segunda-feira, 18 de março de 2019

Comentando Suprema (EUA, 2018): Igualdade de gênero não caiu do céu


Quinta-feira assisti ao filme Suprema, no original, On the Basis of Sex.  Trata-se de uma biopic da juíza da Suprema Corte Norte-Americana Ruth Bader Ginsburg, amada por muitos, respeitada pela maioria e odiada por alguns, especialmente, por identificá-la com valores progressistas demais, como a igualdade entre homens e mulheres diante da lei.  Se você assistiu ao trailer, deve ter percebido que se trata de um filme feminista até a medula, o que possibilita muitas discussões sobre questões de gênero.  Além disso, o par de protagonistas, Felicity Jones como Ginsburg e Armie Hammer como seu marido e apoiador, Marty, trabalharam muito bem. Enfim, Suprema não decepciona a audiência, ainda que eu tenha saído da sessão com a sensação de que estava faltando alguma coisa para que o filme fosse excepcional.  

Ruth Bader Ginsburg (Felicity Jones) escolheu uma carreira difícil para uma mulher de sua geração, o Direito. Em 1956, conseguiu ocupar uma vaga na prestigiosa Universidade de Harvard, onde seu marido, Martin (Armie Hammer), já estudava.   Apesar de vários obstáculos, como o machismo e a grave doença do marido, ela se forma como a primeira de sua turma.  Em 1959, residindo em Nova York,  Ginsburg não consegue ser contratada por nenhuma firma de advocacia, o fato de ser mulher, jovem, casada e judia fazia com que seus possíveis contratadores a rejeitassem.  Seu caminho foi se tornar professora, mas sem experiência em tribunal, muitos a olhavam com certo desdém.
Inteligente e corajosa demais para ser agradável aos homens.
Mais de uma década depois, frustrada por não conseguir colocar em prática tudo o que aprendeu,  percebendo que sua filha mais velha (Cailee Spaeny) não a via como um modelo, ela precisa de motivação.  Seu marido, especializado em tributação, lhe apresenta um caso curioso, um homem discriminado pelas leis do país por ser homem.  Especializada em desigualdade de gênero nas leis americanas, Ginsburg  decide confrontar o Estado usando o caso de Charles Moritz (Chris Mulkey) para iniciar a derrubada de centenas de leis que permitiam a discriminação das mulheres.  O problema é que poucas pessoas acreditam que Ginsburg, sem experiência de tribunal, conseguiria vencer a causa de Moritz, na verdade, ela poderia ser humilhada e causaria um dano enorme ao movimento de direitos das mulheres. 

Tentei resumir o filme dirigido por Mimi Leder, sim, uma diretora, da forma mais direta possível.  Como vem acontecendo recentemente, Suprema é um filme biográfico que seleciona trechos da vida do biografado e não se lança à tarefa, normalmente frustrante, de contar-lhe toda a vida.  Curiosamente, pelo menos para mim, o que poderia ser anticlimático, a cena final na qual Felicity Jones começa a subir as escadarias da Suprema Corte dos EUA e é substituída pela própria Ruth Bader Ginsburg, talvez tenha sido a mais emocionante de todas.  Foi quando eu estive a ponto de chorar.  Ouvimos durante essa sequência, que é curta, a voz da Gisnburg real e vários de seus embates de tribunal contra leis injustas.  Ficou muito bonito o final.
Ruth Bader em 1953.
On the Basis of Sex poderia ser traduzido como "Com base no sexo", ou "A partir do sexo" para em seguida justificar toda uma série de discriminações.  Desde a primeira cena, a entrada de Ginsburg em Harvard fica caracterizado o quanto essa discriminação era real.  Nove mulheres entre centenas de homens.  Segundo a Wikipedia, são 560 alunos por ano.  Logo em uma de suas primeiras cenas, vemos marcada a disputa entre Harvard e Yale, as duas mais proeminentes universidades do país.  Yale, que era muito mais seletiva, recebendo 200 alunos ao ano, admitiu mulheres em 1918, Harvard só aceitou as primeiras mulheres em 1950.  Mas entrar na universidade era somente um dos obstáculos enfrentados por essas mulheres.

