Quinta-feira assisti o filme da Capitã Marvel (Captain Marvel). Tinha colocado na minha cabeça que a estreia era esta semana, no dia 14, e meu marido é que acabou me convidando para assistir. Gostei do filme, acredito que fizeram um bom trabalho de origem, porque sei, até por ver tantos filmes de super-herói nos últimos anos, que é difícil acertar o ritmo em um primeiro filme. Não pretendo fazer nessa resenha nenhuma referência à personagem dos quadrinhos, nunca li nada da Capitã Marvel, nem tenho vontade de ler, mas tenham certeza que farei todos os comentários necessários sobre a perseguição que o filme sofreu desde meses antes do seu lançamento, porque isso diz muito sobre o momento que vivemos e a cultura nerd misógina que parece se fortalecer nesses tempos de ódio.
Em 1995, no planeta Hala, capital do Império Kree, Vers (Brie Larson), membro da Starforce, tem pesadelos recorrentes que a atormentam, ela sempre vê uma mulher mais velha, que é a mesma face que projeta na Inteligência Suprema, que dirige o império. Seu comandante e mentor, Yon-Rogg (Jude Law) exige que ela tenha foco, que controle suas emoções e os grandes poderes que possui. Em uma missão, a primeira de Vers, para desbaratar um plano dos Skrulls, que os Kree consideram inimigos de toda a galáxia, ela é capturada e termina indo para o planeta C-53, a Terra. Lá, Vers irá compreender seus pesadelos.
Vers como membro da Starforce. |
Capitã Marvel é o primeiro filme com uma super-heroína solo da Marvel. O MCU (Marvel Cinematic Universe/Universo Cinematográfico da Marvel) começou em 2008 com o Homem de Ferro em um planejamento minucioso que incluía as sequências de os Vingadores, a última está por estrear, e da apresentação dos maiores super-heróis da empresa com a inclusão de outros tantos quantos fossem possíveis. O Homem-Aranha, um dos ícones da Marvel, talvez seu herói mais popular, estava nas mãos de outro estúdio, mas, tão logo isso foi resolvido, ele foi incorporado ao MCU com sucesso e cumprindo a cota de filmes protagonizados por adolescentes. Havia a demanda por diversidade e a Marvel colocou o Pantera Negra em campo e ainda saiu (*merecidamente*) com vários prêmios e com três merecidos Oscar. E faltava uma mulher.
Há personagens masculinas importantes no filme. |
As personagens femininas da Marvel normalmente são parte de alguma equipe, membros valiosos e importantes, vide Tempestade e Jean Grey, mas não tinham impacto em carreira solo. Foram em busca de uma heroína que pudesse estrelar um filme e ser fundamental para o MCU, porque ela deve ser a única capaz de encher Thanos de pancada no próximo Vingadores, e escolheram a Capitã Marvel. Não sou especialista em Capitã Marvel, mas sei que como a maioria dos personagens de comics, ela passou por várias mãos, teve várias fases, vários rostos, foi negra, inclusive. Não existe, portanto a Capitã Marvel verdadeira para ser defendida em uma crítica ao filme. Aliás, em nenhum dos filmes do MCU convém fazer isso.
Brie Larson não engoliu sapos durante os meses de ataque. |
Uma das coisas que me surpreenderam positivamente em Capitã Marvel foi a própria personagem principal. Carol Danvers consegue ser uma mulher forte, no sentido do caráter e determinação, mas tem senso de humor. Uma das coisas complicadas dos últimos anos, já coloquei em outras resenhas, é que para ser a heroína de ação, uma mulher tem que ser dura e sem sentimentos, ou deve ter um grande medo de mostrá-los. E isso ajuda a criar aquela ideia que grudou no imaginário social sobre feministas, elas não tem senso de humor. A gente prova que tem, mas, enfim, é algo que é repetido o tempo inteiro e as pessoas tem dificuldade em desapegar desse tipo de ideia.
Esse gato, não é o que parece. |
Falando especificamente de Carol Danvers, algo que é preciso marcar na protagonista de ação, na mulher forte, é que ela teve um passado de dores, trata-se de um clichê. Carol Danvers teve que superar muitos obstáculos por ser mulher e essa informação é importante no filme, claro. Kart, basebol, aprender a andar de bicicleta (*acha que é nada, leia a minha resenha do sonho Wadjda*) e, mais tarde, entrar na Força Aérea podem ser vistas como coisa de menino, ou de homem. Até hoje, mesmo depois de ser permitido às mulheres norte-americanas servir em zonas de combate, há quem pense que elas não podem ser veteranos de guerra. Agora, algo importante no filme, apesar de estar enfrentando todos esses entraves, Carol não perde o bom humor, aliás, ele, talvez, seja uma espécie de estratégia de sobrevivência.
Skrulls são vilões, ou vítimas de genocídio? |
A atriz, Brie Larson, e é por essas e outras coisas que os machistinhas de internet a odeiam, postou os posteres de filmes de super-heróis com sorrisos photoshopados neles. Ninguém cobra sorrisos dos heróis homens nos trailers e em seus posteres, mas querem que uma super-heroína para deleite dos olhos masculinos com sorrisos sedutores, tímidos, já que cobrar ar de vítima seria demais nesse caso específico. Querem decotes, olhares lânguidos e poses sensuais. Isso ninguém vai encontrar em Capitã Marvel, mas temos uma mulher bem humorada, capaz de rir de si mesma e com os outros, corajosa sem parecer estar querendo provar alguma coisa para alguém justificando o fato de ter ganho um filme só para si. Afinal, tantos outros heróis homens mereciam mais, não é mesmo?
