quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Comentando o capítulo 3 de Orgulho & Preconceito (BBC/1995): "Eu te amo, apesar de você não me merecer."

Ontem, não consegui ver o terceiro episódio de Orgulho & Preconceito, mas retomei hoje, estou fazendo uma espécie de terapia reassistindo a série inteira.  O terceiro capítulo é aquela montanha russa de emoções, ele começa lá embaixo, com Elizabeth espantada com o casamento de Charlotte, ele sobe com os sentimentos da protagonista por Wickham ficando em evidência.  Daí, ele desce quando Lizzie descobre o sofrimento de Jane em Londres e ela mesma se vê deixada de lado por Wickham, que descobre uma herdeira, Mary King (Alexandra Howerd), que pode resolver seus problemas.  

Mas subimos e subimos com a visita à Rosings e temos o reencontro com Darcy e o primeiro pedido de casamento, aquele que faz a gente perder o fôlego e, ao mesmo tempo imaginar "Cara, como ele pode sonhar que iria ganhar o coração de Elizabeth com esse pedido de casamento enviesado?"  É algo como "Eu te amo, apesar de você não me merecer." 😄 Sim, essa declaração de amor foi como uma cusparada na cara da mocinha, também. 

Logo no início do capítulo, Elizabeth descobre que Charlotte aceitou Mr. Collins, ela não acredita que a sensata amiga se submeteria a conviver com o homem "mais imbecil da Inglaterra".  Mas Charlotte dá uma lição de senso comum à Elizabeth.  Aos 27 anos, o que ela poderia esperar da vida?  Já estava solteirona e seria um peso para os irmãos.  Melhor casar com um homem idiota, mas aparentemente manobrável, e com boas condições financeiras.  Lucy Scott dá um show nesse episódio com sua Charlotte inteligente, calculista e elegante.  Ela consegue, inclusive, manter o marido afastado dela boa parte do tempo, mas eis que há um preço a pagar, ela não pode mantê-lo longe de sua cama.  E recomendo sobre o tema um vídeo de um professor de Oxford chamado Sexo em Jane Austen.

O melhor desses diálogos antes do casamento com Mr. Collins entre Lizzie e Charlotte é o pedido da segunda para que mantenham sua amizade, se escrevam e que a protagonista faça uma visita.  Eu parei para pensar que dificilmente eu teria cara de pau para visitar a casa  de Mr. Collins depois de tudo que aconteceu, mas Lizzie vai. antes de partir, temos uma cena muito terna entre a moça e o pai que aponta, novamente, para a conexão entre os dois.  Ela é sua filha favorita. Já em Rosings, não sei se vocês concordam, mas fica parecendo que Mr. Collins está mostrando a casa e exibindo suas relações com Lady Catherine de Bourgh (Barbara Leigh-Hunt) para deixar claro que a prima perdeu muito em recusá-lo.

Mas antes de ir para Rosings, ainda em Meryton, a vila natal das moças, Lizzie se torna cada vez mais próxima de Wickham.  Ainda assim, se eu não perdi nenhuma cena, ela não lhe dá o braço, mantendo uma distância física em relação ao moço, enquanto suas irmãs mais jovens, Lydia e Kitty, não tem nenhuma compostura e se atiram sobre Deny e o outro colega que anda sempre à tiracolo com ele.  É curioso que ela não rejeita o braço do Coronel Fitzwilliam (Anthony Calf), primo de Darcy, mas  Lizzie estava passando mal, o motivo pode ser esse.

Quando Mr. Bennett conhece Wickham, seu radar para picaretas apita, porque ele pontua para filha que é muito estranho um sujeito chorar tanto as suas misérias (*para gente que não conhece Darcy*), acredito que o pai de Lizzie leu a coisa como um sinal de fraqueza de espírito, ou indício de falta de caráter, Mr. Bennett sugere que ele deveria escrever romances.  Temos, então, duas pessoas tentando abrir os olhos de Lizzie, Jane e o pai, mas ela está cega e, graças à Wickham, que volta e meia desvia e olha para o decote de Lydia (*prestem atenção no movimento da câmera*), monta a pior imagem de Darcy, mas ela até que merece, enfim.  É nessa parte do capítulo que Mr. Bennett tenta consolar Jane de uma forma muito insensível, para ele, uma moça sofrer por amor, já que Bingley foi embora, seria algo que ajudaria a formar seu caráter.

