domingo, 6 de janeiro de 2019

Jornal do Shoujo Café: HQ brasileira é premiada em Angoulême, professores japoneses cada vez mais deprimidos e outras notícias da semana




Chegou o dia do primeiro jornal do ano, ou semanário, porque, bem, não sai todos os dias mesmo.  Recolhi algumas notícias para comentar no domingo.  Notícias gerais,  algumas relacionadas à cultura pop, outras de interesse das mulheres sob uma perspectiva feminista.  Sim, está na descrição do blog desde a criação dele e, não, se você chegou agora, aviso que o Shoujo Café não mudou a política editorial porque estamos quase virando Gillead, é hábito antigo mesmo.  😉

A  capa.
1. HQ brasileira ‘Carolina’ é premiada no Festival de Quadrinhos de Angoulême.  No final de janeiro, entre os dias 24 e 27, estará ocorrendo o maior festival de quadrinhos do mundo na França.  O júri ecumênico do festival, formado por historiadores, críticos, bibliotecários, cartunistas e outros profissionais, concedeu seu prêmio especial deste ano ao livro Carolina, de Sirlene Barbosa e João Pinheiro, publicado originalmente no Brasil pela editora Veneta em 2017.  

Carolina Maria de Jesus vem sendo
muito estudada nos últimos anos.
O volume tem roteiro e desenhos de João Pinheiro, sendo baseado na pesquisa de Sirlene Barbosa, e conta a história da escritora Carolina Maria de Jesus (1914-1977), a autora de Quarto de Despejo, livro publicado em mais 13 países nos anos 1960, e que narra seu cotidiano na favela do Canindé, em São Paulo.  Pelo menos desde a última década, sua obra passa por uma revalorização — a HQ é apenas um dos indícios. Em 2016, o também brasileiro Marcello Quintanilha ganhou o prêmio de melhor HQ policial do Festival de Angoulême com Tungstênio. 

Excesso de trabalho e salários pouco convidativos.
2. Casos de depressão aumentam entre os professores japoneses.  A minha profissão é uma das mais estressantes do mundo.  Pegue qualquer pesquisa  evai encontrar professor no top 10.  Essa matéria do Sora News ressalta que cresce assustadoramente o número de professores afastados de suas funções por motivo de depressão.  A maioria dos licenciados são professores dos níveis mais elementares.  O motivo dessa epidemia de depressão é o excesso de trabalho.

O Sora News esclarece que não se trata de trabalho em sala de aula, mas em atividades de clubes, ou burocráticas.  Um país rico como o Japão, com população declinante de pessoas (*há uma perspectiva de fechamento em massa de escolas públicas na próxima década*), paga mal seus professores e investe pouco em pessoal.  O SN traz as falas de internautas que resumem bem a questão, deixem os professores darem aula e contratem instrutores para os clubes, além de outros profissionais.  Eu sempre acho graça quando me deparo com essas notícias do Japão, porque elas vão na contramão da idealização que muita gente faz das escolas, dos estudantes e dos profissionais da educação no país.  Eu nem entrarei na discussão de que ser professor no Brasil é duro e deve piorar, mas o Japão está longe de ser o paraíso dos docentes.

Os hetero não querem procriar?  Culpa do casamento gay.
3. Mas, na dúvida, a culpa é dos gays.  Volta e meia pipocam na mídia as notícias sobre o declínio de natalidade no Japão, a recusa de homens e mulheres em se casar, fazer sexo, em fazer sexo até, os custos,  a falta de creches, enfim.  Não é de hoje.  Mas sempre vai ter um sujeito para arrumar a  quem culpar e, na dúvida, a culpa é dos gays.  Um parlamentar nipônico chamado Katsuei Hirasawa disse recentemente em um programa de TV que "se a quantidade deles continuar a aumentar, o Japão acaba".  A bronca desse senhor, que é do partido do governo, é que alguns distritos  japoneses, como Shibuya, decidiram legalizar as uniões entre pessoas do mesmo sexo.  Para ele, um absurdo.

Agora, em que o reconhecimento das uniões homossexuais irá  impactar a natalidade japonesa, se o problema são os heteros que não querem casar e procriar?  Não seria mais construtivo se o partido dele, que está no poder faz tanto tempo, implementasse políticas de incentivo à natalidade?  Parece que a fantasia de certos "conservadores", especialmente homens, é que o mundo todo se torne gay de repente, quando, na verdade, os LGBTI só desejam existir e receberem o tratamento que qualquer cidadão hetero recebe.  

