domingo, 20 de novembro de 2022

Comentando Pantera Negra - Wakanda Forever (EUA/2022): Um filme poderoso que presta homenagem a Chadwick Boseman e mostra que é preciso seguir em frente

Quarta-feira, assisti ao filme Black Panther: Wakanda Forever, continuação de Pantera Negra.  Com a morte do ator que interpretava a personagem título, este filme estava cercado de expectativas.  Como superar a morte de Chadwick Boseman e seguir com a história do Pantera Negra?  Havia grande ansiedade e o filme conseguiu responder à altura.  O roteiro de Ryan Coogler e Joe Robert Cole fez as devidas homenagens à Boseman e conseguiu não somente dar continuidade à história de Wakanda e ainda introduziu um interessante Namor.  Sim, foi um bom filme, cheio de representatividade, discussões sobre imperialismo e mulheres em destaque.  Se tem gente dizendo que o filme é ruim, recomendo que desconfie que não ver homens brancos como protagonistas e tocar, ainda que de forma leve, em temas de desagrado dos defensores do capitalismo sem medida possa ser a fonte disso.  E, sim, não planejei, mas a resenha saiu no dia da Consciência Negra.

Wakanda Forever começa com Shuri (Letitia Wright) tentando desesperadamente clonar a erva em forma de coração, por acreditar que somente ela poderia curar seu irmão, o rei T'Challa (Chadwick Boseman), que está agonizando.  No primeiro filme, a planta tinha sido destruída pelo vilão Killmonger (Michael B. Jordan).  Os esforços são em vão e o rei morre.  O trono é reassumido pela mãe de T'Challa, Ramonda (Angela Bassett), que se preocupa com Shuri que não consegue superar o que considera ter sido uma falha sua e com o fato de, pela primeira vez, Wakanda não ter mais um Pantera Negra como seu defensor.  Um ano se passa e a rainha é pressionada para dividir com o mundo o vibranium, mineral muito poderoso e que só existe em Wakanda.  Ela se nega e aponta as ações imperialistas de nações ocidentais, isto é, EUA e França, para conseguirem obter o vibranium.  Concomitantemente a isso, os norte americanos conseguem desenvolver uma máquina capaz de detectar vibranium e o encontram no fundo do mar.  A missão de cientistas e militares é completamente massacrada por criaturas marinhas, humanoides com super poderes.

O mundo acusa os habitantes de Wakanda e a rainha Ramonda e Shuri recebem a visita de Namor, (Tenoch Huerta) governante de Talocan, que é uma nação submarina que também tem vibranium.  Ele ultrapassou facilmente as defesas de Wakanda e faz a proposta de aliança do seu povo com o reino africano para obliterar todas as nações que cobiçam o poderoso minério.  Temendo pelo que pode vir a acontecer, a rainha faz contato com um antigo colaborador, o agente Everett K. Ross (Martin Freeman) da CIA, e descobre que o detector de vibranium foi criado por uma adolescente gênio, Riri Williams, que estuda no MIT.  A rainha quer enviar Okoye (Danai Gurira) para buscar a garota, mas a general pede que seja permitido que Shuri vá com ela.

As duas encontram Riri, mas são atacadas por agentes norte americanos e pelos habitantes de Talocan.  Namor sequestra Riri e Shuri, com quem flerta abertamente, e as leva para seu reino.  Ele reforça a proposta para Shuri, mas ela tem dúvidas.  Enquanto isso, a rainha, depois de destituir Okoye do seu posto como comandante das  Dora Milaje, procura por Nakia (Lupita Nyong'o), que mora no Haiti desde o estalo dos dedos de Thanos.  A jov em sequer havia participado dos funerais de T'Challa.  A rainha exige que ela retorne para uma missão, deve resgatar Shuri e Riri.  Nakia cumpre sua missão, mas Namor decide mostrar para os habitantes de Wakanda que ele e seu povo são muito mais poderosos e podem obliterar o reino africano sem problema.  Ele quer Riri e os wakandans precisam se preparar para a guerra e, se possível, contar novamente com a presença do Pantera Negra.

