sábado, 21 de maio de 2022

Comentando King's Man: A Origem (2021/Inglaterra/EUA): Uma Prequel que não faz justiça à série

Finalmente, terminei de assistir The King's Man, filme prequel da série que eu gosto tanto, apesar de ser uma grande bobagem, ou talvez, exatamente por isso. Em relação a este último filme, no entanto, tenho sentimentos MUITO conflitantes. Pior isso mesmo, a primeira parte será a resenha em si, tentando evitar os spoilers mais dramáticos e a segunda parte, que estará após o trailer, discutirá os problemas e incômodos que tive com a película.  Neste sentido, essa prequel me trouxe mais o que pensar do que os dois primeiros que eram só divertimento e fanservice mesmo, mas, ao mesmo tempo, foi um filme pior, porque lhe falta coesão e a melhor parte é o primeiro arco, morto Rasputin (Rhys Ifans), a história começa a patinar.  Vamos ao resumo:

No início da década de 1910, a Europa está à beira de uma guerra que colocará as grandes potências da época umas contra as outras.  O que não se sabe, é que por trás do conflito está uma organização criminosa liderada por um maníaco que deseja destruir o Império Britânico.  Para impedir que isso aconteça, entram em ação o Duque de Oxford (Ralph Fiennes) e sua rede de informantes que, ao longo da trama, irão dar origem à agência de espionagem paralela conhecida como Kingsman.

Primeira coisa a se dizer, este novo Kingsman é mais um filme de geriação, gênero que está na moda e que tem como protagonista um homem de idade avançada fazendo coisas que antes eram trabalho de menino de vinte poucos anos ou galã de, no máximo do lado certo dos 40 anos.  Desta feita, o herói é Ralph Fiennes fazendo o que Colin Firth fez nos outros filmes (*sem o charme de Colin Firth, claro*) e sendo muito mais central na história do que seu filho e pupilo, que ele tenta a todo custo impedir que se aliste para lutar na Primeira Guerra (1914-18).

Sim, trata-se de história alternativa, um "E se..." que começa na segunda guerra dos Bôeres (1899-1902) e se passa principalmente durante a 1ª Guerra Mundial. É menos divertido que os demais, porque se propõe a lidar com temas sérios dramáticos sem que isso seja efetivamente necessário. Se o tom fosse o do primeiro ato com o Rasputin, teria sido perfeitinho e bem no estilo dos outros dois filmes da franquia (*resenhas aqui e aqui*).  E, claro, você pode até fazer algum humor usando a Primeira Guerra, mas não vai dar para seguir nessa batida o tempo inteiro.  O problema é as escolhas políticas que o filme faz conscientemente e que são reacionárias e mesmo fascistas.  Querem ver?  Apesar do que muitos resumos da história dizem, a formação dos Kingsman não tem como objetivo impedir novas tragédias como a Primeira Guerra, ou que milhões sejam mortos, mas garantir que a Inglaterra vença a guerra, e todas as guerras daí por diante.  Só isso mesmo.

Enfim, o filme é organizado da seguinte forma, temos uma introdução clichê com a morte da esposa do Duque na Guerra dos Bôeres, depois, seguimos para o momento em que a Primeira Guerra está começando e que fecha com a morte de Rasputin, o ápice do filme, eu diria, porque tem aquele ar de galhofa e ação frenética do primeiro e do primeiro filme.  O problema é que a luta com Rasputin tem ares de clímax do filme e não é, temos ainda mais uma hora e meia de película pelo menos.  Daí, o segundo ato é centrado na ida de Conrad (Harris Dickinson), o filho do duque, para a guerra.  Esta parte é dramática, séria demais para a proposta de uma franquia como Kingsman, e tem um apelo pacifista, uma crítica à guerra e sua insanidade.  E achei muito bem feito mesmo, mas pouco conectado ao estilo do primeiro arco.  Só que a terceira parte é uma tragédia, porque é a negação do que vemos de crítica da guerra e um elogio à vingança.  Pior, com um vilão, aquele que era chefe de Rasputin e outros, é muito sem graça se comparada com a que fechou o primeiro arco.