Anunciando o resultado da votação.
4. O homem mais bonito do mundo é um homem, mas a mulher mais bonita é pouco mais que uma menina.  Desde 1990, promove a votação dos 100 rostos mais bonitos do mundo, eu só descobri agora.  O que começou pequeno, hoje reúne quase meio bilhão de votantes, segundo o site oficial.  Pois bem, vi o resultado na revista Monet e é curiosa a disparidade, no top 10 masculino, todos os homens são inegavelmente adultos, com Jason Momoa em primeiro lugar, metade dos caras com mais de 30 e somente dois com menos de 25 anos. Enquanto isso, no feminino, uma quase-menina, Thylane Blondeau, ficou em primeiro lugar. Ela tem 17 anos.  Em 2017, ela tinha ficado em segundo com apenas 16 anos.  Se você achou o nome familiar é porque Blondeau já foi chamada  de a menina mais bonita do mundo e mantém uma sólida carreira faz tempo.  


17 anos e eleita a mulher mais bonita do mundo.
O fato é que o top 10 feminino todo tem menos de 30 anos.  A mais velha, Im Jin-Ah, tem 27 anos. O top 5 só tem adolescentes, as mais velhas com 19 anos.  Curioso?  Não.  São padrões de masculinidade e feminilidade reproduzidos e vendidos pela grande mídia.  Uma mulher desejável precisa ser e/ou parecer jovem.  Sua juventude, que vem associada a ideia de inexperiência, é celebrada, desde que dentro de uma embalagem aceitável.  A maioria das mulheres no top 10 são modelos e muito magras, como se exige delas.  Já entre os homens, bem, as exigências são outras.  Há  os coreanos no top 10, os mais novos aliás, mas a maioria está longe de parecer jovem, imberbe, frágil.  Esse padrão tão diferente de medir quem é desejável, ou não,só reforça desigualdades e frustrações, eu diria.

Daí, na cabeça das pessoas não ser chocante ver a menina - uma adolescente - casada, se relacionando, com um homem adulto.  Isso é desejável e aceitável aos olhos de muita gente.  Faça o teste, pegue imagens de casais com idade discrepante (*não tanto como Temer e Marcela, mas ainda assim será visto como aceitável*) e teste.  O que as pessoas dizem quando é um homem mais velho e uma mulher bem mais jovem.  Causa repulsa?  Gera alguma crítica?  E quando é o inverso?  E, não, não estou demonizando casamentos com grande diferença de idade, só não vejo como saudável que meninas se envolvam neles, aliás, nosso país é um recordista de casamentos infantis.  Só lembrando, qualquer união de menor de 18 anos é considerada infantil pelos organismos internacionais.


A direção da clínica está tendo que se explicar.
5. Mulher em coma hã 14 anos dá  a luz nos EUA.  Não, não foi milagre.  Não, ela não se apaixonou enquanto dormia e acordou ao parir. Ela foi estuprada.  Tal e qual no enredo de Fale com Ela, filme do celebrado diretor  Pedro Almodóvar, um homem, provavelmente um cuidador, acreditou que tinha o direito de violar a mulher.   Em Fale com Ela, somos levados pelo habilidoso roteiro e por interpretações inspiradas a nos compadecermos do estuprador e, bem, acontece um milagre, a vítima volta a vida junto com a vida que está gestando.  Sim, repeti propositalmente a palavra.  E deve haver quem comemore, afinal, o bebê  está bem e a mulher, bem, ela  não tinha possibilidade de acordar mesmo.

O hospital onde a mulher está internada estabeleceu medidas mais rígidas de segurança, como a obrigatoriedade de uma mulher presente quando um enfermeiro for atender uma paciente do sexo feminino.  No entanto, o que fica patente é a violência das relações entre homens e mulheres.  Em 2015, uma pesquisa feita em uma universidade nos EUA apontou que um terço dos entrevistados disse que estupraria uma mulher se tivesse certeza de que não haveria consequências.  Eis que o estuprador dessa mulher em coma acreditou que podia fazer, simplesmente, por ser homem e ela mulher, logo, um corpo a ser apropriado.


