domingo, 7 de janeiro de 2024

Comentando Wish (Disney/2023): Um belo filme, mas muito aquém do que o centenário da Disney exigia

Sexta-feira, fui com minha filha assistir Wish, nova animação da Disney, que tinha a ingrata responsabilidade de marcar os 100 anos do estúdio.  Bem, é um bom desenho, tem personagens interessantes, mas, pelo menos aos meus olhos, carece da grandiosidade que a data pedia.  O centenário exigia nada mais, nada menos, que um Viva! A Vida é uma Festa, talvez a melhor animação do estúdio dos últimos tempos.  Resumindo, não bastava, pelo menos nesta data, ser somente uma animação muito boa, ela precisava ser memorável.  Mas vamos para a história do filme, peguei o resumo direto da página da Disney:

""Wish: O Poder dos Desejos", dos estúdios Walt Disney, é uma comédia musical animada que leva o público para o reino mágico de Rosas. Lá, Asha, uma moça perspicaz, faz um desejo tão poderoso que é atendido por uma força cósmica: uma pequena esfera de energia ilimitada chamada Star. Juntas, Asha e Star enfrentam um inimigo formidável - o governante de Rosas, Rei Magnifico. Elas farão de tudo pra salvar a comunidade e provar que, quando um ser humano corajoso se une à energia das estrelas, muitas coisas maravilhosas podem acontecer."

Wish não é um filme de princesa, Asha é uma moça comum, do povo.  Assim como no caso da Princesa Sapo, seu modelo é o pai falecido.  Ela costumava olhar as estrelas com ele e ambos sonhavam juntos.  Após a morte do patriarca, Asha passa a morar com a mãe, uma mulher trabalhadora, mas apagada, se pensarmos nas outras personagens da película, e o avô, que é objeto do intenso afeto da protagonista do filme.  Eu destaco isso, porque mesmo quando vivas, as mães dos filmes da Disney raramente tem grande destaque na vida de suas filhas, já o pai, mesmo quando morto, parece deixar uma forte impressão e isso vale inclusive para Rei Leão.

O reino de Rosas, local onde se passa o filme, uma ilha como a do reino de Enrolados, é uma espécie de paraíso da tolerância e diversidade dentro da Europa medieval.  Estou afirmando isso, porque o próprio filme dá pistas de sua temporalidade e espaço geográfico.  Rosas fica em uma ilha do Mediterrâneo.  As roupas, a coisa mais perfeita do filme, têm sólidas referências medievais.  É como se pegassem material visual do século X ao século XV para a construção das formas, tecidos e texturas com um resultado de encher os olhos.  Como Rosas recebe gente do mundo inteiro, temos tecidos que parecem ser sari em vestidos modelagem medieval, além de adereços que traduzem o caráter multiétnico da população, como véus e joias.

Outro aspecto muito bem cuidado são os cabelos.  Os de Asha, assim o da sua melhor amiga, ou mesmo o do vilão, são moderninhos, assim como os comportamentos gerais das personagens.  Só que a maioria das outras personagens, mesmo os figurantes, tem um visual "de época", por assim dizer e o destaque maior é o da rainha Amaya, erroneamente chamada de rainha-mãe na dublagem.  Ela não pode ser rainha-mãe porque fundou o reino junto com sue marido e ela não é viúva com filhos.  Ela é somente rainha mesmo e isso não é pouco. Enfim, seu cabelo é uma lindíssima mistura de tranças, véus e adereços muito bonitos, ela parece um vitral ganhando vida.  

Falando de nosso vilão, achei péssimo o nome dele:  Magnífico.  Fora isso, ele parece uma caricatura de galã de meia idade de novela mexicana.  Aliás, as referências hispânicas são evidentes.  Imagino que Magnífico e sua esposa fugiram das guerras de Reconquista, se dos cristãos ou dos muçulmanos nao dá para saber  Como todo o estereótipo de latinos, ambos são morenos.  Todos os espanhóis são morenos, certo?  Vândalos, suevos, visigodos, esses povos germânicos que terminaram ocupando península antes dos muçulmanos chegarem, deveriam ser todos morenos.  Quando é que as representações dos espanhóis como sendo sempre morenos serão superadas? Um?  Acho que nunca.

Magnífico é um vilão narcisista e cheio de inseguranças.  Todos que vem para Rosas são acolhidos na sua diversidade e são atraídos pela possibilidade do rei, um feiticeiro poderoso, realizar um de seus desejos.  Esta ideia é central para a história.  Asha, com 17 anos, está ansiosa por poder realizar não o seu desejo, mas o do avô, que estava completando 100 anos.  Ela se candidata a ser assistente do rei, sua aprendiz, e encontra o monarca, mas as coisas não terminam bem.  O rei se surpreender por ela não tem um desejo próprio e teme que se seu povo realizar seus desejos, ele poderá perder o poder, além disso, ele se ressente por não receber a veneração que julga merecer.

