domingo, 4 de fevereiro de 2018

Comentando O Destino de Uma Nação (The Darkest Hour, 2017)


Sexta-feira assisti O Destino de Uma Nação (The Darkest Hour), estrelado por Gary Oldman no papel de Winston Churchill, primeiro-ministro britânico durante boa parte da II Guerra Mundial.  O título do filme se remete ao dramático mês de maio de 1940, quando os alemães avançaram sobre a Holanda e a Bélgica em sua invasão da França, encurralando as tropas britânicas em Dunquerque (*resenha do outro filme aqui*).  O Destino de Uma Nação mostra os momentos dramáticos, a indecisão diante de um acordo com a Alemanha, e tudo mais que envolveu a decisão britânica de ir à guerra de verdade contra os nazistas.  Agora, é bom destacar, porque parece que houve quem não tenha entendido, centrado na figura de Churchill, ele é o eixo do filme de Joe Wright (Orgulho e Preconceito, Desejo e Reparação, Ana Karenina), tal e qual uma lâmpada que atrai com sua luz os insetos.  De resto, a melhor última cena de filme que eu vejo em muito tempo.  Papéis voando e minhas lágrimas quase caindo.

Resuminho rápido: maio de 1940, os conservadores perdem maioria no parlamento britânico e os liberais e trabalhistas não aceitam mais Neville Chamberlain (Ronald Pickup) como primeiro-ministro.  Os alemães avançam rápido rumo à França e é preciso decidir que rumo seguir.  Winston Churchill (Gary Oldman) é o único nome que a oposição parece aceitar, mas, ainda assim, com forte oposição dentro de seu próprio partido e do próprio rei (Ben Mendelsohn).  A partir daí, acompanhamos os dias decisivos, os embates de Churchill com outros políticos, a retirada de Dunquerque, sua interação com a esposa Clemie (Kristin Scott Thomas) e a secretária particular, Elizabeth Layton (Lily James).  Horas decisivas para um homem marcado por uma grande derrota: Galípoli.  

O original e Gary Oldman.
Uma das coisas interessantes de O Destino de uma Nação é que ele consegue ser um filme biográfico sem flashbacks e retratando de forma intensa poucos dias da vida de uma personagem.  No filme, temos um Churchill antes de ter se tornado o ícone que liderou a resistência britânica durante a II Guerra Mundial.  É estranho ver um Churchill em tela que é visto pela maioria como um sujeito pouco confiável e marcado por erros tão retumbantes que seus acertos são obliterados por ele.  Em dado momento, acredito que é Halifax (Stephen Dillane), o preferido dos conservadores para se tornar primeiro-ministro e que declinou da indicação, quem faz a observação, é dito que Churchill tem 100 idéias brilhantes por dia, 96 absolutamente erradas.

O filme capta bem as contradições do homem que podia ser afetuoso e grosseiro, que tinha uma personalidade oscilante e hábitos pouco recomendáveis, como beber muito e desde o início do dia.  Aliás, e fui ao site History vs Hollywood em busca de subsídios, a cena rápida entre Clemie e Churchill na qual a esposa diz que estão falidos se baseou na realidade, o político gastava demais, porque gostava de bebidas e charutos caríssimos.  Só conseguiu se assentar economicamente depois de receber o Nobel de Literatura, exatamente por suas memórias da II Guerra. Enfim, uma das coisas que eu mais gostei do filme foi exatamente a forma como retrataram a relação de Churchill com a esposa e companheira de uma vida, Clementine.

Adorei as cenas dos dois.
Li críticas reclamando do fato de Kristin Scott Thomas ter sido pouco aproveitada.  Olha, o que eu assisti foi o aproveitamento intenso de uma grande atriz em cenas que foram preciosíssimas para compreender o elemento central do filme, Churchill.  É possível perceber sem esforço o quanto uma esposa poderia ser importante para o avanço da carreira do marido, dentro dos altos círculos da sociedade.  Pegue o discurso de Clemie quando comemoram a indicação de Churchill ao cargo de primeiro-ministro junto com os filhos.  Depois, ela aparece tanto animando, quanto repreendendo o marido e são preservados até os apelidos carinhosos que um utilizava para o outro, “cat” e “pig”.  Segundo li, Clemie chamava Churchill de “pug”, também, mas ele – o Churchill original, porque o rosto de Gary Oldman não ficou do mesmo jeito – me lembra mais um buldogue inglês mesmo, não um pug.