A todo momento, a protagonista é lembrada que ela está ocupando o lugar de um homem, que ela, por ser mulher, casada e mãe, deveria estar em casa.  Uma das cenas da primeira parte do filme mostra exatamente um jantar em honra das novas alunas oferecido pelo reitor, Erwin Griswold (Sam Waterston), auto-proclamado defensor da sua entrada na faculdade de Direito presidida por ele por 21 anos.  No jantar, aquelas mulheres são lembradas a todo instante do seu privilégio e que, bem, elas não deveriam estar lá.  Instadas a dizer o que as levou para a escola de Direito de Harvard,  tirando a vaga de um homem, segundo o reitor, elas terminam recebendo olhares complacentes, ou reprimendas.  
O figurino do filme é bonito e marca bem a passagem do tempo.
Ginsburg, indignada, diz que está na faculdade de Direito para ajudar seu marido, porque ela deve ser a melhor esposa possível e compreensiva, estudar Direito era uma forma de entender melhor o seu trabalho e apoiá-lo.  A cena está em um dos trailers.  Mais tarde, ela reclama com o marido que a pergunta é absurda, porque quem estuda Direito, quer ser advogado/a e esse seria o motivo.  A ideia de muitos é que essas moças iam para faculdades de elite para encontrarem o marido certo.  Até nossos dias, em alguns países, um diploma de uma universidade importante, um título de mestrado e/ou doutorado, pode abrir portas de casamento para uma mulher.  Ela não precisa exercer a profissão, em alguns casos, nem se espera isso, seus títulos são mais uma joia na coroa do marido.  

Nos EUA dos anos 1950, auge do Macartismo e do backlash, a moda era ser conservador e uma mulher em um ambiente masculino, ou uma mulher cujos sonhos iam além de uma casa perfeita com um marido perfeito, filhos perfeitos e um monte de eletrodomésticos não era bem vista. Leiam minha resenha de O Sorriso de Monalisa, ou assistam ao filme, porque ele é um bom complemento para Suprema. Ginsburg era uma anomalia e, volto a isso mais tarde, seu marido também era.  Agora, ambos eram bem nascidos, porque em nenhum momento de sua vida na universidade o fator dinheiro é um problema, ou trabalhar era uma necessidade.  Se eram bolsistas, se tinham famílias ricas, o filme nada comenta.  
Ginsburg afronta o reitor que se fingia de paladino
dos direitos das mulheres.
Nesse caso, a omissão é grande, porque em dado momento, Martin descobre que está com câncer.  Sim, é um spoiler, desculpem, mas eu preciso da informação.  Em 1956, ou 1957, era para desesperar, ainda mais um sujeito de menos de trinta anos.  E câncer nos testículos, algo bem peculiar.  Ginsburg apoia o marido para que ele persevere, ele iria viver, não deixaria a filha órfã e iria se formar.  Ela passa a assistir as aulas dele e as suas, tomar notas, passar os pontos com o marido.  OK, nesse momento, já sabemos que Ginsburg é uma espécie de Hermione de Harry Potter, atraindo para si atenção, admiração e animosidade.  Ainda assim, é uma tarefa quase inimaginável.

Enfim, procurando aqueles textos sobre o que procede e o que foi invenção no filme, encontrei informações diferentes, mas, não, conflitantes.  Ela realmente se desdobrou nas suas aulas e nas do marido e cuidou de repassar os conteúdos com ele, no entanto, contou com a ajuda de colegas de curso que não abandonaram o casal nesse momento de dificuldade.  Teria sido mais interessante se o filme mostrasse essa colaboração, especialmente, porque Harvard tinha naquele momento a fama de ser um lugar ultracompetitivo, onde um aluno tentava eliminar o outro.  Seria mais equilibrado, por assim dizer, e justo.  Quem Ginsburg é uma mulher notável, a gente sabe, em um filme realista, não é necessário transformá-la em super heroína.
Apesar do excelente currículo, ela não
consegue emprego como advogada.
 O fato é que o marido fica curado, se forma e consegue, como a maioria dos alunos de Harvard, um bom emprego.  Ginsburg pede autorização do reitor, tomando por base outras decisões semelhantes, para terminar de assistir as disciplinas do curso na Universidade de Columbia, já que Martin iria para Nova York, e ter seu diploma de Harvard ainda assim.  O reitor nega a exceção dizendo que não havia motivo suficiente para isso, que o marido poderia sustentar a ela e sua filha pequena em Harvard, enquanto trabalhava em uma cidade distante, e que um diploma de Harvard não é qualquer coisa.  Mesmo quando Ginsburg alega que seu marido pode ter uma recaída, o reitor não cede.  