Vou falar da tal organização criminosa do maníaco torturador de bodes e retomar depois.  Muito bem, temos um vilão sem rosto, mas cruel e que maltrata animais para se fazer compreender pelos seus minions.  Difícil, só para começo de conversa, é comprar que Rasputin seria minion de alguém.  Meu marido comentou isso quando viu de passagem uma das cenas com os vilões interagindo e eu concordo.  O suposto grupo arregimentado por essa criatura, que não explica motivações e nem tem grandes justificativas para ser seguido, reúne os maiores gênios do crime de sua época.  Sim, a ideia é esta.  O objetivo do vilão é destruir a Inglaterra.  Motivo forte nenhum nos é oferecido.  Sabemos, no entanto, que ele é escocês.

Além de Rasputin temos: Erik Jan Hanussen (Daniel Brühl), que eu não conhecia até o filme, mas que efetivamente teve influência sobre a ascensão de Hitler; Gavrilo Princip (Joel Basman), o assassino do arquiduque Francisco Ferdinando (Ron Cook), o estopim da Primeira Guerra; Mata Hari (Valerie Pachner), atriz, dançarina exótica, acusada pelos franceses de espionagem (*voltarei a ela depois*); Morton (Matthew Goode), o secretário de Lorde Kitrchener (Charles Dance), personagem histórica importante do comando de guerra britânico; um monte de figurantes sem nome e LÊNIN (August Diehl).  Sim, Lênin é minion do vilão e colocado como um grande gênio do crime.  Quer ver uma coisa?  Se o objetivo fazer a Inglaterra perder a guerra, até Churchill poderia ser minion do vilão, afinal, ele foi culpabilizado pela estrondosa derrota em Gallipoli.  Algo, aliás, que vai ser atirado sobre ele por seus adversários durante a Segunda Guerra Mundial.  Percebem o meu ponto?  Outra coisa, é vilão demais para um filme só.  O único que realmente tem desenvolvimento é Rasputin. 

Voltando para Conrad, o filho do duque é uma personagem interessante, porque ele realmente vive um drama.  Depois do assassinato da mãe durante um incidente na Guerra dos Bôeres, seu pai abraça um pacifismo radical e decide colocar o garoto em uma redoma.  A presença de Polly (Gemma Arterton), a babá, que é o braço direito do Duque e coordena os seus agentes subterrâneos, só se justifica naquela casa, se ela ainda estiver responsável por Conrad de alguma forma.  O rapaz quer, como tantos outros jovens de seu tempo, ir lutar na guerra (*vejam a minha resenha do filme Juventudes Roubadas*), mas o pai o impede e isso efetivamente fere o orgulho do moço, que já tinha recebido uma pena branca, símbolo de covardia, de uma mulher na rua.   

Ao completar 19 anos, ele já pode se alistar sem autorização do pai, é o que ele faz.  Ao deixar o bigode crescer, Conrad busca mostrar que, agora, é um homem adulto e independente. Ainda assim, o Duque e o rei impedem que o jovem vá para algum lugar realmente perigoso.  Há uma fala que é mais ou menos "o mais perto da guerra que ele vai chegar é ser colocado para apontar os lápis de um general". É uma situação parecida com a do protagonista de Parade's End, só que ele era um homem de mais de 30 anos, um burocrata, que se alista por patriotismo e seu irmão mais velho, influente funcionário de alto escalão, tenta impedir que ele seja mandado para algum posto realmente perigoso.

O fato é que o pai consegue uma ordem para trazê-lo de volta e o rapaz se revolta e consegue armar um estratagema para ficar no campo de batalha.  A ida de Conrad para a guerra representa um arco interessante do filme, é bem construído, mas parece uma história a parte que se desenvolve a ponto do rapaz compreender o horror que o pai sente pela guerra, levando-o ao amadurecimento que vai além de usar um bigode, e que termina com uma tragédia para Conrad.  E o filme depois disso, meio que vai ladeira abaixo, porque o terceiro ato é ruim.  A formação da agência está conectada com uma vingança, o Duque abandona o seu pacifismo e decide caçar o vilão.  Mas não quero falar mais sobre essa parte que é a mais fraca da película.  Vamos para Rasputin?

