domingo, 4 de julho de 2021

Finalmente estreou Kageki Shoujo!! e foi com o pé direito! (review)

Acabei de assistir o primeiro episódio de Kageki Shoujo!! (かげきしょうじょ!), a série baseada no mangá de Kumiko Saiki, que eu comentei no Shoujo Café pela primeira vez em 2015.  Na época, li no Comic Natalie que Riyoko Ikeda tinha feito o texto de recomendação do mangá que vinha no obi, aquele cintinho de papel que circunda alguns volumes de mangá, ou livro.  Motivo?  A série é sobre uma garota que sonha em ser Oscar, a protagonista da Rosa de Versalhes, no teatro musical feminino Kouka, que é uma homenagem ao Takarazuka.  Sim, são muitas homenagens juntas.  Ver Sarasa e Ai ganhando vida no anime me deixou bem feliz, encantada até.  O primeiro capítulo foi tudo o que eu gostaria de ver, especialmente, em uma semana que eu tive vários aborrecimentos com trolls que me atacaram usando a Rosa de Versalhes.  Falo disso no final, porque a ignorância, a má fé e a vagabundagem precisam ser expostas, sim.

Kageki Shoujo tem como protagonistas duas adolescentesAi Narata, que é apresentada logo no início do episódio, uma menina que cresceu como idol e cercada de uma atenção exagerada por parte dos fãs-homens.  Um dia, ela perdeu a paciência com um deles, e quem acompanha esse mundo das idols sabe que rola muita coisa horrenda na relação dos fãs com essas garotas, a coisa vai de assédio sexual até agressões físicas mesmo (*Ex.: 1 - 2 - 3 - 4*).  Em alguns casos, as cláusulas dos contratos dessas meninas são absurdas e assinadas quando elas sequer tem capacidade de discernir ou decidir por si mesmas.  Ai acabou sendo obrigada a debutar antes da hora, a agência a expulsou do grupo, o JPX (*no mangá é JPX48, referência direta ao AKB48*), e, ao que parece, sua mãe rompeu relações com ela por causa disso.  Como a imagem ideal da mulher japonesa é a da moça discreta, submissa e com um sorriso tímido nos lábios, Ai ficou mal falada, também, muita gente acha que ela foi responsável pela punição.  

Sendo volta e meia reconhecida na rua, o que Ai mais deseja é poder estar em um ambiente sem homens e onde possa desenvolver suas potencialidades sem ter o olhar masculino sobre ela.  O colégio do Teatro Kouka, onde seu tio, que é quase seu irmão mais velho, é um dos professores, é sua chance e ela é uma entre as mais de mil candidatas que consegue chegar na seleção de duzentas meninas candidatas a uma das quarenta vagas da 100ª turma da instituição.  Tudo o que ela queria era paz, só que Ai conhece Sarasa Watanabe, a menina girafa, barulhenta e meio sem modos, que sonha em interpretar Oscar.  As duas terão que dividir o mesmo quarto e Ai acredita que saiu de um inferno para cair em outro.

Sarasa mora com seu avô, que é de uma família ligada ao Kabuki, que junto com o Noh, é um dos mais tradicionais teatros japoneses.  Mas ela nasceu mulher, e as mulheres foram expulsas do Kabuki no século XVII (*ainda que estejam começando a voltar agora*).  A menina, no entanto, acredita que ser mulher é uma bênção e que irá provar isso atingindo seus sonhos. Ela consegue realizar seu primeiro sonho meio que por concessão, por ser uma menina sem medo (*eu diria que ela é meio avoada e sem noção do perigo mesmo*), sendo admitida na escola do Teatro Kouka.  Só que ela não vem de uma família de posses, não teve uma educação refinada, não é disciplinada, e não controla a língua. A maioria acredita que ela irá fracassar. Ainda na semana de aclimatação, ela diz em voz alta o seu sonho, ser Oscar.  Isso desperta a atenção dos professores, das outras candidatas, uma delas filha e neta de atrizes do Kouka, e mesmo das veteranas.  Para ser Oscar, você tem que ser a top star, você tem que superar todas as outras colegas de sua turma.  

Kageki Shoujo é uma homenagem ao Takarazuka, o teatro feminino fundado em 1913, na Era Taisho, assim como o Kouka.  Nos anos 1970, o Takarazuka estava em decadência até ser revigorado pela Rosa de Versalhes, quando o mangá de Ikeda terminou em 1974 foi convertido quase imediatamente em peça de teatro e atraiu tantas mulheres que a Revue, outro nome do Takarazuka, nunca mais teve problemas financeiros ou de popularidade, voltando a ter a importância de décadas anteriores.  Interpretar Oscar, e há várias peças do Takarazuka derivadas da Rosa de Versalhes, é uma honra.  

