em uma garota e o filme foi escrito e dirigido por uma mulher, a jovem (*não sabia que era tanto*) Greta Gerwig.  

Respiro fundo agora.  Queria muito escrever que amei o filme, mas não, o que vi foi uma película arrastada sobre, que não aprofunda discussão alguma das várias que teve a chance de agarrar, cheio de clichês e que não oferece uma protagonista que consega angariar apoio ou simpatia, a despeito da interpretação que rendeu para Saoirse Ronan sua terceira indicação ao Oscar  Decepcionante.  Aposto que estaria muito mais satisfeita se tivesse assistido Três Anúncios para um Crime, ou Pantera Negra. E aviso que talvez entregue spoilers ao longo do texto.


O centro do filme é a relação entre mãe e filha.
Resuminho da história: Estamos em 2002, os norte-americanos ainda sob o trauma do 11 de Setembro, Christine McPherson (Saoirse Ronan) está no último ano do colegial de uma escola católica para meninas na cidade de Sacramento.  Ela mora com sua mãe, Marion (Laurie Metcalf), uma enfermeira que se esforça para sustentar a família, seu pai (Tracy Letts), que sofre de depressão a vários anos, seu irmão adotivo, Miguel (Jordan Rodrigues) e a cunhada (Marielle Scott).  Christine tem vergonha da sua família e odeia seu nome, por isso, deseja ser chamada de “Lady Bird”.  

A jovem passa os dias na escola junto com sua melhor amiga, Julianne (Beanie Feldstein) sonhando em cursar uma faculdade na Costa Leste, em especial, Nova York.  Ela detesta sua cidade natal e vê  aquele mundinho como pequeno demais para sua genialidade.  Só que sua mãe não acredita que a família possa sustentar seu curso em outra cidade, ou mesmo que a filha tenha capacidade de ser admitida – quanto mais com bolsa de estudo – em alguma universidade renomada.  Ao longo do filme acompanhamos, principalmente, as experiências de Lady Bird na escola, sua interação com os colegas, a tentativa de alcançar o seu sonho, deixar a família e Sacramento, e os conflitos com sua mãe.


Você largaria sua melhor amiga de uma
vida inteira?  Lady Bird faz isso.
Espero que a resenha seja curta, porque não acredito que Lady Bird valha o esforço de um A Forma da Água, O Destino de uma Nação, ou mesmo, olha só um primeiro elogio, Dunkirk.  Se efetivamente a diretora e roteirista passou anos escrevendo (*ela nega que o filme seja semi-biográfico, mas não me convence*) o seu roteiro, na verdade uma colcha de retalhos cheia de lugares comuns e condescendência para com a imaturidade excessiva de uma moça de 17-18 anos, alguém precisava tê-la chamado para conversar.  Só que Lady Bird fez sucesso e Greta Gerwig deve ser a mais jovem diretora indicada e, talvez, um dos mais jovens entre todos os diretores já indicados ao Oscar.  Espero que não vença, nem direção, nem filme, nem roteiro, ou terei que ficar aqui lamentando como quando deram melhor direção para Kathryn Bigelow por Guerra ao Terror.

Quando terminei o filme, na verdade, ao longo dele, fiquei me perguntando se não estava de má vontade com Lady Bird.  Será que se eu fosse adolescente, ou jovem, não seria tocada pelo filme?  Só que lembrei de filmes com adolescentes que eu assisti já adulta, por exemplo, do excelente As Vantagens de Ser Invisível, ou mesmo a comédia Saved (*que eu nunca comentei aqui*) e, não, eu sei que não foi má vontade.  Imaginei que iria ao cinema para ver um filme sobre uma jovem talentosa, rebelde, sim, mas que tinha seus sonhos de futuro tolhidos, porque nos EUA não temos universidades públicas e é muito caro cursar o ensino superior.  O que eu vi foi uma adolescente de 17-18 anos (*ela faz aniversário no quarto final do filme*) que não valoriza nem o esforço feito pela mãe, que nãos e esforça nos estudos, que não pensa duas vezes em trocar sua melhor amiga desde sempre para se integrar ao grupo dos populares da escola fingindo ser o que não é, uma garota de classe média alta.


