quinta-feira, 12 de julho de 2018

Vou tentar Manter a Júlia longe da Maioria dos Desenhos da Cartoon


O post a seguir é sobre maternagem e, talvez, uma das coisas mais moralistas que eu já escrevi.  Então, se não quiser ler, pode pular, OK?  Ser mãe e educadora é parte da minha vida.  Mas o X da questão é o seguinte, como vou ensinar minha filha que bullying é errado, que destruir a natureza é errado, que debochar dos mais fracos, dos gordos, dos "feios" (*está nos olhos de quem vê*) é errado se eu deixo que ela veja desenhos que apresentam tudo isso como "legal", "engraçado", coisas que os heróis fazem e não precisam se explicar, ou se desculpar depois. Vou tomar um único exemplo, Teen Titans Go!, que tem na Netflix, mas Júlia (*e eu, por tabela*) assistimos pouco.  Ela preferem Gumball, o que não é muito melhor, mas, pelo menos, são pessoas comuns, não super-heróis, isto é  modelos, gente que luta contra o mal.

Enfim, como essa série Teen Titans Go! é muito problemática! Antes eu só a achava boboca, mas, nessas férias, a Júlia está assistindo Cartoon Network na casa dos avós, a série passa o tempo inteiro, quase que alternando com as outras do canal. Com mais material de análise  cheguei a conclusão de que o novo Titans não é somente mais um dos desenhos idiotas do canal, porque venhamos e convenhamos, todo o material da Cartoon é um pouco nessa linha, mas Teen Titans Go! carece de todas as qualidades da série anterior.

Piadas gordofóbicas?  Também tem.
Para começo de conversa, todas as personagens se tornaram idiotas, com Ravena em uma ponta como a menos imbecil e Estelar na outra como uma figura totalmente tonta e obcecada por coisas fofinhas. Estimula piadas de mau gosto, porque é basicamente uma personagem fazendo isso com a outra quase o tempo todo. Parece um série de dicas para se torar um "babaca". E não estou falando de papéis de gênero, não estou analisando isso no texto, mas de valores que eu considero importantes como solidariedade, amizade, respeito ao próximo, compaixão etc.  Enfim, dois episódios em particular eu gostaria de comentar: Pie Bros e Staff Meeting.

Pie Bors começa com Mutano fazendo um desenho para Cyborg no seu aniversário. Ele diz que são amigos quase irmãos e que ninguém conhece Cyborg como ele, quando Ravena coloca em dúvida se o outro irá entender o presente. OK, antes que ele dê o desenho, Cyborg diz que queria um videogame super tecnológico de presente. Mutano vai trabalhar para pagar pelo presente que seu amigo deseja receber. Um ato nobre, mas Cyborg fica com raiva de não ter o amigo com ele o tempo inteiro. Como trabalha em uma fast food, emprego típico de adolescente, Cyborg humilha Mutano, faz todo o tipo de troça por ele estar trabalhando em uma função tão humilde. Suja para que ele limpe, reclama do serviço, enfim. 

O aniversariante.
Eu estava assistindo com Júlia e fiz uma intervenção comentando que todo trabalho é importante, todo trabalho é útil e que o comportamento de Cyborg era inaceitável.  Será que o desenho é mais forte que eu?  Não sei.  No final, tudo fica bem entre os dois, mas nenhum pedido de desculpa, ou mesmo uma fala que pudesse marcar o "fui babaca, não serei de novo". Morre ali.  Na verdade, não há continuidade visível entre um episódio e outro, tudo é meio estanque, sem que uma ação de um episódio gere alguma consequência, transformação, reflexão em outro episódio.

A gota d'água pra mim foi o de ontem com Staff Meeting. Robin tem um bastão, sua relação com ele é obsessiva. Como não podia deixar que ser dentro da estrutura do desenho, os "amigos" destroem o tal bastão. Mutano o usa inclusive para desentupir o vaso sanitário. Diante da incapacidade de consertar o bastão e da depressão de Robin, Ravena sugere, então, que ele parta em uma jornada até uma árvore mítica que existe desde o início dos tempos e que possa superar a dependência. 

Imagina se eles  não iriam destruir o bastão de Robin.
A jornada é duríssima, Robin chega até a árvore, eles conversam e, do nada, o herói começa a derrubar a árvore para fazer um bastão. A árvore suplica, chora, mas é destruída. Robin tira um mero galho. O tal galho até se convence de que uma vida de aventuras é interessante. Só que, ao voltar, o bastão foi consertado e Robin joga o novo bastão no lixo.