Enfim, a outra personagem feminina importante é a secretária, Elizabeth Layton.  E percebam que eu poderia ficar falando um monte dessas duas personagens.  Raro um filme sobre um homem, passado em um ambiente eminentemente masculino, ter personagens femininas importantes e que façam sentido dentro da história.  A esposa e a secretária aparecem inclusive em um dos cartazes de O Destino de Uma Nação, logo atrás da protagonista.  O diretor se preocupou até – e palmas, porque a maioria nem liga – em pontuar algumas poucas deputadas na Câmara dos Comuns, além de colocar pessoas de cor nas ruas de Londres, porque, bem, em uma das maiores metrópoles do Globo, sede de um Império multirracial, tinha que ter gente não branca circulando.  Mérito do filme, da produção, do diretor.

O cartaz que citei.
Voltando para a secretária, ao que parece, Lily James está suplantando Keira Knightley na escalação de papéis em filmes de época.  James é mais jovem, claro, mas fosse esse filme feito uns 5 anos atrás, teríamos Knightley no papel, basta pegar o histórico dela com o próprio diretor.  Layton foi secretária de Churchill, mas, não, no momento que o filme retrata, agora muito do que aparece no filme, da relação do primeiro-ministro com a secretária se baseou no livro escrito por ela, “Personal Secretary to Churchill from 1941-1945”.  Inclusive os subterrâneos onde o gabinete de guerra se reúne, só foram usados posteriormente, exatamente quando Layton já servia Churchill.

Aliás, os altos e baixos de humor de Churchill, se expressam muito bem na relação com a secretária, a forma abusiva até como eram tratadas essas mulheres, não raros jovens, que buscavam um lugar no mundo do trabalho.  O filme é muito coerente, também, ao retratar a forma como as mulheres eram tratadas dentro do quadro de funcionários do Estado.  Elas eram parte, mas não eram tratadas com como colegas, mas com complacência.  Salas interditadas para elas (*isso aparece ainda em Estrelas Além do Tempo, lembram da cena?  E isso quase vinte anos depois*), ambientes pequenos e nada acolhedores.  E devo pontuar que Lily James está bem no filme, embora eu ainda tenha muito forte a imagem e a atuação dela em Downton Abbey na minha cabeça.  

Ser secretária de Churchill era um trabalho difícil.
O filme tem algumas cenas inventadas para aumentar a carga dramática e intimista. Alguns exemplos: A secretária perdeu o irmão em Dunquerque e, mesmo assim, permaneceu firme no seu posto de trabalho.  Outra cena muito discreta, mas de apelo emocional (*era preciso ter conhecimento prévio nesse caso*) é quando Churchill vai ao parlamento como primeiro-ministro pela primeira vez e Clemie lhe dá uma espécie de talismã, tenho quase certeza de que era algo referente (*havia datas*) à filha do casal que faleceu na infância.  Em outra cena, quando Churchill está angustiado e descomposto em um cômodo entulhado e recebe a visita do rei, há o quadro de uma menininha, tenho quase certeza que é Marigold.  Todo aquele apoio do rei, que o tinha hostilizado, é outra dessas cenas para efeito dramático, porque o rei demorou muito mais a considerar Churchill um amigo.  Poderia citar outras.  Mas a grande invenção é a cena do metrô.

