sábado, 31 de dezembro de 2022

Comentando Last Christmas (Reino Unido/2019): Um pouco de comédia, algum romantismo e uma crítica ao Brexit

Estava eu no dia de Natal, ou na véspera, e havia uma thread sobre o filme Last Christmas.  Que filme é esse?  A discussão era sobre o que aconteceu com o par romântico da mocinha, aviso já que teremos spoilers sobre isso depois do trailer.  Fiquei me perguntando que filme seria esse.  Joguei no Google e apareceu o lindinho do Henry Golding, a única coisa que presta do horrível Persuasão da Netflix, junto com a Emilia Clark, a Daenerys de Game of Thrones.  E, sim, eu assisti ao filme, porque acho o Henry Golding lindo. Sem motivação, não encararia algo assim. E o filme é bem razoável, eu diria, filme de Natal cheio de bons sentimentos, celebrando a família, a diversidade e criticando o Brexit como bônus.  Emma Thompson e seu marido, Greg Wise, assinam o roteiro.  Vamos ao resumo da história.

Kate é uma jovem que leva uma vida um tanto destrutiva.  Ela não se dá bem com sua família, especialmente, a mãe.  Ela não consegue fazer deslanchar a sua carreira como cantora e trabalha vestida de elfa em uma loja que vende decorações de Natal duvidosas o ano inteiro.  Ela vive ficando com sujeitos que mal conhece e parece insensível em relação às necessidades dos outros.  Transplantada do coração, ela come mal, dorme pouco e se alimenta pior ainda, o que certamente pode comprometer sua saúde e causa ansiedade em sua mãe.  

Fazendo tanta bobagem, ela termina sem casa às vésperas do Natal, porque ninguém a suporta.  Enquanto estava no trabalho, ela conhece Tom, um sujeito simpático, gentil e que a ajuda a se encontrar na vida, sem pedir nada em troca.  Com o tempo, ela revê seu comportamento, mas não sem antes causar alguns danos às pessoas que ama e que tem consideração por ela.  

O filme tem como foco a mudança de vida da protagonista, neste aspecto, ele segue mais ou menos a rota moralista de muitos desses filmes de Natal.  O problema está em Kate, em como ela vê a vida e se relaciona com os outros.  O trauma, porque sem dúvida é, de passar por um transplante de coração não é utilizado como justificativa para o comportamento destrutivo da moça, ainda que eu ache que um ano somente, menos até, não seja tanto tempo assim, especialmente, quando se vem de uma família problemática.

Os pais de Kate, Ivan (Boris Isakovic) e Petra (Emma Thompson), que é retratada dentro de um estereótipo de mãe eslava, super protetora e, ao mesmo tempo, super exigente e sem muito tato, são croatas e vieram para a Inglaterra fugindo da Guerra da Iugoslávia.  A mãe, em especial, nunca se recuperou da perda do lar e dos amigos, que ela diz estarem todos mortos, e vive em uma espécie de bolha e precisa não somente de carinho familiar, o que o filme acaba resolvendo, mas de apoio psiquiátrico mesmo.  Já o pai, foge de estar em casa com a esposa.  Ele era um próspero advogado, mas não conseguiu validar seu diploma na Inglaterra e tornou-se taxista.

Este, aliás, é o drama de muitos imigrantes.  Se você vai para outro país e não é fugindo para salvar sua vida, convém checar se é possível trabalhar no mesmo ramo por lá  Muitas vezes, não é mesmo.  Com duas filhas pequenas, a família foi tentando se ajustar.  Kate era vista pela mãe como uma criança dotada, futura cantora e atriz, já a mais velha, Marta, sente-se jogada para escanteio e busca compensar os pais seguindo a carreira que eles escolheram para ela.  Tornou-se advogada, é bem sucedida, mas esconde um segredo, ela é lésbica.  Kate, em um dos seus ataques de egoísmo, tira a irmã do armário.

Enfim, o drama de Petra, a mãe, fica ainda mais exposto durante a campanha do Brexit.  Ela tem medo de ser expulsa novamente.  "Eles nos odeiam", ela diz vidrada na TV e o filme realmente se esforça para mostrar a xenofobia e, por outro lado, ressaltar que isso é absurdo e que a sociedade inglesa é multirracial e diversa.  Sem forçar a barra, o filme consegue caracterizar isso muito bem.  

Na convivência com Tom, Kate começa a se transformar.  Ela passa a ser mais responsável socialmente, vai ajudar em um abrigo, mesmo que tudo tenha começado para procurar o sujeito, que dizia trabalhar lá.  Compensa sua chefe, a excelente Michelle Yeoh, pela sua irresponsabilidade no serviço nos últimos tempos.  Tenta fazer as pazes com a irmã, o que é bem difícil.  Além de dar atenção para a mãe, reconhecendo que ela precisa de ajuda e que esse apoio pode se materializar em ações bem simples.

A relação com Tom, no entanto, não avança como ela esperava e, depois do trailer, eu volto a isso, mas é spoiler mesmo.  Ele não aceita ser mais um parceiro sexual da moça, mesmo que muito atencioso com ela e a avisa que ela tem que contar primeiro com si mesma, ele não pode, ou deseja, ser sua muleta emocional.  Em certo sentido, o filme reforça que a felicidade precisa ser buscada no equilíbrio conosco mesmo.  "Ama o teu próximo como a ti mesmo".  Como amar o outro, se você não se ama?  Kate não consegue se amar, na verdade, no afã de viver intensamente, afinal, ele esteve na fronteira da morte, ela está se destruindo.

Concluindo, o filme cumpre a Bechdel Rule.  Mesmo sendo uma comédia romântica, na verdade, uma dramédia romântica, ele tem boas doses de sororidade, especialmente, a partir do momento em que Kate decide mudar e viver não somente para si, mas para os outros e entende o sofrimento da mãe e os problemas de aceitação da irmã.  Apesar disso, não se trata de um filme feminista, pelo menos, não vi nada nele que possa apontar para isso.  Filme de Natal, vocês sabem e com o bônus do Henry Golding, que tem pernas longas que parecem de menino de shoujo mangá. Ah, sim!  A trilha sonora do filme é muito boa, é um os destaques de Last Christmas.

Se você chegou aqui, quer spoilers.  Muito bem, Tom Webster não pode se comprometer com Kate, porque ele está morto.  O moço é um fantasma, ele é o doador do coração que salvou a vida de Kate.  De certa maneira, ele veio cobrar que ela cuidasse bem o seu coração.  Eu faria o mesmo, afinal, ela leva uma vida totalmente destrutiva.  Logo colocaria o coração doado a perder.

Ele não queria morrer e, de certa maneira, estará com Kate para sempre.  A boboca aqui já sabia disso, tinha pego spoilers, mas acabou derramando umas lágrimas.  É isso.  Última resenha do ano.  Estou tão enrolada, que ficou pendente por vários dias.

0 pessoas comentaram:

Related Posts with Thumbnails