Danny não foi honesto, mas eu consigo ter simpatia por ele.
Sou professora do terceiro ano desde 2008, e Lady Bird parece aqueles alunos que, ao chegarem no derradeiro ano do ensino médio, descobrem que vão ter que fazer um concurso – ENEM, vestibular, exame para alguma escola militar superior – ou trabalhar e não sabem o que fazer, porque nunca se preocuparam em estudar.  Daí, vale tudo, colar, destruir os diários do professor, mentir.  Nossa protagonista faz tudo isso, menos sentar e estudar.  Ela mesma diz que ninguém aprende nada no último ano do colegial, vai mal no SAT (Scholastic Aptitude Test ou Scholastic Assessment Test), que ajudaria muito na sua admissão em uma faculdade.  Ainda assim, ela sonha com uma faculdade cara, de elite, do outro lado do país.  Só que ela não quer, nem tem condições, sequer de ir para Berkeley, uma excelente universidade na Califórnia.  Seu irmão e cunhada cursaram esta universidade e, bem, ela não tem nenhum remorso em dizer que eles foram beneficiados por pertencerem a minorias.  O jovem é latino, a cunhada, negra.

Acredito mesmo que se o foco do filme fosse a relação mãe e filha, ele poderia ser melhor.  Se ele dividisse os holofotes com Jules, a amiga gorda e com baixa autoestima, mas muito simpática e inteligente, ou o primeiro namorado de Christine, Danny (Lucas Hedges), que a usa para esconder da família – católica, muito conservadora – que é gay, mas não é um sujeito horrível, mas somente um adolescente sob intensa pressão, o filme seria melhor.  Só que o filme se foca em Christine “Lady Bird”, cuja única preocupação é ir embora de Sacramento, se afastar da família, e reclamar da vida.


Mensagem do filme: se seu namorado
parece tímido, ele pode ser gay.
O filme também estereotipa os adolescentes ricos.  Eles são todos insensíveis, promíscuos, e usam Christine, quando, na verdade, ela acredita que os está usando.  Jenna Walton (Odeya Rush) é a garota mais rica da escola e Christine troca Jules por ela.  Se aproxima, oferecendo-se para pregar uma peça na freira que repreendeu a garota rica por estar com o uniforme fora do padrão.  Ao descobrir que Jenna é amiga de Kyle (Timothée Chalamet), ela dá as costas de vez para Jules, para o grupo de teatro da escola e mergulha em uma vida que não é a dela.  Até que as suas mentiras sobre onde mora caem por terra, envergonhando-a diante dos novos "amigos" e magoando sua mãe.

Kyle,  o novo amor de Lady Bird, é um jovem metido à intelectual, que fala de-va-ga-ri-nho, parece sempre entediado, se diz contra o sistema e não usa celular (*ainda um luxo na época*), porque não quer que o Estado o espione.  Só que seu quarto – nós o vemos quando ele e Lady Bird transam pela primeira vez – é cheio de todos os privilégios e tecnologias que o dinheiro pode comprar.  Discurso descolado da prática, mas, até aí, ele é uma personagem possível.  O jovem não vê Lady Bird como alguém especial, mas não é desonesto quanto a isso, não é mesmo.  Já a moça, que parece ter o dedo podre para homens, romantiza a relação e se frustra.  Talvez a melhor cena do pai da protagonista, já lá no final do filme, seja exatamente aquela em que ele diz para a filha que “ela merece mais”.  Sim, nenhuma mulher, nem nenhum homem, merece ser tratada como qualquer coisa.  Ainda bem que pelo menos esta mensagem o filme pareça passar.


Aí você troca o namorado-gay pelo intelectual rico
que acha que é anarquista e trata você como qualquer coisa.
Já Jenna, se rebela contra a escola, mas repete a cantilena de que suas filhas lá irão estudar.  Eu estudei no segundo ano em uma escola tradicional, e tivemos uma palestra uma vez em que nos disseram que, agora, odiávamos o colégio, mas que daqui alguns anos estaríamos na fila para colocar nossos filhos lá, porque confiávamos na qualidade da instituição.  Lady Bird poderia fazer a crítica a este pensamento, mas a mensagem final do filme não é bem assim... Interessante é que Jenna adolescente verbalize isso, porque, normalmente, esse tipo de pensamento só aflora anos depois de termos deixado um ambiente que encarávamos como repressivo.

Falando da mãe de Christine,  Laurie Metcalf talvez seja a única que mereça ganhar uma estatueta por esse filme. E aviso que minha simpatia é muito mais para ela do que para a filha. Marion é uma mulher sobrecarregada e que luta para manter a família unida e em condições minimamente confortáveis.  Ela parece dura, enquanto o pai é só afeto e compreensão, mas acolhe a namorada do filho, Shelly, que parece ter sido expulsa de casa.  Ela segura as pontas quando o marido depressivo perde o emprego, tenta garantir que os seus continuem tendo serviço de saúde e uma vida segura, mas ela não pensa duas vezes em jogar na cara da filha o quanto de esforço faz por ela.  A relação mãe e filha é intensa e doente durante quase todo o filme e parte da revolta da protagonista tem sua origem aí.