O filme não nos diz o que ela fez, só bem mais tarde, quando ela reencontra o reitor que lhe diz que ela está honrando o que aprendeu em Harvard e ela o corrige de forma sarcástica dizendo "em Columbia", é que sabemos que ela se transferiu.  O fato é que mesmo sendo a primeira aluna da turma, Ginsburg não consegue emprego em nenhuma firma.  Em 1959, mulheres jovens em escritórios de advocacia eram as secretárias, não uma colega advogada.  Seu currículo de nada serve, ela termina aceitando um cargo como professora em uma faculdade menor, porque as melhores não contratariam uma mulher com seu perfil, talvez, não contratassem mulher alguma.
A filha não tem na mãe um exemplo.
Aqui, cabe pontuar que o filme é bem crítico em relação a luta dos direitos civis, e em mais de um momento é sugerido que todo o movimento não era para incluir as mulheres, mas para dar plena cidadania aos (*homens*) negros.  Quando Ginsburg consegue o trabalho na universidade, e o filme não diz que ela recebia menos por ser mulher casada, algo que ocorreu, ela comenta com humor amargo para o marido que na falta de um professor negro, aceitaram uma mulher judia.  Sim, há uma hierarquia bem clara.  Na época da primeira eleição de Obama, algo que acompanhei de perto, houve quem reclamasse que quando chegara o momento de uma mulher ser eleita, no caso Hillary Clinton, um homem negro lhe passou a frente.  

O fato, e não estou entrando na discussão de quem era melhor, é que, pelo menos para questões profissionais, um homem negro, com a formação certa e a aparência certa, tende a passar na frente da mulher branca.  Mesmo negro, ele é homem, fora, claro, que em certas situações trata-se de boa propaganda.  E não estou dizendo que racismo não pesa, ou culpando os negros pelos mecanismos machistas que estão além das questões raciais, mas que a classe dos homens tende a se unir em quase todos os casos.   Nos anos 1950 e 1960, mulheres eram vistas prioritariamente como donas de casa e dependentes, ou então, esse filme não existiria, o drama que lhe deu origem, idem. 
Presente, passado e futuro do movimento
 de direitos das mulheres se encontram.
O filme dá um salto para 1970.  Temos Martin bem sucedido, Ginsburg frustrada e a filha, Jane, decepcionada com ela.  Há um filho, também, James (Callum Shoniker).  Fiquei surpresa, porque imaginei que Martin tivesse ficado estéril depois da radioterapia.  Enfim, Jane, muito bem interpretada pela atriz Cailee Spaeny, é uma jovem inquieta, engajada no movimento feminista e que se encontra na vanguarda das mudanças sociais que estão acontecendo naquele momento.  Ela confronta o legalismo da mãe e temos um conflito geracional que extrapola a família, porque há a terceira personagem feminina importante do filme envolvida, a advogada de direitos civis  Dorothy Kenyon (Kathy Bates), que merecia um filme só para ela, aliás. 

Kenyon talvez tenha recebido um tratamento injusto dentro da película.  Ela é apresentada como uma mulher cheia de raiva e frustração pelas mudanças que não ocorreram, pelas lutas que não renderam os frutos que as mulheres de sua geração esperavam colher.  É ela que verbaliza a questão de que os direitos civis seriam para os (*homens*) negros e, não, para as mulheres.  Ela tinha perdido um caso histórico que confirmava a regra de que mulheres são inferiores segundo a lei e, ainda assim, podem ser submetidas às mesmas duras penas.  Aliás, essa reclamação é antiga e estava no manifesto de Olympe de Gouges (1748-1794), executada durante a Revolução Francesa.
Filha e mãe terminam se entendendo.
Ao que parece, Dorothy Kenyon, que já era bem idosa no momento em que é introduzida na película, não deveria ser uma pessoa decepcionada com o mundo.  Teve uma vida importante, participou da comissão de advogados norte-americanos no Tratado de Versalhes, que completa 100 anos em 2019, foi defensora dos direitos civis dos negros e das mulheres, sufragista e sofreu perseguição macartista nos anos 1950.  A seu favor contou com o testemunho de gente como Eleanor Roosevelt, ex-primeira dama do país.  Ainda assim, ela ficou marcada e não conseguiu mais ser contratada para prestar serviços ao governo do país.  Foi um tanto chato ver Kenyon, a quem Ginsburg dedicou sua petição no caso Moritz, ser pintada principalmente como uma grande advogada que perdeu um caso emblemático.

