domingo, 7 de março de 2021

Documentário dá voz às mulheres que sofreram violência sexual após o grande terremoto ocorrido no Japão dez anos atrás

 

Dez anos atrás, o Japão passou por aquela tragédia que envolveu terremoto, tsunami e acidente  na usina nuclear de Fukushima, tudo se iniciou em um 11 de março.  O terremoto às vezes é chamado de Higashi Nihon Daishinsai (東日本大震災), Grande Terremoto do Leste do Japão.  Até hoje, ainda estão identificando restos mortais de desaparecidos.  Há inúmeras historias de superação, caridade, sacrifício, mas há coisas feias, também, e estão aparecendo relatos de mulheres que foram abusadas em um momento no qual precisavam de proteção e apoio, este é o tema de uma matéria do Sora News.

Pois bem, na semana passada, a NHK levou ao ar um documentário intitulado, em português, "Vozes enterradas 25 anos de verdade ~violência sexual em caso de desastre~".  O documentário de 45 minutos apresentou entrevistas com pessoas que têm trabalhado duro para erradicar a violência sexual no Japão, não apenas após o terremoto de 2011, mas após o Grande Terremoto Hanshin-Awaji que devastou a área de Kobe em 1995. Citando a matéria:

"A violência sexual após desastres foi amplamente documentada em todo o mundo, mas aqui no Japão, a questão foi amplamente esquecida, com a primeira pesquisa em larga escala no país sobre a questão conduzida apenas após o Grande Terremoto no Leste do Japão.  A pesquisa delineou 82 incidentes individuais de agressão sexual, assédio sexual e contato sexual indesejado. Muitas das vítimas eram mulheres solteiras, separadas, divorciadas ou viúvas, com vários casos envolvendo tipos de agressão, em que indivíduos foram exploradas para sexo em troca de recursos como comida e abrigo.

A Yorisoi Hotline foi criada em março de 2012 como um serviço gratuito de consulta telefônica 24 horas apenas para mulheres para ajudar os moradores locais com quaisquer problemas após o desastre. Das mais de 360.000 ligações recebidas de 2013 a 2018, mais da metade das consultas estavam relacionadas à violência sexual nas três áreas gravemente afetadas das prefeituras de Fukushima, Iwate e Miyagi. Testemunhos chocantes de vítimas incluídos (alerta de gatilho, testemunhos gráficos):

“Um homem em um alojamento temporário gradualmente enlouqueceu e pegou uma mulher e a despiu em um lugar escuro. As pessoas ao redor não a ajudaram e fingiram não ver, dizendo: “Não dá para evitar porque eles são jovens”. (Mulher na casa dos 20 anos)

“O chefe do centro de evacuação disse:‘ Deve ser difícil para você (depois de perder seu marido). Vou te dar toalhas e comida, então venha e pegue-os de mim à noite. 'Quando eu fui buscá-los, ele descaradamente me forçou a fazer sexo com ele. " (Mulher que perdeu o marido no terremoto)"

Na página da NHK, há um terceiro relato que traduzi como pude, mas que é bem emblemático: "Fui atacada por vários homens. Mesmo se eu fosse morta por fazer barulho, eu tinha medo que fosse levada pelo mar e o tsunami recebesse a culpa, e eu não pudesse contar a ninguém depois disso ... (Mulher que foi violenta pelos líderes de um abrigo)" Agora, abra lá a matéria sobre o corpo de uma mulher identificado dez anos depois e reflita sobre esse relato.

Segundo o SN, os relatos geraram grande comoção no Japão e a coisa reverberou para as redes sociais.  Quem lê inglês, basta acessar a matéria original e vocês poderão ler algumas delas.  Ainda segundo a matéria, as descobertas da pesquisa de 2011, liderada pela respeitada assistente social, a Prof.ª Mieko Yoshihama da Universidade de Michigan, levaram à melhoria dos serviços de consulta, abrigos de evacuação e uma revisão das contramedidas nacionais contra desastres no Japão.  O SN termina louvando as mulheres que tiveram coragem de romper o silêncio, porque, enfim, muitas vezes a vergonha e o medo de sofrerem ostracismo e perseguição são muito grandes.  

Mulheres ao relatarem estupros têm sua palavra colocada em questão, não raro sofrem o escrutínio de sua vida, pois coisas desse tipo só acontecem como mulheres que deram algum motivo.  "O que você estava vestindo no momento mesmo?"  Por outro lado, quando a denúncia não vem de imediato, surge outro tipo de acusação.  "Por que não denunciou logo? Na hora você bem que gostou, não é?" Enfim, às vésperas do 8 de março, parem para refletir sobre quantas mulheres no Brasil podem estar sendo constrangidas nesse momento a "cederem" favores sexuais para poderem alimentar seus filhos e filhas, ou a si mesmas, em tempo de pandemia, para terem um teto sobre sua cabeça.  No filme e no livro, A Vida Invisível, esse tipo de arranjo foi retratado.  E, sim, é violência sexual, também, e somente ocorre, porque as mulheres foram abandonadas pelo Estado e privadas dos meios de sustentarem a si mesmas.

0 pessoas comentaram:

Related Posts with Thumbnails