No Takarazuka, as atrizes que interpretam papéis masculinos, ou uma personagem feminina forte como Oscar, ou até, em alguns casos excepcionais, uma Scarlet O'Hara (E o Vento Levou), são chamadas de otokoyaku (*otoko é homem, yaku, sombra).  As atrizes que fazem as otokoyaku são as mais populares, as que tem mais fãs e sai muito material impresso do Takarazuka com fotos somente delas.  Já as atrizes que fazem as personagens femininas são as musumeyaku (*musume é filha, yaku, sombra*).  Sarasa almeja ser uma otokoyaku, muito alta, ela não poderia nem escolher entre as duas opções.  Já Ai parece sob medida para ser uma musumeyaku.

O Takarazuka é dividido em trupes (*gumi*) Hana (Flor), Tsuki (Lua), Yuki (Neve), Hoshi (Estrela) e Sora (Cosmos), a última  ser criada.  O Kouka tem quatro trupes, cada uma com o nome de uma estação do ano.  O Kouka, talvez para poder se adequar ao público leitor do mangá, tem um colégio de ensino médio de dois anos, no início é dito que as ex-alunas normalmente conseguem ser admitidas na prestigiosa Universidade de Tokyo, caso não desejem seguir carreira.  No caso do Takarazuka, a escola é mais um College, uma faculdade de dois anos no modelo norte-americano.  No mangá de Kageki Shoujo é dito que as meninas podem tentar entrar em Kouka entre os 15 e os 18 anos, isso não apareceu no anime.  No quadrinho, Ai diz que se fracassasse ainda teria tempo de tentar novamente.

Ao longo das últimas semanas, houve uma campanha de marketing com pequenos vídeos de cada uma das personagens que terão destaque na história, não é algo muito comum, mas mostra o investimento na série que, eu tenho certeza, pretende atrair não somente o público dos animes, mas as fãs do Takarazuka que, talvez, não parariam para assistir uma série animada, mas irão dar uma olhadinha em um material que é feito para homenagear a Revue.  O primeiro capítulo foi excelente e destacaria a sequência, no último dia da aclimatação, em que um militar é chamado para colocar as meninas para fazerem ordem unida, isto é, aprenderem a marchar juntas, sem que uma se destaque das demais.  Antes de você ser uma estrela, você tem que aprender a ser parte do coro, trabalhar em sintonia, em conjunto  No final da sequência, o militar fica tão impressionado com a força de Sarasa que pergunta se ela não quer ser militar. É aí que ela diz que quer ser Oscar. 😄

Lembro quando do filme Cisne Negro, que uma bailarina destacou esse aspecto, que das bailarinas se exige que sejam parte de um grupo homogêneo e, ao mesmo tempo, que tenham algo de especial que as  faça serem notadas.  A linha é tênue e você pode se tornar uma prima bailarina, ou ser chutada do companhia por nãose ajustar.  Vale o mesmo para o Takarazuka.  E acabei lembrando de Busby Berkeley, que começou organizando paradas militares durante a 1ª Guerra Mundial e, mais tarde, se tornou o gênio por trás dos musicais clássicos com grandes grupos fazendo coreografias em terra e na água.  Tem um artigo sobre ele chamado Busby Berkeley and the Art of Order (Busby Berkeley e a Arte da Ordem) que discute esse aspecto dos musicais. 

Quanto à abertura ela está muito, muito bonita e apresenta um teatro que praticamente reproduz o Teatro do Takarazuka, além disso sugere o forte laço que irá se desenvolver entre Ai e Sarasa.  Espero que o stalker que está perseguindo Ai leve uma surra de Sarasa, porque, bem, acho que isso será um desdobramento dessa subtrama. Uma coisa que cortaram na adaptação são as meninas chorando por não terem conseguido ficar na seleção final, especialmente, meninas que não terão tempo para tentar novamente.  Seria interessante deixar essa parte para reforçar o quão seletiva a Kouka é.

A animação que estreou hoje é baseada na primeira série de Kageki Shoujo, que teve dois volumes (*tenho em casa*), e que foi publicada em uma revista seinen, a extinta Jump Kai.  Sim, seinen, porque saiu em revista seinen, poderia ter começado como shoujo, ou josei, mas não foi assim.  Só que a série fez sucesso e recomeçou na revista shoujo para meninas mais velhas, a Melody.  A capa da edição deste mês está aí em cima e traz Kageki Shoujo na capa, claro, para promover o anime.  A nova série já conta com 10 volumes e segue em publicação.  