Churchill diz em determinado momento do filme que nunca andou de metrô, que tentou, mas se perdeu.  Lá pelas tantas, quando ele está pendendo para um acordo com os alemães, ele sai do seu carro e desaparece no metrô.  Lá, ele tem contato direto com o povão, por assim dizer, que lhe passa a segurança e a força que ele precisa para fazer o certo, isto é, manter o Reino Unido na guerra.  Tal situação não aconteceu, mas o diretor defendeu a sequência sob o argumento de que Churchill costumava desaparecer sem dar satisfações, sem dizer para onde ia.  O termo em inglês é Absent Without Official Leave (AWOL), ou ausentar-se do posto sem uma notificação oficial. Daí, a cena ser possível e ter uma função dramática importante dentro do filme.  É o momento de virada que tira o primeiro-ministro da defensiva e o coloca na posição de verdadeiro líder consciente em um tempo de crise.

No metrô.
De resto, o tom emocional é muito forte ao longo do filme, Joe Wright tinha que deixar uma marca, mas é um filme claustrofóbico, escuro, marcado pelos discursos de Churchill, pelas cenas distantes da guerra, pelo medo da personagem de fracassar novamente, como seus adversários esperavam, e, ao mesmo tempo, a certeza de que não se negocia com fascistas.   “Não se negocia com o tigre, quando sua cabeça está em sua boca”.  Uma crítica do History vs Hollywood ao filme é que ele mostra Churchill aceitando negociar com os alemães via Mussolini.  O que é mais aceito é que ele tentou ganhar tempo para garantir que os soldados fossem retirados de Dunquerque.  Eu, se tivesse que escolher a versão, ficava com a versão ardilosa e, não, a desesperada.

E, bem, preciso comentar que adorei a interpretação do Gary Oldman, o discurso final vai entrar para a lista dos grandes discursos reais retratados pelo cinema (*junto com o de Henrique V, o de Tilbury que aparece em todo filme sobre a vida de Elizabeth I que mostre a Invencível Armada.  Eis aqui o de Helen Mirren. Esse é o de Anne-Marie Duff.  entre outros.*), mas acho que o meu Churchill favorito, o que mais me impressionou, até porque eu nada esperava, foi o de John Lithgow em The Crown. E outra coisa difícil para mim foi não comparar as interpretações dos atores sem O Destino de uma Nação com os de The Crown, porque basicamente era a mesma turma política, salvo o Chamberlain que já tinha morrido.  E, para quem não identificou, o político chamado somente de Anthony (Samuel West) por Churchill, que aparece sempre como um elemento de apoio, ao contrário de Halifax e outros, é o futuro primeiro-ministro Anthony Eden, interpretado em The Crown por Jeremy Northam.

Churchill tinha uma pronúncia às vezes difícil de entender.
Curiosamente, e um amigo comentou isso, foram muitos atores interpretando Churchill ultimamente.  Somente em filmes para o cinema e TV no ano passado, quatro: Gary Oldman, Brian Cox, Michael Gambon e John Lithgow.  Muita popularidade ultimamente. Há uma página da Wikipedia só sobre as representações de Churchill na cultura popular e é bem extensa.  Enfim, Gary Oldman não engordou para o papel, mas passou por um pesado trabalho de maquiagem (*acho que levará o Oscar aqui*).  Ele ficou parecido com o primeiro-ministro, mas, não, igual.  Seu Churchill parece cansado e mesmo adoentado no início do filme, mas ganha vigor quando discursa e, bem, ele coloca a língua no campo de batalha.  E, bem, Churchill era um grande orador e Gary Oldman valoriza os discursos grandiosos e todas as cenas possíveis.

Outra coisa, gostei muito do George VI de Ben Mendelsohn. Dói até um pouquinho escrever isso, mas acho que ele tinha muito mais o tipo físico do rei do que o Colin Firth e quem me conhece sabe que eu gosto imensamente do Colin Firth. Muito mesmo. Agora, fato é que o Ben Mendelsohn tem algumas cenas somente e não um filme inteiro para carregar nas costas. Ah, li uma crítica dizendo que ele não tem carisma e nem é gago, quem escreveu não prestou atenção que em momentos de tensão ele gaguejava sim, fora que aquele tratamento todo em O Discurso do Rei era exatamente para conseguir superar esse problema, né?  E o rei superou.