Fiz um resumo rápido do primeiro arco do filme, que é longo, verdade, mas confesso que não senti o tamanho.  Pantera Negra: Wakanda Para Sempre foi surpreendentemente bom, confirmando o que estava nos trailers, algo raro.  Ele conseguiu honrar a memória de Chadwick Boseman dando-lhe um funeral visualmente impressionantes, além de ter aproveitado a própria história do ator com o câncer que o matou.  Assim como Boseman, T'Challa escondeu sua doença o máximo possível para não decepcionar seu povo, para dar-lhe o exemplo e o apoio necessário.  Para quem não lembra, Boseman já sabia de sua doença durante o primeiro Pantera Negra (2018), ele escondeu esse fato e  participou da primeira película de super heróis a ser indicado a um Oscar de melhor filme.  Um filme que teve um efeito enorme sobre uma geração de crianças negras que, pela primeira vez, tiveram um herói como ela para se identificar.  Em 2018, várias ongs, celebridades, escolas, sindicatos bancaram a ida de milhares de crianças e adolescentes negros ao cinema, alguns, pela primeira vez.  Foi um fenômeno e o ator provavelmente sacrificou algo de sua vida para se eternizar na história.  

O novo Pantera Negra não pode contar nem com a presença majestosa de Boseman, nem com o carismático antagonista interpretado por  Michael B. Jordan.  Como o filme se sustenta então?  Ele tem como sua base um elenco afiado de mulheres negras que graças a um roteiro bem ajustado conseguem mostrar que é preciso seguir adiante e continuar lutando, à despeito de sua dor, pelo que acreditam ser justo.  O filme mostra a jornada de Shuri, que precisa superar o luto e assumir um novo papel em Wakanda.  E ela terá um antagonista à altura, Namor, ou Kukulkan, o deus serpente emplumado.  Eu só consegui assistir dois filmes no cinema este ano, o outro foi o do Dr. Estranho, e, bem, Namor não deixa nada a dever à Feiticeira Escarlate.  E eu sou crítica dos vilões da Marvel, mas, em 2022, não tenho do que reclamar.

Falando de Namor, ele é anterior a maioria dos super-heróis.  Criado em 1939, ele ainda estava naquela zona cinza de muitas personagens de uma época pré Comic Code.  Ele poderia fazer o bem, ou o mal, seu senso de justiça não estava limitado pelas amarras morais impostas aos heróis.  Namor quer proteger o seu povo, os humanos são uma ameaça, eles precisam ser contidos, ou destruídos.  Conversando com meu marido, descobri que a apresentação de Namor no filme é retirada da sua história número 1.  Sim, ele mata todo mundo mesmo.   Namor o original, tinha a aparência de boa parte dos seres vilanescos ou dúbios pré 2ª Guerra e Guerra Fria, era a época do chamado Perigo Amarelo.  Como Ming, o vilão de Flash Gordon, ele parece um asiático genérico.  O dado das orelhas pontudas e das asinhas nos pés é mantido, mas o filme oferece uma rica mitologia para explicar as origens do herói.  O Namor original era genérico de sua época, o do filme, não é.

Namor é de origem maia, fugindo dos espanhóis durante a conquista da América, eles cometeram uma espécie de suicídio ritual orientados por seu xamã.  A morte como humanos os fez reviver como seres aquáticos, mas Namor é especial.  Sua mãe estava grávida e ele nasce diferente.  Ele não tem pele azul, ele pode respirar dentro e fora da água, ele tem asas  os pés que permitem que ele voe, ele tem super força.  A personagem se apresenta como mutante para Shuri, diz, também, que seu povo o associa ao deus serpente emplumada Kukulkan, e que Namor é como os espanhóis o chamaram (*não é bem assim, mas vejam o filme*).  Essa ligação entre Namor e seu povo e os maias existia nos quadrinhos?  Sim.  As primeiras referências a Kukulkan associado de alguma forma com o povo de Namor apareceram pela primeira vez em 1948.  

Mas Namor não era Kukulkan, o roteiro do filme decidiu transformar a Atlântida dos quadrinhos em Talocan, uma espécie de correspondente mesoamericano de Wakanda.  O que o filme quer passar é a ideia de equivalência entre o Pantera e Namor, ambos avatares de uma divindade, por assim dizer, e que Talocan e Wakanda seriam ambas nações que resistem ao imperialismo dos brancos.  Sim, se esse tipo de mensagem lhe incomoda, você vai se rasgar de dentro para fora assistindo Wakanda Forever, pois trata de um filme com forte discurso anti-imperialista, antirracista e de defesa da autodeterminação dos povos.  Wakanda e Talocan devem ter o direito de escolher o seu destino e não vão se curvar ao desejo de outros povos que acreditam poder lhes escravizar, roubar suas riquezas, ou determinar-lhes qual caminho a seguir.