Sabe a Cordélia de Buffy, então... 
Marion não é capaz de expressar o seu amor e em vários momentos do filme rebaixa a autoestima da menina.  Para ela, Christine não tem condições de ir para uma boa universidade.  Eles não têm dinheiro, ela não quer se endividar mais por uma filha que não parece se esforçar nos estudos.  Ela quer que a moça vá para a universidade, mas perto de casa, uma faculdade barata.  Para demovê-la de seu sonho – que não é estudar, vejam bem, mais ir para a Costa Leste – ela a compara com o irmão, que mesmo sendo muito esforçado e inteligente, não conseguiu se colocar na vida depois de formado  Não se deve comparar os filhos, isso pode causar um estrago sem tamanho e eu Já acompanhei uns casos que nãos terminaram bem...

Por mais que eu entenda a pressão sobre Marion, e eu não quero me tornar uma mãe como ela para a minha filha, ela não agiu da melhor forma com Christine.  O que fica da relação é que a mãe  tinha medo de deixá-la voar, o título do filme não é à toa.  Lady Bird é filha temporã, muito desejada pela mãe, e Marion parece não conseguir imaginá-la longe, em perigo, fora de seus olhos.  A própria neurose da mãe com escolas públicas, os gastos que assume para que ela frequente uma escola particular – ainda que com bolsa – estão ligadas a isso.  Sabe aquele tipo de gente que acredita que uma escola mais rígida, religiosa, vá impedir que os filhos se metam em confusão?  Simpatizo com Marion, ela é uma guerreira, por assim dizer, mas está longe da perfeição e tem grande responsabilidade em alguns comportamentos da filha.


Se sua mãe não quer, ou pode,  comprar uma
bobagem qualquer
.  Roube.  Normal fazer isso.
Não vou comentar como, mas Christine consegue o que quer, ela sai de Sacramento.  Ela também compreende a extensão – é uma das poucas cenas tocantes do filme – o amor da mãe por ela, pois o pai coloca dentro da mala da menina o diário que a mãe mantinha desde muito tempo, contando tudo o que sentia e o que queria dizer para a filha e não conseguia.  Daí, processa-se um milagre.  Christine se descobre absolutamente apaixonada e reverente em relação à mãe.  Até aí, OK, só que ela, que era muito crítica à religião, se vê  cheia de fé e com saudades  de Sacramento.  Assim, tudo em um estalo.  

O filme, no fim das contas, passa uma mensagem conservadora e nostálgica que uma personagem não teria como processar em poucos dias, demoraria anos para que ela realmente acreditasse que não existe lugar melhor que o lar. E terminamos com a quase certeza de que ela vai voltar para Sacramento um dia e colocar suas filhas, caso as tenha, na mesma escola católica, se forem meninos, podem ir para a escola masculina gêmea que era frequentada por Danny e Kyle.  É terrivelmente frustrante ter que escrever que Lady Bird se torna pior ainda conforme eu penso sobre ele, mas sei que não o terei na cabeça por muito tempo, salvo se ele vencer o Oscar este ano.


Uma relação difícil, uma mãe que às vezes
exagera, mas isso não limpa a barra da protagonista, não.
Antes que eu termine, não chequei a censura do filme, mas há algo em Lady Bird que ficou realmente ridículo.  Na primeira vez da personagem, única cena de sexo do filme, a moça fica com sutiã durante toda a sequência.  Não sei.  Ela espera tanto, o momento é tão especial para ela, e ela não tirou toda a roupa?  Qual o motivo disso?  Puritanismo?  Outra coisa, há uma personagem, um padre negro que ensaiava o musical da escola.  Ele desaparece em dado momento, ninguém na escola explica detalhes aos alunos (*normal*) e há uma cena rápida dele com a mãe de Lady Bird no hospital.  Ela é enfermeira na ala psiquiátrica.  E não fica claro o que ele tem, o que houve, não o vemos mais.  Não faz sentido.

É isso.  O filme cumpre a Bechdel Rule, mas não sei se ele é um filme feminista aos meus olhos. Querer voar, sem se esforçar, as custas dos outros, não é uma atitude feminista. Ter uma protagonista mimada e insensível aos que estão ao seu redor por boa parte do tempo, não o qualifica como feminista, nem ter sido escrito e dirigido por uma mulher. Reforço ainda que com tantas mulheres diretoras que mereceriam indicação e tão poucas indicadas, é realmente absurdo que  Greta Gerwig  tenha chegado lá.  Enfim, se você não estiver muito a fim de ver Lady Bird, guarde o seu dinheiro para outro filme, porque certamente há coisa muito melhor em cartaz.  Fora isso, as legendas são bem ruins.  Colocam uns abrasileiramentos como ENEM (*Deveria ser SAT - Scholastic Aptitude Test ou Scholastic Assessment Test), CPF (*O certo seria SSN – social security number), que são absolutamente desnecessários.  E acabou.


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