A árvore mágica foi destruída, virou um bastão e foi para o lixo. Quer dizer, dane-se a natureza, ela está aí para ser explorada pelos humanos mesmo. O galho fica se lamentando, afinal, é um ser vivo (*e mágico*) com sentimentos. O que Mutano faz para  fechar o episódio? Transforma o galho em desentupidor de vaso sanitário com a parte do rosto (*ele tem um rosto*) voltada para baixo. Aquilo me azedou.

Robin derruba uma árvore mítica eterna para retirar um galho.
Júlia foi às garalhadas. Nessa fase Crayon Shin-chan da vida dela qualquer coisa escatológica é uma festa. Ela vai às gargalhadas. Só que imagino se mais alguma coisa dessa bobajada toda não vai ficar como gordofobia, bullying e um monte de coisas inadequadas para crianças (*e gente de qualquer idade*) e que passam sem nenhuma mensagem mais educativa.  Depois, a gente reclama do adulto formado assistindo essas coisas.

Podem me chamar de chata, mas no que eu puder evitar, a Júlia vai ficar longe da maioria dos desenhos da Cartoon por muito tempo. Eles nas suas idiotices e escatologias são bem atraentes, e eu me pego rindo às vezes de alguma piada, mas o ganho futuro deve ser dos mais duvidosos. E não vou levá-la ao cinema para ver Teen Titans Go!  E não estou dizendo que o humor da série precisa ser infantil, primeiro, porque eu percebo que o fator "humor" é muito bem compreendido pela minha criança de quatro anos, mas porque é babaca, é cruel, é próximo do tipo de piada que tornou certas figuras do meio conhecidas e ricas no Brasil.  Vou, inclusive checar a classificação indicativa, porque Livre não deveria ser.  Faltam as insinuações sexuais, mas a gente sabe que isso os americanos toleram muito pouco.

O antigo Teen Titans era cartunesco e muito bom.
E não estou dizendo, também, que é preciso tirar o canal do ar, censurar, ou coisas do gênero. Estou dizendo que as produções do canal já foram melhores mesmo sendo cheias de piadas doidas. Que já foram mais criativas, também, e que são poucos os lampejos de inteligência que eu percebo naquilo que tenho observado no canal.  Fora o character design cada vez mais monótono.  Há coisas menos complicadas (*Meninas Super Poderosas, Ursos Sem Curso*) e coisas muito complicadas. Só que o que ela prefere?  O mais escatológico, é a fase que ela está passando. Mas eu vou oferecer outras coisas para a Júlia e, quando voltar para Brasília, talvez exclua Gunball e Teen Titans Go! da cardápio dela na Netflix.  Fora isso o antigo Teen Titans era muito melhor.  Vou ver se ela não quer assistir aos DVDs que temos em casa.



Caçadores eram vítimas em potencial do Pernalonga.
Para quem não entendeu que a gente hoje pode escolher e que na minha infância, ou na sua, talvez, isso era impossível, o post é sobre isso, também. A gente, eu que fui criança nos anos 1970-80, via o que estava passando, ficava feliz quando alguma coisa diferente e interessante aparecia. Um Caverna do Dragão, um anime, mesmo uma She-Ra, eram uma festa. Além disso, mesmo os desenhos enlouquecidos tipo Pernalonga, eram muito mais críticos do que muita coisa supostamente engajada que temos por aí.  E ponto importante para mim e para o pai da Júlia, também: eles não eram escatológicos.  

Hoje, especialmente com TV por assinatura, streaming e tudo mais, a coisa é muito mais fácil.  É possível escolher. A gente tinha o que tinha no SBT (*sou do tempo ainda da TVS*), na Globo, na Manchete, às vezes, na Record, na Bandeirantes.  E para quem pensou em velhos cartoons com mensagem duvidosa, muitas crianças  e adultos sabiam que Pica-Pau era péssimo no meu tempo de criança, ou que Frajola e Piu-Piu, que é de um sadismo que eu tinha esquecido (*mas muito superior a sua versão depurada que tem péssimos roteiros*), eram cruéis e cansativos, mas o post era sobre como Teen Titans Go! é inferior ao seu original em todos os aspectos e como a maioria dos desenhos da Cartoon hoje segue um padrão ruim de humor, de roteiros, além de ter um character design monótono. 

Quando aparecia um Patrulha Estelar na nossa TV, era festa.
No mais, a gente deve tentar educar gerações melhores que a nossa, porque há evidências suficientes que muita gente não é nada legal e poderia ser muito melhor se tivesse recebido mais atenção e exemplo e disciplina dos adultos ao seu redor. Quando (*e se*) estiver educando uma criança, talvez você reflita sobre isso. Aliás, o ideal é que reflita mesmo.