Ambas as séries estão em publicação nos Estados Unidos, os dois volumes seinen saíram em um encadernado só e a autora os trata como uma prequel da série principal, já a que está em andamento,  começa a ser lançada este mês.  Espero que Kageki Shoujo!! faça sucesso e pelo menos esses dois volumes iniciais saiam por aqui, no Brasil.  Logo abaixo, coloquei o trailer da série, imagino que a série animada agregue material da que está saindo na Melody em algum momento. Resenha encerrada.  Para quem quiser ler as scanlations em inglês, o mangá está aqui. São somente 14 capítulos.  Se quiser saber sobre o  ataque dos trolls, siga para depois do vídeo.

Para quem caiu aqui de paraquedas, este blog tem dezesseis anos, antes dele, havia o Shoujo House, um site que foi criado em 2002.  Já estava na internet em grupos sobre anime e mangá desde 1998.  Eu sou velha.  Uma das séries que eu mais conheço, até porque foi responsável por me aproximar do meu futuro marido.  Eu me dedico a estudar e divulgar o shoujo mangá, mas faço outras coisas, porque trabalho, sou professora de História, e nesse meio tempo fiz meu doutorado (*não relacionado à cultura pop japonesa*). Por que falar de shoujo? Porque a maioria das pessoas por aqui não sabe que no Japão uma parte grande do mercado de mangá e outros é voltado parta meninas e mulheres que criam as histórias que consomem, porque, no Brasil, quadrinho ainda é visto como coisa de criança,  ou de homem que se recusa a crescer, não como algo que pode ser para todos e feito por mulheres, também.  E, ainda mais uma coisa, porque muita gente acredita que tudo o que tem romance é shoujo e que shoujo é sinônimo de romance.

Mesmo estudando muito, não sei muita coisa ainda, na verdade, sei muito pouco, inclusive, porque meu japonês é limitadíssimo, fora isso, algumas questões do mercado de mangás vem mudando com o tempo (*Exemplo: a quantidade cada vez maior de mangás digitais*), com a descoberta de novas fontes que alteram um pouco a perspectiva sobre a história do mangé e do shoujo mangá em particular, há a internacionalização etc.  Aprendo todos os dias e fico feliz com isso.  Há posts no Shoujo Café sobre coisas que eu descobri e como fiquei feliz com isso.  Agora, leio, me informo, invisto em livros (*não em memorabilia, mas se tivesse recursos até investiria*), pesquiso, e aprendi da minha primeira orientadora na universidade que ninguém sabe mais do seu objeto do que você, que se dedica a estudá-lo.  Fingir que não sabe para não ferir os sentimentos de desconhecidos que podem nem ser tão desconhecidos assim, dar palco para maluco dançar, não é algo que vai fazer a compreensão de um tema avançar.  Enfim, se você considera que esses dois primeiros parágrafos foram arrogantes, melhor parar por aqui.

Pois bem, semana passada, apareceram quatro perfis novos, que, talvez, sejam todos da mesma pessoa, no Facebook do Shoujo Café.  Começamos com um "rapaz", apresentando-se como adolescente, e desqualificando o filme Luca da Disney-Pixar.  Eu fiz resenha, assisti com minha filha de sete anos.  Eu disse que ele tinha direito a ter sua opinião, mas que eu discordava. Ele cresceu e começou a publicar coisas grosseiras e trouxe a Rosa de Versalhes para a discussão que eu só vi no final do dia, porque estava trabalhando e mal entrei no Facebook.  Resumindo, que eu sou velha, sou mesmo, e que não tinha o direito de comentar materiais infanto-juvenis.  Me mandou lavar louça, inclusive.  Sim, eu lavo louça, eu sou também uma dona de casa, mas sabemos bem que se trata de uma ofensa machista típica.  Trabalho visto como "de mulher" é inferior, se não é remunerado, mais ainda. O post comentando tudo isso está aqui.

Enfim, quem produz material para o público infanto-juvenil e faz a crítica e a análise dos mesmos, são adultos.  Seja nas revistas, jornais, internet, ou na universidade, somos nós, adultos, que analisamos e avaliamos esses produtos.  Mas veio um segundo perfil, apresentando-se como uma pessoa que deveria ter, no mínimo, 65 anos, e que, mais uma vez, tentou fazer essa linha de que gente velha não deveria se preocupar com coisas de criança e que se assim procedia é por ser vagabunda, no sentido de não ter o que fazer.  Se a tal pessoa tem idade para ser minha mãe, o que estaria fazendo em um grupo de shoujo se assim pensa.  E atacou dizendo que a Rosa de Versalhes, que tinha sido trazida à discussão nos comentários do "suposto" adolescente, era um produto infantil (*no sentido de desqualificação do material, que fique claro*) e que eu não tinha o direito de gostar, assistir e, claro, muito menos analisar.  Infantil é Doraemon (ドラえもん), que mesmo assim poderia tratar de questões que os ocidentais não iriam colocar em um material para crianças, o anime da Rosa de Versalhes estava direcionado a um público juvenil, mas as fãs do mangá foram assistir e não gostaram do que viram.

