sábado, 10 de outubro de 2020

Comentando o capítulo 3 de Orgulho e Preconceito (BBC/1980): Darcy se esforça por sorrir e se comporta como um stalker

Assisti ao terceiro capítulo da série anteontem, mas estava tão calor e eu tinha tantas outras coisas para fazer, que não produzi o texto de imediato.  Este capítulo é bom, como toda a série é, mas ele é um tanto problemático.  Motivo?Ainda que capture perfeitamente o espírito das personagens, e me refiro à Lady Catherine de Bourgh (Judy Parfitt) em especial, há uma quantidade excessiva de diálogos inventados para o capítulo, normalmente, para produzir humor e ajudar a delinear a personalidade autoritária da tia de Mr. Darcy.

Enfim, esse terceiro capítulo com Lizzie a a mãe comentando sobre a estadia de Jane em Londres, com os tios Gardiner, e que ela não viu ainda Mr. Bingley.  Mrs. Bennet tem um monte de ideias loucas e impróprias de como a filha poderia fazer contato com o rapaz, em seguida, a protagonista aparece jogando com o pai.  É a segunda cena que mostra esse tipo de intimidade entre os dois.  Mr. Bennet único consolo é Lizzie, a única com quem ele consegue de fato interagir.  Esse ponto é bem forte nessa série.  Chegam cartas de Charlotte para Lizzie, a mãe não quer que ela as leia, muito menos que aceite o convite de visitar o novo lar da agora Mrs. Collins, mas Mrs. Bennet está curiosa e Lizzie vai.

Diferentemente do livro, Lizzie está sozinha e, não, acompanhada do pai de Charlotte e de sua irmã, Maria.  Percebam que a série foi econômica nessa parte, diferindo de 1995.  Mr. Collins também é super gentil e afetuoso com a prima e se mostra cheio de energia e nem um pouco disposto a  fazer aquele jogo "veja só o que você recusou".  Ele parece genuinamente feliz com o casamento e a Charlotte desta versão não tem aquela capacidade de manter o marido afastado.  

Muitos diálogos foram criados, assim como cenas para acentuar o caráter cômico de Mr. Collins.  Escrevi na resenha do capítulo 2 que Malcolm Rennie está muito bem no papel, mas não havia necessidade de tantos exageros, conversas sobre legumes e a história do chapéu boia impermeável com Charlotte ajudando-o a fixar plantas aquáticas no lago.  O que eu quero dizer é que uma piada aqui e ali é OK, mas uma enxurrada delas, mesmo envolvendo Lady Catherine, é um exagero e rouba tempo de partes do livro que deveriam ser colocados em tela.

Logo na primeira visita de Lizzie à Rosings, residência de Lady Catherine, Darcy já está lá.  Fiquei atenta para as micro expressões faciais de David Rintoul, porque é neste capítulo que ele começa a tentar mostrar algum interesse poe Lizzie.  Ela, no entanto, tem tanta aversão por ele que não consegue ver o que sua amiga Charlotte lhe aponta e, vejam bem, comenta com o marido, que comenta com Lady Catherine.  Essa dinâmica entre os Collins, esta inconfidência por parte de Charlotte, é um ponto fora da curva dentro da série.  Tão amiga de Lizzie como ela era, tão inteligente e conhecendo o marido, ela jamais comentaria com ele.

Voltando para Rosings, Judy Parfitt é minha Lady Catherine favorita.  Ela é tão arrogante, tão autoritária, tão complacente, e elegante, enfim, tão tudo, uma verdadeira tirana sem nenhum limite.  Ela pergunta e interrompe a pessoa que está falando e continua sem nem se importar.  É uma dessas cortadas que Darcy, que parece um tanto nervoso, Rintoul fica mexendo o joelho nessa primeira cena, o tempo inteiro, olha para Lizzie e dá um meio sorriso quando é cortado pela tia.  A moça retribui aparentemente sem graça e confusa o sorriso dele e desvia o olhar.

Em Rosings, há outra economia, Mrs Jenkinson, a governanta de Miss de Bourgh (Moir Leslie) não existe.  Aliás, Moir Leslie não aprece tão doente quanto em outras versões, mas parece assustada e reprimida.  Eu gosto muito dela, a atriz entrega uma interpretação econômica em palavras e gestos, mas que passa um desespero em relação a sua situação que dá pena.  E quando, mais para o final do capítulo, Lizzie insiste em ir embora, ela agarra as mãos da moça no que mais que um gesto de amizade parece ser um pedido de socorro, tipo "Fique!  Por favor, fique!".  

Quando Darcy, Lizzie e o Coronel Fitzwilliam estão conversando enquanto a moça está ao piano, Lady Catherine arrasta a filha para lá e a obriga a ficar ao lado do primo, quase noivo.  Mal Lady Catherine se vira, ela dá dois passos para o lado para escapar da proximidade forçada. Como não existe Mrs. Jenkinson, Lady Catherine convida Lizzie para treinar no piano da housekeeper (empregada, sem definir bem qual o seu status), o que torna a coisa ainda mais ofensiva.  Darcy meio que torce os lábios nesse momento e lança um olhar profundamente incomodado para a tia.