Todos os trailers do filme foram construídos para mostrar Rasputin como o vilão.  Eu acreditava que era mesmo e, bem, a melhor parte foi a que girou em torno dele.  Oxford, Polly, Shola (Djimon Hounsou) e Conrad vão até a Rússia eliminar Rasputin, que estava usando sua influência sobre o Czar e a Czarina para retirar o país da guerra.  Quem os chama é um primo de Oxford, o príncipe Felix Yussupov (Aaron Vodovoz), que realmente esteve envolvido no plot para matar o monge.  O Rasputin de Rhys Ifans é uma espécie de pervertido que, segundo o filme, tem uma queda por meninos (*que eu saiba, Rasputin não era pedófilo, nem bissexual, mas posso estar desatualizada*).  E o que o Duque faz?  Ordena que seu virginal filho seduza Rasputin.  O que acontece?  O vilão considera o Duque mais interessante que o novinho e quer tirar umas casquinhas dele.

Em um filme com zero romance, o máximo que vimos foi uma tímida declaração de amor de Polly que dá um beijo casto no duque, a sequência entre Oxford e Rasputin é inesperadamente erótica e engraçada.  Eu fiquei muito surpresa mesmo com isso.  Depois da tentativa de envenenamento e sedução, temos a luta mais espetacular o filme, com Shola, Conrad, Polly e o Duque enfrentando Rasputin, que quase os derrota.  Rasputin é um exímio guerreiro e dançarino.  Se não quiser ver mais nada do filme, pegue a sequência que começa com a chegada de Rasputin no jantar e termina com a sua morte.  Duvido que você não ficará satisfeito com a farofada muito bem feita.  Agora, imagine colocar a melhor parte do filme antes da metade da película?  Pois é, faltou bom senso.  O curioso é que o lema da agência, "Manners Maketh man", foi enunciado pelo vilão na luta final contra Oxford.

Par além de Rasputin, o destaque entre os coadjuvantes vai para Tom Hollander, que interpreta o Czar Nicolau II, o Kaiser Guilherme II e o Rei George V.   Há uma cena em flashback com a rainha Vitória e os três meninos, fica um tanto estranho, porque o futuro Czar não era neto de Vitória, ele era sobrinho da princesa Alexandra, nora da rainha e futura rainha de Eduardo VII.   O Czar dos três é o que menos aparece, até a morte da família Romanov é mostrada de forma bem diferente do que realmente foi, mas Hollander arrasou como o Kaiser narcisista com direito até ao detalhe da mão semialeijada, porque foi lesionada no parto feito à fórceps. Como George V, Hollander é todo dignidade, porque, efetivamente, o filme assume uma postura ufanista que beira o constrangedor. Ainda assim, curiosamente, é um papel pequeno, mas não tanto quanto o de Aaron Taylor-Johnson, que está na película para sugerir uma continuação na qual ele seria o protagonista, talvez. Não sei se vai rolar, não fui procurar.

Falando em diversidade, a presença de Djimon Hounsou não tem nenhuma função.  Ele é o ajudante negro capaz de dar a vida pelo duque e seu filho e sua personalidade não é desenvolvida para além do clichê.  A personagem parece saída de filmes dos anos 1930, 1940 e 1950.  Claro, poderia ser pior e o vilão ter um minion que não fosse branco.  Quando o assunto é gênero, bem, temos duas personagens femininas.  Polly que é a representação da babá competente, mas com talentos escondidos, que é desvendar códigos, fazer quitutes envenenados e lutar e atirar muito bem.  Ela é a competência em pessoa, mas, assim como Shola, ela é uma fiel servidora do duque, está no filme para cumprir cotas, por assim dizer, mas precisa ser bonita, ou não se prestaria a ser um chamariz de bilheteria.  Quanto à Mata Hari, ela é colocada no grupo dos vilões.  

Por qual motivo?  Por ser uma mulher sensual?  O fato é que o filme a reduz ao seu corpo a uma arma que tem para usar contra os inimigos, diferindo aí de Polly, cujo comportamento sexual é irrepreensível e que possui múltiplos talentos. Ambas, no entanto, existem em função dos homens e para eles, são iguais nesse sentido. Hari foi executada pelos franceses acusada de espionagem.  Nada se provou contra ela.  Só que, em um filme assexuado, a mulher má é a mulher sensual.  No filme, sua função, além de cumprir cotas no grupo dos vilões é seduzir o presidente Wilson (Ian Kelly) dos Estados Unidos produzindo material para chantageá-lo a entrar na Primeira Guerra do lado dos ingleses.  O filme vende os americanos como a salvação da guerra, ignoram que eles entraram no último momento e cortam os franceses do conflito.  É História Alternativa, eu sei, mas, em alguns momentos, ela é alternativa demais, eu diria.