Neste capítulo, são introduzidos os tios das moças, Mr. Gardiner (Tim Wylton), irmão de Mrs. Bennet, que descobrimos que, na minissérie, se chama Fanny, e sua esposa (Joanna David).  Gosto muito dos dois, porque eles são sensatos e amorosos com as sobrinhas.  Mrs. Gardiner, em especial, se destaca das cunhadas - Mrs. Bennett e Mrs. Phillips (Lynn Farleigh) - pelo seu bom senso e bom gosto e Joanna David é uma excelente atriz.  A personagem observa as duas sobrinhas e leva Jane para uma temporada em Londres, já no caso de Elizabeth, ela percebe que a moça está amando, mas pelo olhar da atriz, que é muito boa, fica evidente que ela se preocupa com o caráter de Wickham.  E o canalha se certifica que a tia de Lizzie, que cresceu perto da propriedade dos Darcy, não conhece a família.  Só depois ele começa a cantilena sobre seus sofrimentos e a vileza de Darcy.

Há uma cena interessante com Elizabeth, Charlotte, Maria Lucas e Mrs. Gardiner sore o interesse de Wickham por Mary King (Lucy Davis).  A moça não é bonita, mas tem uma grande virtude, um dote de 10 mil libras.  Nas histórias de Jane Austen, todos tem um valor e é ele que define o seu lugar na sociedade.  A irmã de Mr. Darcy tem um dote de 30 mil libras, ela vale muito e neste episódio vemos os esforços de Caroline Bingley para aproximar o irmão da adolescente (Emilia Fox).  Já Elizabeth e as irmãs tem um dote de mil libras somente, o que é muito pouco tentador.  As possibilidades de um bom casamento são escassas e precisam ser agarradas.

Já em Rosings, Mr. Collins adverte Elizabeth que Lady Catherine preza pelas diferenças entre as classes, logo, ela deve se vestir bem, mas de forma modesta.  Mais tarde, Lady Catherine a convida para ir até Rosings treinar no piano da governanta, não no piano principal da casa, e Darcy se mexe na cadeira desconfortável com a grosseria da tia. Barbara Leigh-Hunt não é minha Lady Catherine favorita, mas ela está muito bem no papel.  Meu problema com ela é que ela me parece Lady Catherine em todos os seus papéis, basta pegar Wives and Daughters e conferir.

É nessa visita à Rosings que temos os melhores diálogos do capítulo, acredito, talvez, que da série inteira.  São pequenos duelos, Elizabeth enfrente de forma sutil Lady Catherine de Bourgh.  A pomposa senhora estranha que todas as moças Bennetts já tenha debutado.  Sim, era algo muito irregular, talvez uma demonstração de falta de cuidado por parte dos pais das moças (*que não tem cuidado mesmo, a gente sabe*), mas Elizabeth confronta Lady Catherine, uma mulher mais velha e sua superior em nobreza, dizendo que se as irmãs mais novas precisam esperar o casamento das mais velhas, isso não ajuda muito a alimentar o amor entre as irmãs.  Lady Catherine observa a moça com cuidado, mas a conversa morre ali.  E eis que chegam Darcy e o Coronel Fitzwilliam.

Eu gosto muito do Anthony Calf, que faz o primo de Darcy, e da personagem, também.  Às vezes, quando pego alguma fanfic de Orgulho & Preconceito fico torcendo para darem um final legal para ele, as minhas preferidas são as que o juntam com a filha de Lady Catherine, Anne, que é apresentada como uma eterna enferma e sob o domínio da mãe, que a quer casada com Darcy. Nessas fics, normalmente, Anne não é doente, só reprimida e cerceada pela mãe.  Enfim, Calf  dá um tom muito jovial e amigável à personagem.   E ele é muito bandeiroso, não que Lizzie consiga compreender a mensagem, pois ele diz já ter ouvido muito sobre ela.  