O problema é que Namor vê na violência uma das maneiras de conseguir garantir a segurança de seu povo.  Ele não terá piedade nem de nações, vide o ataque que fará a Wakanda, nem de indivíduos, por isso, a rainha Ramonda se tornará um alvo e Riri Williams deve ser morta.  Do outro lado, temos os wakandans que não aceitarão se curvar, mas não acreditam que todos os métodos sejam aceitáveis.  É por causa disso que Shuri terá que fazer escolhas difíceis.  Ela pode simplesmente tentar se vingar de Namor e usar dos métodos violentos que ele usa, ou mostrar-se capaz de perdoar tentar reconstruir alianças e seguir em frente.

Aqui, poderíamos dizer que o filme está reforçando papéis de gênero.  Mulheres cuidam, são compassivas, aprenderam que este é o seu papel.  Homens buscam vingança e colocam sua honra pessoal acima de tudo.  Poderia, sim, ser uma verdade se o filme não tivesse um detalhe importante, o modelo de Shuri não é a mãe, ou Okoye, mas o irmão.  É um homem que serve de modelo para a jovem cientista e guerreira de como deve proceder em relação ao inimigo e se deve, ou não, aproveitar-se de sua vitória para obter a vingança.  Em nenhum momento, porém, esse modelo é apresentado como masculino, o que está em discussão são as qualidades de um verdadeiro líder.  Pantera Negra: Wakanda Forever fala de escolhas e dá um protagonismo inédito às mulheres.  Não se trata de uma ceninha girl power para as pessoas darem gritinhos na plateia como no último filme dos Vingadores, mas de um roteiro construído para que cada uma dessas mulheres tenha um papel a desempenhar e sua personalidade faça diferença.

Angela Bassett está imponente como Ramonda e mesmo que eu não veja muita coerência no trono voltar para a rainha com a morte do filho, ela cumpre bem a função de monarca, ao mesmo tempo que é a mãe que sofre a morte de um filho, a perda de uma filha e a dor de seu povo.  Danai Gurira continua maravilhosa como Okoye e não esqueceram de fazer referência a seu marido que estaria preso como resultado das suas ações no primeiro filme.  E Lupita Nyong'o ganha importância conforme o filme vai avançando.  E eu vou colocar uns spoilers depois do trailer, quem quiser ler, é só continuar.  Não achei que a personagem Riri Williams foi tão bem explorada, ela deveria ser mais jovem e não ter os 19 anos que tem no filme.  Tentam criar entre ela e Shuri uma espécie de vínculo, mas Letitia Wright parece ser tão jovem quanto Dominique Thorne.   Shuri não parece irmã mais velha de Riri, brinquei com uma amiga que se me dissessem que Wright tem 16 anos, eu acreditaria..  

Falando em Shuri, bem, é impossível não esquecer das polêmicas envolvendo Letitia Wright, mas escrevi um texto inteiro sobre isso e não vou entrar em detalhes.  Wright converteu-se a uma igreja esquisita e é antivax. Houve quem pedisse sua saída do filme, isso lá em 2020.  Ela continuou e conseguiu desempenhar bem o papel que lhe deram.  Ela precisa ir do drama para a ação, comédia temos pouca no filme.  As cenas dela sendo cortejada, porque foi mesmo, por Namor, ficaram boas, ainda que eu saiba que não existe futuro para os dois.  Aliás, Namor termina o filme jurando vingança.    Não sei se ela virá em um Pantera Negra 3, ou em um filme solo da personagem, ou se ele vai ganhar série no Disney +.  Pergunto-me se ele vai ficar nessa posição de anti-herói, ou se vai ser reposicionado dentro do MCU.

Já caminhando para o final, o primeiro Pantera Negra recebeu dois prêmios Oscar, o de Design de Produção e o de Figurino, não sei se vai repetir o feito.  Wakanda não me pareceu tão exuberante desta vez, mas Talocan e seu povo receberam grande atenção.  O problema é que o filme me pareceu muito escuro.  Pode ser problema do cinema onde assisti Wakanda Forever, mas era difícil ver algumas cenas.  Comparando com Aquaman, que construiu uma civilização submarina também, dava para ver com clareza o que acontecia no filme da DC.  Já o figurino continua muito bom, é inegável, mas não há o frescor da novidade.