6 pessoas comentaram:

Oi!
Achei que faz todo o sentido você afastar sua filha desse tipo de desenho, mas ignorando o fato de ser algo do Cartoon ou qualquer outra grande produtora, acho que você deveria deixar que ela assista Steven Universo.
Steven é um dos desenhos mais bonitos que eu vi recentemente. Tem piadas, claro. Sempre tem umas bobeiras. Mas ele também passa diversos tipos de lições exatamente como você procura: saber pedir desculpas, apoiar os amigos nos momentos bons e ruins, dar espaço, respeitar, arcar com suas responsabilidades, enfim.
Desculpa se você já conhece, mas acho que não faz mal dar mais um destaque :>

Muito bom o post! Torcendo pra você ser mais forte que os desenhos hahahah

Oi Valéria! Eu assistia ao antigo Jovens Titãs quando era adolescente, o desenho era muito bom mesmo. Esses dias me deparei com o Teen Titans Go e, nossa, que decepção. A qualidade realmente caiu muito em relação à série original, ficou mais para o mau gosto, mesmo... fico me perguntando o que aconteceu. Se não me engano, essa versão mais nova não passa só no Cartoon, passa também na TV aberta, pelo SBT.

Eu ia escrever um comentáriozão falando de Steven Universe, mas já tem um então só vou reforçar a indicação =)

Tem vídeos do Pop Culture Detective (que era da equipe do Feminist Frequency) falando sobre como o desenho trabalha com diversos conceitos como empatia, consentimento, relacionamento abusivo, masculinidade tóxica, orientação sexual, recomendo muito. É tudo muito leve, muito sutil, é lindo! Vou deixar os links caso tenha interesse em ver =)

Emotional Expression on Steven Universe - https://www.youtube.com/watch?v=5Z5ICVEIRIk

Every Hug On Steven Universe - https://www.youtube.com/watch?v=W7bEY9IpVb0&t=76s

Every Tear on Steven Universe - https://www.youtube.com/watch?v=mNMB1gVOZHA&t=55s

The Subversive Boyhood of Steven Universe - https://www.youtube.com/watch?v=Gvj9ebIePIM

(Na verdade eles falam de alguns desses assuntos, não todos. Mas o desenho trata disso tudo e mais um monte de coisa)

Como sempre, gostei do post, Valéria.
A um tempo essas séries da cartoon vêm me incomodando e esse dos Titãs são uma das gotas d'água. Assisti a versão anterior quando saíram logo poucos episódios pelo SBT, depois, como ainda não tinha tv por assinatura e nem a facilidade da internet, deixei de ver. Não tenho aval para criticar sobre o design e os demais quesitos do aspecto da animação em si, mas em termos de roteiro, piadas e todo o mais, a mudança foi quase que da água para o vinho! Péssimo! Parece um manual de formação de babacas tapados - se isso já não for redundante!

Mas, concordo com a Luisa Leal e era o que pensei em indicar - embora você talvez já conheça - que é o desenho de Steven Universo. Acho bem fluido e agradável. Com a inteligência de Júlia, acredito que até a trama sobre as "Crystal Gems" em pouco tempo será compreensível para ela.
Mas, confesso que tenho ficado frustrada com a atuais produções veiculadas por alguns canais de tv por assinatura.
Ainda sinto saudades da Tv Cultura (TVE aqui da Bahia) e sua programação educativa e mais leve, divertida e para a fase que deveria guardar o máximo de ensinamentos bons. A exemplo, na minha época de Tv cultura os desenhos que mais gostava eram: Camundongos aventureiros; Rupert, o Urso; Arthur; O Pequeno Urso; As aventuras de Babar e outros. Até Caio e Os amigos da
Miss Spider - que achava mais bobinho - eu assistia. Há que se melhorar muito para repetirem desenhos exitosos como aqueles.

Ótimo post! Cresci nos anos 1990-2000 e fico abismada quando penso nas mensagens que alguns desenhos passavam. Eu não percebia, claro, mas não tem como a criança não absorver em alguma medida.

Vim reforçar a recomendação de Steven Universo, que tem uma narrativa ótima e é super construtivo, mas imagino que não seja muito atrativo pra uma criança tão pequena. O desenho de Como treinar seu dragão (o da Nick, não da Netflix) também é ótimo. Se a sua filha tiver gostado do primeiro filme, vai gostar dele também, e a mensagem passada (de respeito aos animais, resolução de conflitos e valorização da amizade) é muito boa.

Acho que também vale a pena conferir Gravity Falls na Netflix. Tem seus problemas, mas é bem engraçado (e absurdo) e deixa algumas boas lições.

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