Fisicamente, Ben Mendelsohn é muito parecido com rei.
Antes de concluir, falemos de Galípoli, porque discuti tanto isso com meu marido que preciso trazer alguma coisa para cá.  A campanha de Galípoli pretendia ocupar o estreito de Dardanelos, ocupar pontos estratégicos do então Império Turco-Otomano, um Estado em crise e aliado da Alemanha.  Churchill era o 1º Lorde do Almirantado e sobre os ombros dele recaiu o peso da derrota.  A maioria dos britânicos mortos eram soldados australianos (*primeiro papel importante de Mel Gibson foi no filme Galípoli*) e neozelandeses.  Foi uma tragédia, mas no filme Churchill reclama que poderia ter vencido se os almirantes tivessem se esforçado mais.  E Churchill ainda acrescenta que se perdeu muito mais homens na Bélgica (*Dados somente da Batalha do Somme*), por qual motivo esse drama com Galípoli?

O que me importa comentar aqui é o seguinte.  Turcos e britânicos perderam praticamente o mesmo número de soldados.  E prefiro, ao invés de se dizer que os britânicos perderam, afirmar que os turcos ganharam.  Deram seu sangue, estavam defendendo a sua pátria (*e isso os coloca em vantagem*), a soberania e integridade do seu país, tinham um líder militar que não era qualquer coisa, não, era Mustafá Kemal, e quase perderam.  

Como confiar no homem que perdeu em Galípoli?
O que eu quero dizer é que valorizam muito mais a derrota de Churchill – que nem foi somente dele, aliás, porque ele não comandou sozinho – e não dão a mínima para a vitória dos turcos.  É como na Guerra do Vietnã, os americanos perderam.  Sim, perderam, mas os vietnamitas, com todas as suas desvantagens acreditadas por um adversário mais forte, venceram.  Sabe qual é o ponto X da questão?  Não é somente a derrota, mas perder para quem você considera "naturalmente" inferior.  Perder para alemães, franceses, e outros europeus, OK, perdeu para turco, vietnamita, chinês, japonês, whatever, VERGONHA.

Outra coisa, o rei George VI não gosta de Churchill, porque o acusa de ter apoiado o casamento do irmão, Eduardo VIII, como Wallis Simpson.  Meia verdade aí.  Assim como a maioria dos ministros e políticos e família, Churchill tentou demover o rei do seu intento.  Só que Churchill, mais do que outros atores envolvidos, parece ter percebido que Eduardo VIII tinha inclinações populistas e fascistas, inclinações muito fortes (*documentário aqui*).  Daí, era melhor que ele se retirasse mesmo.  E Churchill deixou de pressionar para que o rei abrisse mão da mulher que amava, uma mulher que não era somente americana (*como a mãe de Churchill, aliás*), mas duas vezes divorciada e abertamente nazista.  Lembra que lá em cima eu pontuei que Churchill era antifascista?  Então, o fato dele ser conservador e de direita no campo político, não o tornava fascista ou favorável a esse tipo de regime. 

Cat e Pig.
É isso.  Não sei se o filme cumpre a Bechdel Rule, como pontuei, para um filme sobre homens e um ambiente masculino, ele tem personagens femininas importantes, fortes, ainda que em papéis tradicionais, por assim dizer, esposa e secretária.  Fora isso, grande interpretação de Gary Oldman, se lhe derem o prêmio será mais que merecido, mas não daria o Oscar de melhor filme para O Destino de Uma Nação.  O filme está concorrendo a seis, mas quatro são técnicos, por assim dizer.  Alias, esse título me parece mal escolhido, porque ele abre algo que é íntimo.  A “darkest hour” – seu momento mais terrível – de Churchill pode ser a da nação, também, mas “o destino de uma nação” sugere muito mais algo coletivo e, talvez por isso, muita gente esperava não um filme sobre Churchill, mas sobre a decisão do país de continuar, ou não na guerra.

1 pessoas comentaram:

Excelente comentário! seu comentário me fez assistir ao filme e adorei suas colocações sobre ele. Adoro filmes de figura históricas\políticas, mesmo aqueles que a crítica e público não curtem muito, como A Dama de Ferro, até mesmo Jackie. Acho que gosto tanto desses tipos de filmes por serem mais raros de serem feitos.

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