Sorriam, garotos! |
O interessante é que ninguém é bonzinho, mesmo a heroína tem áreas cinzentas em sua vida. Ela perdeu a memória, será que se lembrou de tudo? Por outro lado, quando todos os seus poderes se revelam, a Capitã Marvel se mostra tão poderosa quando o Super-Homem. Somente alguém com tamanhos poderes poderá se opor a Thanos no próximo Vingadores, mas percebam o seguinte, quanto mais poderes tem um herói, maior tem que ser o seu oponente. Estou pensando nos desdobramentos para os próximos filmes da heroína.
Samuel L. Jackson é rejuvenescido para o filme. |
A veterana Annette Bening faz uma importante participação como a Inteligência Suprema dos Kree aos olhos de Vers e, também, como a doutora Wendy Lawson, cientista responsável pelo projeto de propulsão que tanto os Kree, quanto os Skrulls desejam, e que tem ligação direta com o passado de Danvers. Ela é, também, uma Kree, Mar-Vell, inspirada no Capitão Marvel original, ao que parece. Há outra kree em destaque no filme, Minn-Erva (Gemma Chan), a sniper do grupo, que parece ser a única da Starforce que conhece os segredos do comandante, Yon-Rogg, e os detalhes do passado de Vers.
Duas amigas inseparáveis. |
Um filme de guerra, dirigido por uma mulher, levou os prêmios Oscar principais anos atrás vendendo uma guerra sem mulheres soldado, quando elas já estavam no campo de combate. Curiosamente, lembro somente dos elogios dos caras brancos, porque, bem, eles se viam no filme, afinal, o herói era como eles (*não um negro, ou latino, ou...*) e não se importavam dele ser impreciso, ou não, em relação às mulheres, isso é detalhe. Agora, a Capitã Marvel por mostrar o protagonismo feminino, os obstáculos enfrentados pelas mulheres, parece aos olhos desses meninos mimados um manifesto pedindo sua destruição. Seria cômico, se não apontasse o quão doentes estamos.
Somente no final saberemos a extensão dos poderes de heroína. |
Não estou falando dele por causa do protagonista interpretado por Richard Gere, mas porque o filme toca marginalmente na admissão de mulheres nos cursos de treinamento de pilotos de guerra. Tanto Marinha, caso do filme em questão, quando a Força Aérea norte-americanas aceitaram mulheres no mesmo ano. Em A Força do Destino, há três mulheres, mas somente Casey Seeger (Lisa Eilbacher), uma moça franzina, aparentemente frágil, se forma. Durante todo o filme, ela tem que ouvir do sargento instrutor, o oscarizado Louis Gossett Jr., que ela é uma cidadã de segunda classe e não deveria estar ali. Ali não era lugar de mulher.
Lisa Eilbacher interpretou uma candidata pioneira à piloto de guerra. |
Uma mulher que superasse esse treinamento rigoroso, que se formasse, poderia abraçar integralmente a ideologia machista de sua formação, acreditando e levando para a vida que ela é uma mulher superior e especial, diferente das outras, ela poderia, também, passar a mensagem de que, sim, elas mereceram e podem, sim, estar ali, mas que muitas não conseguem sequer sonhar com essa carreira, porque lhes repetem desde cedo que "não é coisa de mulher". Tipo fazem com matemática, sabe? A presença da menininha Monica (Akira Akbar), filha de Rambeau, serve para passar essa mensagem para as crianças, as meninas, em especial, de que elas podem sonhar e que não devem deixar que os sentimentos de inferioridade criem raízes dentro delas. Sim, as amarras que os kree colocaram em Vers são simbólicas.
Meninas como Monica precisam de super-heroínas. |
Capitã Marvel parece denunciar, não como um tema central da história, que fique claro, que mulheres não se sentem capazes de fazer certas coisas, porque são levadas a acreditar em suas incapacidades, ou, no caso da doutrinação imposta por Yon-Rogg, são levadas a reprimir suas capacidades para serem elogiadas e bem vistas pelos homens, ou machos, já que os kree não são homens. Yon-Rogg quer dominar Vers, porque sabe que ela é mais forte que ele, quer que ela não descubra seus imensos poderes. Aliás, não há interesse romântico para a protagonista, mas olhando para o treinamento-luta entre Yon-Rogg e Vers no início do filme, vi algo de sensual nela. Será que somente eu vi isso? Porque se Yon-Rogg tem outros interesses em Vers, a questão poderia ser melhor explorada em outros filmes.
Annette Bening tem destaque no filme. |
A Mulher Maravilha sofreu boicote, mas por outros motivos e com menor alcance. O fato da protagonista, Gal Gadot, ser israelense, fez com que alguns países árabe-muçulmanos não exibissem o filme. Impacto disso para o lucro da película? ZERO. Algumas pessoas de esquerda, sempre prontas a associar judeus e israelenses ao mal sem pensar duas vezes, boicotaram o filme, também, mas não organizaram uma força tarefa de resenhas desonestas e notas baixas em sites como o IMDB, Metacritic e o Rotten Tomatoes. E quando esses sites reagem ao ataque coordenado dos haters, são criticados por tentar censurar a liberdade de expressão. Exemplo aqui, no mesmo site, cheguei lá com uma pesquisa simples "Brie Larson feminist", vocês podem encontrar um longo texto atacando Larson, uma péssima atriz, na opinião do autor, e a agenda feminista de Hollywood que estragou um filme que deveria ser somente diversão.
O que umas sonharam, ou sequer puderam sonhar, outras realizaram. |
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