Algo novo é que Wakanda Forever apresentou um casal de mulheres.  Ayo (Florence Kasumba) e Aneka (Michaela Coel) demonstram afeto já no final do filme.  É importante?  É, no entanto, é  uma cena de segundos e que se fosse cortada, não faria falta., porque trata-se de um enxerto que em nada ajuda, ou atrapalha, no andamento da história.  Será que houve mais alguma coisa entre elas que eu não tenha visto?  Acredito que não.  Foi o tipo de cena que não tem importância alguma na história, mas pode atrair gente do cinema enganada pela propaganda de diversidade.  Pode, também, fazer com que o filme caia na rede da censura de alguns países, porque mostra um casal lésbico.  Eu queria que as duas fossem desenvolvidas ao longo do filme, porque elas tiveram cenas, elas foram apresentadas como guerreiras, mas não como amantes.  

Eu não comentei, mas M'Baku (Winston Duke) também volta ao filme, ele e seus guerreiros participam em vários momentos da história. Quem realmente tem pouquíssimo tempo de tela são os atores e atrizes brancos.  Julia Louis-Dreyfus, que é uma atriz muito divertida, é introduzida como  Valentina Allegra de Fontaine, nova chefe da CIA e ex-mulher de Ross.  Pena que ela tem zero importância na história e poucas cenas, mas é compreensível, porque o filme é sobre grupos normalmente sub-representados no cinema e na TV.  Wakanda Forever é um filme de ação que tem protagonismo negro e feminino.  Você já tinha visto algum filme com essa proposta?  Eu nunca vi.

Concluindo, há um detalhe interessante em Wakanda Forever a se destacar, o filme é falado em várias línguas: inglês, francês, espanhol, uma língua maia (*Nakia se disfarça de Mirabel e conversa com a população local*), a língua de Talocan, a língua de Wakanda.  Não sei como ficou na dublagem, mas essa escolha foi bem interessante, porque colocar todo mundo falando em inglês é sempre estranho.  E é isso.  Wakanda Forever é um filme feminista, que não tem nenhum problema em marcar posição em relação à exploração sofrida pela África e pela América.  Ele justifica a resistência, mesmo sem justificar o uso da violência ou da vingança, afinal, é um filme de super-herói.  Wakanda Forever também funcionou muito bem como um filme de origem para Namor.  Resta saber, o que farão com ele daqui para frente.    A certeza é que Pantera Negra mostrou que pode continuar sem esquecer Chadwick Bosema, mas caminhando com as próprias pernas.

Se você continua aqui, não se importa com spoilers.  O primeiro deles é que a rainha Ramonda foi assassinada.  Namor não tem problema em matar e destruir, desde que acredite que está fazendo a justiça.  A morte da mãe do Pantera Negra, assim como todas as cenas de Angela Basset foram magníficas.  Ela emprestou muita dignidade para a personagem, que brilhou ao longo do filme.  O assassinato de Ramonda provavelmente melou qualquer possibilidade de romance entre Shuri e Namor, porque mesmo que ela, a nova Pantera Negra, o tenha deixado vivo, como seria possível esquecer o que ele fez?

Falando em Shuri, graças a planta que ela traz de Talocan, ela consegue clonar a erva em formato de coração.  Com a erva, é possível fazer o ritual qe invoca o espírito do Pantera Negra.  Só que Shuri não vê seus ancestrais em sonho, mas Killmonger.  Ela precisa decidir quem será o seu modelo como Pantera Negra, se ela fará como Namor, ou seguirá nos passos do irmão.  Bem, vocês já sabem a resposta. 

Há uma cena pós-créditos, somente uma mesmo, mas ela é importante.  T'Challa e Nakia tiveram um filho e o menino, que tem dois nomes, o do pai e um para disfarce, se chama Toussaint em homenagem a Toussaint Louverture, líder da revolução haitiana (1791-1804). É um nome poderoso e que passa uma mensagem de força, de resistência, de luta contra a escravidão, contra o colonizador.  Agora, saber que Ramonda morreu sem ter sido informada da existência do neto me revolta um tanto, é um tipo de trama que não nunca me agrada, mas foi um pedido de T'Challa.  Acho que é somente isso mesmo.

1 pessoas comentaram:

Ah, eu gostei muito do filme! Acho que até mais do que o primeiro, de certa forma. É impressionante como a Pantera Negra tem, de longe, o melhor elenco/direção da Marvel, pra levarem o filme como levaram depois de perderem o ator principal.
Wright mostrou como ela é boa no que faz, pq o tom da Shuri nesse filme é muito diferente. E junto com Namor (excelente personagem e ator tb), fizeram uma dupla e tanto! Pena que qualquer chance de romance entre eles é pouquíssimo provável, até pq a Marvel é péssima contando histórias de amor (na minha oponião).

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