Apareceu um terceiro perfil, um homem de mais de 40 anos que seria colecionador de coisas da Rosa de Versalhes e teria morado na Itália para reforçar que lá, a animação seria para crianças. Foi lançada assim. Sim, qualquer anime que chegasse no Ocidente entre a metade dos anos 1960 e até meados dos anos 1990 era "para crianças" até que alguém reclamasse, saísse do ar ou a censura mutilasse.  No Brasil, que, não raro, recebia material via Estados Unidos, México, as coisas já podiam vir mutiladas para eliminar algum tema visto como inadequado, ou mortes, ou bebidas alcoólicas (*vide a série Cometa Império de Patrulha Estelar/Yamato e Sailor Moon*).  A Rosa de Versalhes foi censurada na Itália e nunca foi exibida no Brasil.  A Rosa é shoujo, saiu na Margaret, que seria o segundo degrau das revistas shoujo, o primeiro é ocupado pela Ribon, Nakayoshi e Ciao, voltadas para meninas de 9 aos 13 anos prioritariamente, está aí Sailor Moon ( 美少女戦士セーラームーン) para mostrar que as coisas nem sempre ficam restritas ao público alvo original.  

Só que nos anos 1970 não havia revistas para mulheres adultas e muita coisa que saia nas revistas shoujo e, hoje, não sairia.  A Rosa não é o caso, não vejo assim, e mangá e anime são mídias distintas, mas o fato é que a série foi além da sua demografia e atraiu fãs adultas, o mesmo aconteceu com Ashita no Joe ( あしたのジョー), que era shounen e passou por um acolhimento semelhante ao da série de Ikeda.  Não fosse assim, a Rosa não teria ido parar já em 1974 no Takarazuka, que não é divertimento infantil, mas para quem pode pagar e caro, diga-se de passagem.  Além de peça do Takarazuka, a Rosa virou filme para o cinema, feito na Europa, com elenco estrangeiro e diretor famoso.  Tudo antes do anime ser lançado no Japão e fracassado.  O filme patrocinado por uma gigante dos cosméticos japoneses, não era para crianças.

O tal adulto de 40 anos se mostrou civilizado, conversou comigo por bem uma hora no Messenger e tudo mais, mas eis que apareceu uma suposta menina de 15 anos para me ensinar o que é shoujo, o que é josei, tudo bem arrumadinho (*Josei é realista, fala da vida de mulheres adultas, sem fantasia etc.*) e que são gêneros, não demografia, porque a mãe dela, que trabalhou em uma revista especializada ensinou tudo para ela. E, claro, que A Rosa de Versalhes é para crianças, sim, mas que eu poderia gostar da série mesmo não sendo para mim.  Achei uma bondade sem tamanho essa concessão feita pela suposta menina.

Não perdia a paciência, mas fui me enervando.  Os quatro, cada um por seu turno, partiu para a agressão e desqualificação, e não estou falando de chamar de velha, o objetivo era mostrar que eu não tenho o direito, ou competência para estar aqui escrevendo na internet, ou gravando vídeos, ou o que seja.  Foram expulsos do grupo, porque ele tem regras e na minha casa mando eu e não tenho nenhum problema em exercer a autoridade que me cabe, além disso, não posso permitir desinformação dentro de um grupo que eu fundei e modero.  Aliás, o que se espera das mulheres é que elas se intimidem e aceitem atitudes desrespeitosas que um homem jamais aceitaria, ou agressões que nunca receberia.   Comigo, não.

De resto, achei tudo muito arrumadinho, muito encadeado, para não ter sido um ataque combinado, ou feito por uma, no máximo duas pessoas.  Há quem pergunte por qual motivos os comentários do Shoujo Café não são abertos, porque não uso algum programa, aplicativo, o que seja que permita maior interação entre quem comenta.  É por coisas assim.  Já houve vários ataques ao longo de dezesseis anos, na verdade, antes mesmo. Leio e ouço bobagens faz muito tempo e as mesmas bobagens continuam indo e voltando, mas há coisas que a gente não sabia 15, 10 anos atrás e errava, mas que aprendemos e não devemos errar mais, como chamar shoujo, shounen, de gênero.  Mas todo mundo acha que pode falar bobagens sobre shoujo, "shoujo é só romance", "shoujo é ruim", "tem romance é shoujo", "shoujo é mal desenhado", "Tezuka criou o shoujo mangá",  e ser feminista e deixar isso claro nos meus textos, incomoda muito.  Mas é isso, mais uma semana iniciada.  Se tudo correr bem, tomo a primeira dose da vacina esta semana.

0 pessoas comentaram:

Related Posts with Thumbnails