O final do filme, após a derrota do chatíssimo chefe dos vilões é a formação da agência com seus membros usando codinomes tirados da Távola Redonda.  Oxford é o Rei Arthur, Shola é Merlim, Polly é Galahad, Archie Reid (Aaron Taylor-Johnson) é Lancelot, o rei George V é Percival e o Embaixador dos Estados Unidos (Stanley Tucci), que mal apareceu, mas que está lá para fazer a ponte a existência da agência norte-americana que aparece no último filme, é Bedivere.  O Duque faz um discurso sobre evitar que uma nova guerra possa acontecer e dizime toda uma geração de jovens, critica o tratado de Versalhes, que é de 1919, e antevê a Segunda Guerra.  Só que em nenhum momento a carnificina foi realmente a motivação das personagens, mas garantir a vitória da Inglaterra.  É isso.  Se quiser ver uma análise do figurino do filme, o pessoa do Frock Flicks fez.  Para spoilers, siga para depois do trailer.

Eu realmente me surpreendi em alguns momentos do filme.  A sequência homoerótica envolvendo Rasputin, por exemplo, era algo que eu não esperava.  Agora, a morte de Conrad me chocou um pouco, porque eu imaginava que o jovem fosse Lancelot na formação original.  Ele não foi e, pior, o tal Archie Reid nada fez.  A morte do rapaz foi ainda mais impactante, porque foi estúpida, porque sem razão, sem sentido, e serviu para ressaltar a irracionalidade da guerra.  Daí, vem o terceiro ato e meio que cospe em cima do sacrifício de Conrad ao focar na vingança e o grande vilão, que era Matthew Goode o tempo inteiro, nunca é de fato aprofundado.  Pior, ainda enfeiaram o ator (*que é lindo e elegante*) para imprimir um ar de insanidade nele.

Mas falando em vilão, acredito que a personagem de Goode tenha sido um engodo em um filme planejado para ter continuação, porque Erik Jan Hanussen sobrevive e parece ter se tornado o líder da organização.  Talvez, o sujeito fosse desde o início o chefe.  Hanussen era ilusionista, astrólogo, hipnotizador e um monte de outras coisas, o mais importante, há quem defenda que ele é que ajudou a construir Hitler, o ensinou a se portar no palco, a falar para as massas e pode ter sido assassinado a mando de concorrentes seus, Hermann Göring e Joseph Goebbels.  Hanussen era judeu e fingia não ser.  Faz sentido acreditar que o grande vilão poderia ter sido manipulado por ele.

Bem, o filme tem uma cena pós-créditos que é importante e aponta para o desejo de uma continuação.  Hanussen apresenta seu novo pupilo (*antes ele influenciava o Kaiser*) para Lênin.  O sujeito não é outro senão Adolf Hitler (David Kross).  E foi Hitler que matou os Romanov. Sério.  Neste momento, além de arrolar Lênin, mostrado no filme como um fantoche sem grande autonomia ou carisma como vilão, o filme coloca o comunismo e o nazismo no mesmo saco.  Veja, não se trata do lugar comum de colocar Stálin em comparação com Hitler, mas fazem isso com Lênin, que morreu em 1924, quando o futuro Führer era ninguém.  

King's Man é um filme histórico, História Alternativa é História, na medida que usa fatos ocorridos como seu material, fala mais do presente do que do passado, da ideologia de quem o produziu, escreveu e dirigiu.  Partindo dessa ideia, The King's Man desinforma e, mais do que isso, defende a tese de que ideologias tão distintas como o comunismo e o nazismo seriam a mesma coisa, na verdade, ideários surgidos da mente de vilões.  Em um momento como o nosso, quando o neonazismo se expande e a ultradireita chegou ao poder em vários países, vender esse tipo de ideia é despolitizar e criminalizar o comunismo, que é coisa de vilão, e gente ruim, vejam bem.  Enfim, os outros Kingsman foram bobagens deliciosas, já este é um poço de problemas que vão desde um roteiro irregular até esta visão ideológica que faz terra arrasada de tudo.

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