O fato é que o filme usa as três mulheres - Ginsburg, Jane e Kenyon - para representar o passado, o presente e o futuro, aproveitando, também, para cumprir a Bechdel Rule.  Cabia à protagonista honrar a luta de mulheres como Kenyon e garantir que a lei materializasse as mudanças que a geração de sua filha estavam promovendo.  Esse ponto me fez lembrar de uma aula que tive no doutorado, na disciplina de História das Mulheres com a Prof.ª Diva do Couto Muniz.  Feminista das antigas, mas uma acadêmica seríssima, muito centrada, pragmática e sarcástica, ela uma vez reforçou para uma aluna a importância da lei.  É a legislação, a materialização de nossas demandas e direitos nos códigos jurídicos, que nos dá segurança e possibilidade de barganha dentro de uma democracia (*burguesa*).  A rua é fundamental, o ativismo é importante, mas se a letra fria da lei não mudar, a gente continua perdendo sempre.
O presidente da ACLU acredita que Ginsburg
 irá perder a ação no tribunal.
Suprema nessa sua segunda parte é sobre a luta de Ginsburg para que a lei norte-americana deixe de discriminar mulheres por serem mulheres, daí o "on the basis of sex".  O caso Moritz é importante, porque ele mostrava que um homem poderia ser vítima dessa discriminação. Segundo a tal seção 214 do "Internal Revenue Code" (*Código Interno do Fisco?*), um homem solteiro não poderia descontar do imposto de renda os gastos com os cuidados com pais idosos.  Não se esperava que homens cuidassem de idosos, se fosse o caso, ele deveria ter uma esposa, mas não tinha.  Moritz, um home honesto, foi condenado como sonegador.  Para quem tem sua dignidade e bom nome como o seu maior bem, isso é uma ofensa e tanto.

O que estava se discutindo no filme,  não é sexo biológico, só que as distinções acadêmicas e jurídicas entre sexo e gênero (*papéis e/ou expectativas para homens e mulheres determinadas culturalmente*) ainda estavam engatinhando, como o filme bem mostra.  De qualquer forma, a materialização da discriminação aos homens por serem homens ocupando papéis (*menores*) de mulher dentro da legislação ofereceu a chance para que a protagonista pudesse ter uma causa.  Isso a aproximou da filha, inclusive, e a conduziu ao tribunal, algo que lhe tinha sido negado no início de carreira por ser mulher.  
Ruth e Marty nos anos 1950.
Agora, cabe falar do marido, Martin, ou Marty, como é chamado por todos.  Bem antes da estreia do filme, tinha lido um artigo que afirmava que On the Basis of sex quase não foi levado adiante, porque o marido de Ginsburg era tão apoiador da esposa que soaria falso.  Queriam reforçar o clichê do macho que obstrui o sucesso da mulher, como ocorre, por exemplo, no filme A Esposa.  Mas parece que Martin era realmente um sujeito singular, ele foi o braço direito de Ruth durante seus 56 anos de casamento e o amor de sua vida.  “Ele foi o primeiro rapaz que eu conheci que se importava que eu tivesse um cérebro. A maioria dos caras dos anos 50 não, se importava.", ela disse para uma matéria.  Tem como não gostar do Marty?

O fato é que se houvesse um prêmio para marido mais fofo do cinema, iria para a personagem.  Ele dá suporte à esposa, é paciente, apaga os incêndios familiares, arrumou o caso Moritz para Ginburg (*isso ocorreu mesmo*), e ainda cozinhava.  Falando nisso, o ator Armie Hammer cozinhou para o elenco e a juíza Ginsburg e recebeu elogios.  Confesso que não tinha dado muita atenção para Armie Hammer em Me Chame pelo Seu Nome, mas em Suprema ele estava muito bonito (*lindo, na verdade*), elegante, enfim.  Acho que raramente vi um homem ficar tão atraente de terno.  Fiquei pensando se não há um super-herói sobrando para oferecerem para esse rapaz.  Eu pagaria o ingresso.  Apesar do filme ser bem casto, por assim dizer, há uma cena logo no início do filme em que Martin e Ginsburg fazem sexo que é bem sensual e serviu para assentar que o relacionamento dos dois era pleno em todas as esferas.  Não é nada explícito, mas a cena foi sensual na medida certa.  
Eles são apresentados como um casal apaixonado.
Enfim, Martin divide com a esposa a sustentação oral diante do tribunal.  Ele explicaria a parte tributária, além de ter a experiência como advogado.  E sugiro um vídeo muito bom do canal Tecla Sap sobre inglês jurídico e o tanto de formas de dizer advogado que existe em inglês americano a depender da especialidade do/a sujeito/a.  Nesse momento, Ginburg era lawyer (*advogada, formada em Direito*) e professora, ou até counsel (*advogado que escreve pareceres e petições, mas não vai ao tribunal*), mas não era attorney, o advogado que efetivamente atua na área do do Direito, nos tribunais.  Isso pesava contra ela, aliás, Kenyon vai mostrar certo desprezo por Ginsburg exatamente por isso, ela nunca praticou Direito, ela não tinhas as manhas do tribunal, era somente uma professora.