Outra participação importante no capítulo é, claro, o Coronel Fitzwilliam  (Desmond Adams), o primo de Darcy que sendo filho caçula precisa se casar bem.  No livro, ele é descrito como tendo por volta dos trinta anos, não sendo bonito, mas agradável e profundo concededor de literatura e música.  Ele e Lizzie prontamente criam uma conexão e a interpretação de Adams de Anthony Calf em 1995.  O Coronel da série de 1980 não é expansivo, risonho, ele é discreto.  Havia inclusive uma cena dessa série, e que está no livro, que eu imaginava que estava na de 1995.

No livro, o Coronel Fitzwilliam fala de como é difícil ser filho caçula e ter que fazer sua fortuna.  Lizzie diz que mesmo sendo caçula ele vive muito bem, ele continua rico.  O rapaz explica que como filho de um conde, ele se acostuma com a riqueza, com a dissipação mesmo, e que, por causa disso, precisa casar bem.  Lizzie, no livro, chega a enunciar que não está interessada nele, na série, isso está subentendido.  O Coronel é muito agradável e culto, mas seu par ideal, e eu já escrevi isso, seria a prima Anne de Bourgh.  A partir daí, segue aquela conversa sobre como Darcy salvou Bingley de um casamento ruim e Lizzie, nessa versão, fica tão alterada que deixa o Coronel sozinho e volta para a casa de Mr. Collins.

Antes da declaração de Darcy, que ocorreu logo em seguida e economizando um pouco do texto original, ele já tinha feito uma visita.  O diálogo sobre se Elizabeth se importaria de morar longe de sua família e o sujeito volta e meia aparecia do nada na frente de Lizzie quando ela fazia suas caminhadas.  Um verdadeiro stalker e sempre com aquela expressão fria.  Na série de 1995, Lizzie sempre avista Darcy de longe, ele não aparece na frente dela de repente saindo de uma moita na beira da estrada.  Bem freaky mesmo como essas cenas acontecem.

E temos a declaração e o pedido de casamento.  Meu marido estava aqui por perto quando eu estava assistindo.  Apesar das sei lá quantas vezes que ele já me viu assistindo alguma versão de Orgulho & Preconceito, ele nunca tinha parado par aprestar atenção.  Ele ficou atento ao discurso "Eu te amo, apesar de você, sua família, seus ancestrais, não merecerem nem pisar no chão por onde eu pisei" e perguntou "Quem é esse aí?".  "É o Mr. Darcy."  Ele franziu as sobrancelhas e comentou "Como alguém espera ser aceito dizendo esse tipo de coisa.".  Pois é, quem?  

Nessa cena, Dadid Rintoul chega a alterar a voz e o lábio inferior dele chega a tremer, como tinha ocorrido em uma cena anterior, não sei se na visita, ou em Rosings mesmo. É uma grande demonstração de emoção dentro de uma linha de interpretação que é contida, afinal, ele é um cavalheiro, um homem rico, senhor de seu destino e, por conseguinte, do de outros.  Ele não pode ser um fraco.  E se você me perguntar quem está mais de acordo com a época, se David Rintoul ou o Mr. Knightley do novo Emma, eu direi que é o Darcy de 1980.  Já Elizabeth Garvie tem fogo nos olhos e acho que pularia com as unhas na cara de Darcy, se fosse apropriado.  Quando ele sai, ela chora, mas é de raiva.  Depois, como tem muito diálogo interno da personagem nessa série, ela reflete sobre o ocorrido.

Que mais comentar?  Temos a carta, claro.  Uma versão compacta e não integral da mesma.  Lizzie lembra de Wickham e começa a refletir sobre como via o rapaz até então.  Logo no início, são suas irmãs que lhe dão a notícia de que o  imprestável estaria cortejando a herdeira Mary King.  E é interessante como nessa versão, há uma explicita demonstração de amor das irmãs umas pelas outras, mesmo Mary, que faz questão de dizer que Lizzie era mais inteligente que a moça que Wickham escolheu.  

Uma falha da série foi colocar o Coronel Fitzwilliam de farda  tempo inteiro.  O cara está de folga, ele não iria querer estar de uniforme, mas esse erro é muito comum em séries e filmes.  O cara é militar e tem que usar a farda até como pijama.  Já outra situação que traiu mesmo o caráter da personagem é Lizzie descendo da carruagem e já contando para Jane que Darcy a pediu em casamento.  Está certo que os nobres e os ricos às vezes não veem seus criados como gente, discuti isso na resenha do último Emma, mas não seria da índole da personagem sair falando da coisa de maneira atabalhoada e antes de entrar em casa, ou estar segura com  a irmã em algum lugar.

É isso, um capítulo um tanto irregular.  Algumas cenas muito boas, excelentes interpretações, mas a perda de tempo com as piadas, vai levar a correrias mais adiante.  Seis episódios são o ideal para Orgulho & Preconceito e, ainda assim, coisa importante pode ficar de fora.  e queria explicar uma coisa.  Lady Catherine de Bourgh é filha de um conde, por isso, ela não é simplesmente Lady de Bourgh, como é Lady Lucas, que só é lady por ser casada com um Sir, isto é, a esposa de algum membro da nobreza sem título próprio.  Filhas de conde, marquês e duques eram ladies sempre.  Mas Lady Catherine casou com um nobre rico que não era nem conde, nem marquês e nem duque, assim como sua irmã, mãe de Darcy, por isso, sua filha não é lady, mas Miss de Bourgh e a irmã do mocinho é Miss Darcy.

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