Existe uma pantone de azul chamada "Little Boy".
6. ""Menino veste azul" é metáfora para respeitar o que é natural". Esta é a frase de uma das secretárias da pasta gerida pela ministra Damares.  Com sobrenome "Gandra", ela traz o duplo pedigree, o de  uma dinastia de juristas poderosos e o viés conservador, reacionário em certos aspectos. Mas o que é natural?  A violência dos homens contra as mulheres?  O direito de se apropriar dos corpos?  De não aceitar que "não é não"?  Pois bem, enquanto o pessoal diz que discutir essas questões, as relações entre homens e mulheres, como são construídos socialmente, as relações construídas dentro do ambiente familiar, quase uma dezena de mulheres foi morta de forma violenta no Rio e em São Paulo. Todas por companheiros, ou ex-companheiros.  

No Rio, foram três feminicídios em 12 horas, no último, a bebê, filha do assassino, foi deixada sobre o corpo da mãe, ela foi morta à garrafadas.  Se os senhores e senhoras à direita e à esquerda, por motivos diferentes, claro, acreditam que isso não é um problema, que são coisas menores, que não podem discutir várias questões sérias ao mesmo tempo, vocês são cúmplices da violência contra as mulheres e outras minorias.

Princesa vestindo a cor errada, deve ter merecido.
7. O mistério da princesa de Dubai que desapareceu após tentar fugir de seu país.  Estava para comentar essa notícia faz algumas semanas.  Tratar uma mulher como princesa pode significar que ela terá acesso a uma série de bens, de luxo, mas, também, que ela poderá, caso não seja obediente, privada da sua liberdade, terá a integridade do seu corpo comprometida e poderá ter sua vida tirada.  Ninguém sabe o destino dessa pobre menina rica, a princesa Latifa Maktoum.  Ela é  uma vítima de um regime, patriarcal e islâmico, que nega às mulheres a sua cidadania plena.  Agora, aviso o seguinte, se dormitarmos, perderemos nossos direitos, também.  

Há  um grupo nesse momento, trabalhando intensamente para isso.  Mulheres, inclusive, tal e qual em The Handmaid's Tale, caso sejam em sucedidas, elas terão que abrir mão de direitos, mas, ainda assim, poderão viver em uma gaiola de ouro.  Essa princesa, que veste azul, olha que indício de desvio, queria sair de sua gaiola.  Provavelmente, não está mais entre nós.

8. Desculpe deprimir ainda mais vocês, mas é  necessário:




Mulheres protestam contra a discriminação
religiosa baseada em questões de gênero.
9. Mas há esperança: Mulheres na Índia formam ‘barreira humana’ de 620 km pedindo igualdade.  Manifestação muito bonita e oportuna.  "Em manifestação a favor da entrada de mulheres em templos hindus e clamando por igualdade de gênero, milhares de mulheres formaram uma espécie de “barreira humana” com 620 quilômetros de extensão em Kerala, no sudeste da índia, na terça-feira (1).  A manifestação é uma resposta aos protestos de tradicionalistas que começaram após duas mulheres, Bindu e Karnaka Dung, entrarem no templo hindu de Sabarimala. Ao saber da visita, religiosos “purificaram” o local e anunciaram que ele seria fechado até a quinta-feira como marca de descontentamento com a atitude.  As duas mulheres desafiaram uma convenção de séculos que proíbe a entrada de mulheres em idade reprodutiva em templos. Pela regra, apenas mulheres acima de 50 anos podem entrar no local de culto à divindade conhecida como Lord Ayyappa, que é celibatário. Bindu e Karnaka estão na casa dos 40 anos. O motivo da proibição é a crença de que as mulheres poderiam colocar a divindade em tentação. A suprema corte do país retirou o banimento há cerca de três meses, provocando revolta de grupos conservadores. Desde então, tem havido confrontos entre apoiadores e opositores da decisão. Desde a aprovação, diversas mulheres tentaram exercer o direito, mas foram impedidas." Não há nada de natural na discriminação e no cerceamento dos direitos das mulheres.  Mas há quem acredite que é lei divina.  Um dos slogans das manifestantes era "Deus não discrimina".  Em lugares nos quais o Estado funciona a favor dos cidadãos, cada vez mais vemos a razão prevalecer, já em outros... 

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