Fica óbvio, ainda que não dito, que o Coronel era o confidente do primo e sabia o quanto Darcy estava sofrendo por amor.  E o Coronel Fitzwilliam é encantador e gentil, também, mas precisa casar bem, pois é o filho caçula de um conde e vai herdar muito pouco do pai.  Elizabeth compreende sua situação, tanto quanto compreendeu a de Wickham, e é muito amigável com ele e acaba se estabelecendo uma boa dinâmica entre Anthony Calf e Jennifer Ehle.  E temos Lizzie perguntando por qual motivo Darcy a está encarando, porque Colin Firth encara e olha muito nesse capítulo.

é no episódio 3 que temos aquele diálogo-duelo  entre Elizabeth e Darcy, quando ela está tocando piano e ele se aproxima para puxar assunto.  Ele quer interagir com ela, mas não sabe bem como e ela o espicaça, debocha dele.  Ele argumenta que é difícil para ele conversar com estranhos, no que ela duvida e retruca que é difícil para ela tocar o piano, porque não se esforça, nem treina.  

Depois da reprimenda elegante, Darcy vai tentar melhorar suas técnicas de conversação com ela, porque, mais tarde no episódio, ele dá um jeitinho de ir até a casa de Mr. Collins, sabendo que a moça está sozinha, e vem com uma conversa que, bem, para Elizabeth pareceu muito doida.  Ela se importaria em morar longe de sua família?  E eles até conseguem rir juntos de Mr. Collins, ainda que de forma discreta e com a câmera se afastando, abrindo a cena e dando a noção do quão distantes eles ainda estavam.  Aliás, o uso da câmera é muito importante na série inteira para marcar emoções e intenções das personagens.

E o final do capítulo temos o Coronel Fitzwilliam, talvez para tentar fazer uma boa propaganda do primo para Lizzie, contando como Darcy impediu um amigo, Mr. Bingley, de fazer um casamento infeliz.  A expressão facial de Jennifer Ehle se transforma.  Elizabeth quer matar Darcy e quem aparece para pedi-la em casamento?  O próprio e muito nervoso e agitado, incapaz de manter aquela frieza que lhe serve de escudo.  Eu não consigo ler o pedido sem que ele tenha a voz de Colin Firth nos meus ouvidos “In vain have I struggled. It will not do. My feelings will not be repressed. You must allow me to tell you how ardently I admire and love you.” (“Em vão tenho lutado. Mas eu fracassei. Meus sentimentos não serão reprimidos. Você deve permitir que eu lhe diga o quão ardentemente eu a admiro e amo.”).  A gente suspira, mas, depois, é só ladeira abaixo.

Essa declaração tem o pior timing da literatura, eu acredito, e ele, Darcy, ainda faz questão de frisar que está agindo contra seu bom senso, afinal, ela é muito inferior a ele, sua família  então...  Há em Darcy, e Colin Firth está lindo com aquela jaqueta verde que ele vai usar no final do episódio 4, um orgulho masculino e de classe que o impede de sequer sonhar que a moça pode dizer "não".  E, bem, o esperado seria que ela aceitasse, mas a moça não é qualquer uma, é Elizabeth Bennett.  E Lizzie nem sempre está certa, mas não costuma levar desaforo para casa.

Lizzie expõe o que ele fez com sua irmã e Darcy não se desculpa, ele acredita que fez o certo.  Ele está errado, mas o orgulho, e, sim, é orgulho mesmo, o impede de repensar suas ações.  E, por fim, Elizabeth traz Wickham.  A face de Colin Firth nessa hora, seu olhar, são de uma pessoa transtornada.  E como não?  Mas a gente não sabe o que aconteceu ainda.  Ele não foi um cavalheiro, isso é certo, Elizabeth não errou nesse ponto, mas ainda temos muita água para rolar debaixo dessa ponte.  Continuaremos com a análise do capítulo 4.

1 pessoas comentaram:

Só consigo pensar que, se a Mrs. Bennet já teve aquele surto por saber que a Lizzy recusou o Mr. Collins, imagina se soubesse que ela recusou "10 thousand a year"! Hahaha!

Eu nunca tinha notado que o Wickham olhava para o decote da Lydia (só tinha notado o Mr. Collins)! Agora, eu vou ter de assistir à série de novo para prestar atenção nisso... Que sacrifício... Hahaha!

O embate de "orgulhos" e o fato de cada um ter de ouvir o "preconceito" do outro constituem uma ótima cena mesmo! Concordo bastante com a resenha como um todo.

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