Ao descobrir o segredo do rei e questionar o seu direito de se apropriar dos desejos de seu povo, Asha se torna um problema, porque ela descobre o segredo do rei, sua covardia, o fato de privar seus súditos, chamados, no filme, de cidadãos, nesse tipo de monarquia, este conceito não existe.  Magnífico se apossa dos desejos dos habitantes de Rosas, lhes dá a esperança de realizá-los, mas eles perdem a memória do tal desejo, o que os torna submissos e manipuláveis.

O rei dispensa Asha, pois não crê que ela possa representar uma ameaça no início, mas a moça faz um intenso desejo às estrelas que admirava com o pai.  Uma delas desce dos céus para ajudá-la.  A estrelinha é muito fofa, mas além dela há Valentino, o pequeno bode da heroína.  Sim, filmes da Disney tem bichinhos fofinhos, mas, curiosamente, os cavalos não tem aquele visual tradicional do estúdio, eles parecem cavalos mesmo.  Não percebi brinquedos de Wish nas lojas ainda, grande erro que já foi cometido antes, mas imagino que a boneca de Asha fique muito lindinha e a estrelinha deve ser uma graça.

Enfim, Wish mostra o confronto entre uma garota comum e seus aliados, a estrelinha, Valentino, outros jovens que cresceram com ela, contra um rei tirano.  Todo filme acompanha o enlouquecimento de Magnífico, ou a expressão de sua verdadeira personalidade, vocês escolhem, até que ele se torna uma ameaça.  Rosas parecia o mundo perfeito, o lugar que acolhia a todos, mas era, na verdade, uma espécie de prisão, uma gaiola dourada.  Ainda assim, a mensagem do filme é que a união de todos pode derrotar o mal.  

Há uma leve sugestão revolucionária e não-conformista em Wish, "o povo unido jamais será vencido" no confronto final do filme.  O bem vence, claro.  Como não poderia deixar de ser, há inúmeras referências a outros sucessos da Disney.  Peter Pan aparece em pessoa na película, temos o espelho da Rainha Bruxa, Rosas é uma ilha muito parecida com a de Enrolados (*as esferas dos sonhos me lembram as lanternas do filme, também*), a magia que Magnífico usa contra o povo lembra os espinhais da Bela Adormecida, há ainda a referência ao vestido da Cinderela.  Certamente, perdi muitas outras homenagens, afinal, não lembro de ter visto Frozen, por exemplo, e tem que estar lá.

Falando da trilha sonora, não houve uma música sequer que tenha ficado na minha memória.  Em Viva! ou Encanto a gente sai assoviando alguma das canções.  Wish tem muitas  músicas, mais do que precisaria, mas nenhuma delas me pareceu realmente marcante e isso é uma pena.  De novo, uma animação do centenário deveria ser impactante em todos os sentidos, inclusive, o musical.

Nos créditos, há homenagem a todos os filmes dos Estúdios Disney em ordem cronológica e os da Pixar entram, também, a partir do momento em que o estúdio é adquirido, em 2006.  É bonito, mas é muito pouco, como pontuei.  Há, também, uma cena pós-crédito curta e singela com "When You Wish Upon a Star", do filme Pinóquio e que se tornou tema do estúdio.  Foi o único momento em que consegui me emocionar.

Fecho dizendo que Wish pontua muito alto em figurino, e deveriam criar um prêmio para figurino de animação, o pessoal do CDGA (Costume Designers Guild Awards), prêmio do sindicato dos figurinistas de Hollywood, deveria pensar nisso, e que há muita diversidade de etnias e corpos e mesmo uma personagem importante que é uma pessoa com deficiência, mas falta alguma coisa.  Falta emoção, falta drama, falta pelo menos uma música chiclete e uma cena que fique grudada na nossa mente.  Infelizmente, este filme de animação está longe dos mais memoráveis do estúdio.  

Se eu pudesse opinar, teria escolhido para os cem anos uma adaptação monumental de um conto de fadas de princesa, ou de herói, algo tradicional mesmo, no sentido temático.  Há muitos contos que o estúdio não visitou e não precisava ser europeu, poderia ser asiático, africano, há muita coisa boa esperando ser revisitada.  A minha outra opção seria levar uma criança, ou adolescente real, para dentro de um desenho com o intuito de salvar a Disney em uma homenagem amorosa aos grandes clássicos e sucessos modernos.  Podem me acusar de pensar pequeno, mas algo já visto, se bem executado, pode fazer maravilhas, especialmente, se puxa as cordinhas da nostalgia e, ao mesmo tempo, apresenta novidades para os pequenos.  É isso.  Primeiro filme do ano assistido e resenhado.

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