Do outro lado, um advogado jovem muito experiente e com o apoio do Procurador Geral dos Estados Unidos, na época, Erwin Griswold (Sam Waterston), antigo reitor de Harvard na época em que Ginburg era aluna.  Ele não quer que essa ação possa trazer problemas para o Governo com a contestação sistemática de mais de 100 leis sexistas.  Uma das coisas que o filme levanta é que para a maioria dos agentes do Direito, as leis não eram discriminatórias, elas refletiam a "natureza", só que "natureza" é algo que não existe para os seres humanos, não quando se trata de papéis sociais.
Realizando um sonho ao defender um cliente no tribunal.
Não entendo quase nada das questões jurídicas, mas o caso só foi para frente graças ao apoio da  UALC (União Americana pelas Liberdades Civis), cujo presidente era Mel Wulf (Justin Theroux), amigo de infância de Ginsburg.  No entanto, Wulf oscila, porque tem um medo danado de que a advogada seja derrotada e isso possa trazer atraso para o avanço dos direitos das mulheres.  Sabe o que comentei na resenha da Capitã Marvel"Ah, se esse filme fracassar, não teremos mais filmes sobre super-heroínas.".  Mesmo tipo de receio.  E, bem, ele acaba percebendo que valia a pena apoiar Ginsburg.

Voltando, Martin divide com a esposa a sustentação oral.  Os juízes tentam fazer com que ele monopolize o tempo inteiro, ele tenta se esquivar.  E, bem, é nessa cena crucial que o filme tenta criar um suspense desnecessário.  Ginsburg fracassa em sua sustentação oral.  Dada a personalidade da personagem, a forma como foi construída, isso seria bem absurdo, mas o roteiro tenta empurrar isso para que a protagonista triunfe na sua réplica.  Não foi assim que aconteceu, ainda que não deva ter sido nada fácil vencer a ação.  Parece que os argumentos utilizados no filme foram, de fato, os que Ginsburg utilizou e a pare da réplica é de arrepiar, mas não precisavam desse recurso absurdo para nos oferecer palavras tão importantes e uma atuação tão eletrizante de Felicity Jones.
Sem o suporte de Marty, ela não chegaria lá.
Algo que não posso deixar passar, e já estou terminando, prometo, é comentar a presença dos negros no filme.  Na fase de Harvard, não há alunos negros, nem como figurantes.  Fui procurar e achei que o primeiro aluno negro a se graduar em Direito em Harvard foi George Lewis Ruffin, em 1869.  Já a primeira mulher formou-se no ano que começa o filme, 1956, e se chamava Lila Fenwick.  Alguns negros estudantes na figuração não teriam feito mal ao filme.  Agora, na recepção oferecida à Ginsburg e suas colegas, todos os serviçais eram negros.  

O sistema não era somente sexista, ele era racista, também, e muito, mas sei que o filme não era sobre racismo.  Mais tarde, aparece uma professora negra de Direito, Pauli Murray (Sharon Washington), em uma sequência de destaque  que aponta para a sua importância na carreira de Ginsburg.  Coisa rápida, mas parece que Murray é outra que merecia um filme para chamar de seu.  A protagonista também tem uma ou duas alunas negras em sua turma sobre direito e gênero na faculdade.
A sequência do tribunal não começa bem para a protagonista.
Concluindo, porque escrevi demais, e espero que o texto não tenha ficado tão chato, o filme é muito bom, mas tem defeitos e omissões.  Ginsburg passou um tempo na Suécia, aprendeu a língua, escreveu um livro, nada disso é comentado.  Esse e outros probleminhas, como a sustentação oral fajuta, ou não aprofundar um pouco a discussão sobre antissemitismo, não invalidam, mas tiram a força de uma película que, ainda assim, toca em todos os pontos que deveria.  Dado o momento triste em que vivemos, com mulheres acreditando que seus direitos caíram do céu e não foram fruto das lutas feministas e do esforço de muitas mulheres, Suprema está aí para alertar as pessoas.  

O que foi ganho com muito esforço, com o sacrifício de gerações de mulheres, pode ser tirado, porque o patriarcado em si mal foi arranhado pelas mudanças sociais das últimas décadas, muito menos o que há de pior no capitalismo.  De resto, um documentário sobre Ruth Bader Ginsburg, RBG, concorreu ao Oscar este ano.  Longa vida à juíza Ginsburg e que ela se aposente (*ou morra*) somente depois que Trump largar a presidência.  É isso que muita gente deseja e torce nos EUA.


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