segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Recordando Lendo Lolita em Teerã, um livro que vem bem a calhar em nossos dias


Esses dias estou com um livro na cabeça, um que talvez devesse reler, Lendo Lolita em Teerã (Reading Lolita in Tehran: A Memoir in Books), de Azar Nafisi.  Como eu ainda estava dando aula no 1º ano, sei que li o livro antes de 2008, acho que li em 2005, pouco antes, ou depois, do lançamento do filme Orgulho & Preconceito com a Keira Knightley.  Foi este livro que me impulsionou a ler Jane Austen.  Trata-se de uma coletânea de memórias de uma professora iraniana de literatura inglesa, suas aulas, seu relacionamento com as alunas e alunos, os problemas que a virada islâmica da Revolução Iraniana (1979) trouxe para as mulheres.  Enfim, uma mensagem forte do livro é que a literatura liberta, dá asas, especialmente, quando se vive em um regime de opressão.

Começo dizendo que não simpatizo em nada com a autora e sou contra várias de suas posições e da forma como ela lê os acontecimentos históricos.  Nafisi é uma ex-socialista, elitista, reacionária até, mas  seu livro é uma delícia de se ler.  E um ótimo complemento para Persépolis, da Marjane Satrapi.  A autora de Lendo Lolita viu a revolução com olhos de mulher adulta, enquanto a Satrapi era uma criança.  Lendo Lolita em Teerã também fala de uma posição à direita, por assim dizer, diferente da leitura de Satrapi dos acontecimentos, e consegue tecer as críticas necessárias aos comunistas durante o processo revolucionário.  De resto, Nafisi deve ser uma dondoca de visão política e social bem limitada, mas sou solidária a ela, porque, bem, nenhuma mulher deveria passar pelas coisas que a revolução iraniana impôs às cidadãs do país.

Minha edição é esta aqui.
Estou recomendando Lendo Lolita em Teerã por vários motivos.   Primeiro deles, aprendi muito de literatura inglesa com este livro.  Lembro que, na época, não tinha lido nada de Jane Austen.  O livro de Nafisi me deu um empurrão, porque em uma dada aula, ela promove o julgamento de Mr. Darcy e eu fiquei com vontade de conhecer aquele homem.  Segundo, porque o livro me deu uma série de informações sobre o dia-a-dia da Revolução Iraniana.  Foi lendo o livro de Nafisi que descobri que a revolução que derrubou uma monarquia tirânica (*e que tinha concedido mais direitos civis às mulheres do que qualquer outra do Oriente Médio*) não começou islâmica, ela se tornou no processo e o partido comunista iraniano pensou que poderia usar os religiosos para neutralizar os liberais. Sabe aquele velho erro das esquerdas que é acreditar que os religiosos são burros?  Pois é... No fim das contas, tanto comunistas, quanto liberais, foram eliminados.  Lembram do tio de Satrapi que aparece no primeiro volume de Persépolis?  Ele voltou da URSS para participar da Revolução e terminou executado pelo novo regime.

Mas por qual motivo eu estou com esse livro na cabeça?  Escrevi lá em cima que a autora era ex-socialista, certo?  Enfim, Nafisi tem forte repulsa pelos movimentos sociais, ela dá falta para os alunos e alunas que estavam participando das manifestações de rua. Ela critica a juventude que ao invés de valorizar suas aulas, preferia "tentar mudar o país".  Daí, os religiosos começam a ganhar espaço na Revolução, uma mulher moderna como a autora começa a ser afrontada pelos alunos homens e por outros seres do sexo masculino que sequer conhece (*Lembram quando a mãe de Satrapi foi quase estuprada no primeiro volume por estar sem véu?*).  Quando ela percebe o que está acontecendo e decide ir para a rua, já era tarde.  Em pouquíssimo tempo, ela terá que usar o véu (hijab), depois o chador completo para sair às ruas.

Protesto no 8 de março de 1979 contra a imposição do véu (hijab)
Nafisi conta caiu em depressão, que ficou muito tempo sem conseguir sair na rua.  Mesmo depois que as universidades foram reabertas, ela demorou um bom tempo para conseguir voltar a lecionar e não durou muito, não se adaptou.  Acabou abandonando o emprego e montando um grupo de leituras com suas ex-alunas.  Daí, o título do livro. Mas a autora, mulher rica, podia largar o trabalho, seu marido era um empresário.  Aliás, o marido de Nafisi, liberal como ela, logo se ajustou ao regime.  Enquanto isso, as mulheres  tinham que usar uma roupa uniforme, porque nos primeiros anos da Revolução Islâmica era desse jeito mesmo e tiveram vários de seus direitos confiscados.  Enfim, os capítulos do grupo de leitura são ótimos, porque conhecemos cada uma daquelas moças, suas esperanças, sonhos, tristeza, lutas.  

Uma das passagens mais tocantes do livro é do choro da filha criança de Nafisi que, por ser mulher, não podia andar de bicicleta (*demorou para ser permitido de novo*), tomar sorvete em público (*era considerado indecente*) e foi punida na escola por estar usando cadarços coloridos em seus tênis.  Outra passagem que me marcou foi quando a autora reencontra uma aluna que antes usava minissaia e roupas modernas, absolutamente assujeitada pelas imposições da revolução.  Há ainda o choque da autora ao saber da execução por apedrejamento da ministra da educação do país.  Sim, o Irã tinha uma mulher ministra de Estado em 1979 e juízas nas cortes superiores.  Podem acreditar, quando se trata de confisco de direitos, são os das mulheres que vão primeiro. E, ainda assim, deploro que a autora não consiga perceber os ganhos sociais gerais com a Revolução, ou culpabilize o Irã pela guerra com o Iraque, quando foi o seu país a ser atacado atacado.  Mas, para ela, seria difícil pesar as coisas, ela vive umas poucas e boas nos anos que se seguiram à Revolução Islâmica.


Concluindo, acabei de ler que 51% do eleitorado feminino brasileiro não decidiu em quem vai votar para presidente.  Nós, mulheres, podemos definir esta eleição presidencial, ou deixar que decidam por nós.  É preciso se mover agora, enquanto há tempo, pois depois que tudo se decidir será muito mais fácil impedir que nossos direitos e dignidade sejam afrontados.  Pessoal que curte séries, basta pensar em The Handmaid's Tale.  Tanto no Irã, quanto no Afeganistão, os direitos das mulheres se perderam com uma rapidez enorme.  E não estou colocando os dois países no mesmo patamar, ser mulher no Irã, mesmo com a Revolução Islâmica, é muito diferente do que ser mulher sob o Talebã, ou mesmo na Arábia Saudita, mas não queria ser mulher em nenhum desses três países, ou em Gilead.  E, para quem quiser, Lendo Lolita em Teerã foi relançado por outra editora.  Tem no Amazon.  Mas a edição antiga, a que eu tenho, pode ser encontrada no Estante Virtual.  O link é este aqui.

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