quinta-feira, 30 de abril de 2020

Anne Greene: A Incrível Mulher que Sobreviveu a um Enforcamento



Acabei de ler no site Ancient Origins a história de Anne Greene (c. 1628-1659), que só ficou registrada exatamente por seu caráter fantástico.  Greene foi enforcada e sobreviveu.  A história da moça de 22 anos teria sido mais uma entre tantas outras, se não fosse esse pequeno detalhe.

Anne Greene era uma scullery maid, que dentro da hierarquia da criadagem de uma casa ocupava o degrau mais baixo e faz os trabalhos mais pesados.  Seu patrão era Sir Thomas Reade, de Duns Tew, Oxfordshire.  Anne foi seduzida pelo neto do seu patrão, que era um adolescente de 16 ou 17 anos.  A palavra "seduzida" poderia representar muita coisa, desde um relacionamento amoroso sincero até um estupro.  Nunca saberemos.  O fato é que Anne Greene engravidou e acabou dando à luz a um feto do sexo masculino de 17 semanas (*segundo uma parteira*) quando estava usando a "outhouse" (*aquele banheiro que ficava distante da casa*).  Desesperada, mais tarde ela diria em juízo que não sabia que estava grávida, ela mesma enterrou o cadáver do filho.  Só que a cova foi descoberta e Anne acusada de assassinato.

Foi em um desses que Anne teve seu bebê.
Não adiantou o testemunho da parteira e de um médico dizendo que aquele feto nasceu morto.  A parteira teria dito que não acreditava que ele tivesse sequer vivido, talvez, o bebê tivesse alguma má formação visível, enfim. O fato é que a moça foi levada à justiça por seu patrão e terminou condenada segundo o Ato de Infanticídio de 1624 (Infanticide Act of 1624), que tornava suspeitas de assassinato qualquer mulher que tivesse um filho natimorto fora do casamento.  Segundo um post do site Children & Youth in History, dos processos desse tipo que sobreviveram do século XVIII, mais ou menos cem anos depois de Greene, 70% das acusadas eram serviçais como a protagonista da nossa história, a maioria adolescentes MENORES de 16 anos. 

Ter um filho fora do casamento já era um estigma, agora, imagine quantas meninas foram presas, julgadas e condenadas, muitas à morte, porque tiveram um filho fora do casamento e a criança morreu? O pai?  Bem, mero detalhe... Não lembra um pouquinho as políticas de abstinência sexual para adolescentes que não leva em conta que quem engravida as meninas é, em muitos casos, um adulto?  É como se não houvesse um parceiro, ou até um estuprador (*lembrando da nossa legislação sobre idade de consentimento*) no meio dessa história.  A culpa, a responsabilidade e o ônus de carregar no ventre um bebê é somente delas.

Antes da forca industrial do século XIX, as pessoas não
morriam rapidamente, poderiam ficar penduradas
 por muito tempo.  A ilustração é de 1655.
Enfim, Anne Greene foi condenada à morte.  No dia de sua execução, 14 de dezembro de 1650, a moça pediu para que amigos tivessem piedade dela, que lhe puxassem as pernas para que seu pescoço se quebrasse, que lhe batessem no peito para que sufocasse.  Tudo isso foi feito.  A jovem ficou pendurada por mais de meia hora.  Depois disso, a corda foi cortada, ela dada como morta e colocada em um caixão.

O corpo de Greene foi enviado para William Petty, um cirurgião e pesquisador em Oxford.  Ao abrir o caixão, ele percebeu que a moça estava viva e começou a tentar reanimá-la, junto com um colega chamado Thomas Willis, usando de todas as técnicas disponíveis à época, inclusive, sangria.  Segundo o relato dos médicos, depois que a moça recuperou a consciência, ela ficou incapaz de falar durante doze horas, mas após 24 horas estava falando livremente e respondendo perguntas, embora sua garganta estivesse machucada e muito dolorida. O Dr. Petty cuidou de seus ferimentos e lhe deu drogas com efeito calmante
Poemas dedicados a Anne, edição de 1651.
Segundo o Executed Today (*sim, existe esse site*), a memória de Anne estava confusa no começo, mas que dois dias depois a amnésia desapareceu, embora ela ainda não tivesse lembrança de ser enforcada. Dentro de quatro dias, ela era capaz de comer alimentos sólidos e em um mês se recuperara completamente.  A partir daí, sua história se espalhou e o grupo de médicos (William Petty (1623-87), Thomas Willis (1621-75), Ralph Bathurst (1620-74) e Henry Clerke (1622-87)) que acompanhou o seu caso, fez pressão para que ela fosse perdoada pela corte.

Anne Greene foi perdoada e as autoridades disseram que o próprio Deus havia esclarecido sua vontade sobre o assunto e, além disso, agora acatando a palavra da parteira, seu bebê "não era fruto de um aborto provocado ou tivesse sido morto ao nascer, mas que era tão imperfeito, que é impossível que fosse diferente". Greene se tornou uma celebridade, e os poemas em sua homenagem circularam amplamente.  Anne Greene se casou, viveu até 1659, ou 1665, as fontes divergem, teve três filhos e, segundo algumas fontes, morreu de parto.

Anne Greene se salvou, quantas outras morreram?
A história é fantástica, claro, e merece ser contada, mas pensem em quantas mulheres e meninas não tiveram a "sorte" de Anne Greene.  De como as leis e a moral discriminavam as mulheres e tornavam a sua vida miserável.  Pensem na importância das pensadoras iluministas que, à despeito do desejo de gente como um Rousseau, foram lá e demandaram igualdade jurídica e que as mulheres pudessem não somente ser mortas, presas, ou o que fosse, mas votarem, fazerem leis e decidirem seus destinos.  Anne Greene é somente uma história com um final feliz que pode jogar luz sobre a quantidade enorme de outras que foram seduzidas e/ou estupradas, condenadas e mortas, porque, bem, "milagres" não acontecem todos os dias.

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